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VERAS, Tiago Fernandes Távora. O lamentável muro da favela carioca. Minha Cidade, São Paulo, ano 04, n. 045.02, Vitruvius, abr. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/04.045/2015>.
A proposição de erguer muros de concreto para cercar favelas como Rocinha e Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, com o propósito de barrar a violência, ganhou contornos de piada de mau gosto, sobretudo por partir de quem mais deveria compreender as questões urbanas e para elas ter respostas adequadas – um arquiteto.
Como ser humano, causa-me estranheza e repúdio a idéia de que, nos dias atuais, o poder público ainda pretenda isolar em guetos determinada parcela da população, por julgá-la, arbitrariamente, ameaçadora e/ou inadequada ao convívio em sociedade sem barreiras. Os guetos e o muro de Berlim, Soweto e o muro de Sharon já nos deveriam ter ensinado algo a todos.
A violência urbana, ao contrário do que se tenta impingir, não tem definida no espaço urbano sua origem, agentes, local e conseqüências. Como arquiteto e urbanista, causa-me estupefação o desconhecimento, por parte de um colega (arquiteto Luiz Paulo Conde, vice-governador do Estado do Rio de Janeiro e autor da proposta), do papel da cidade e dos princípios básicos que regem o viver em coletividade.
Se há problemas nas favelas, e se estes resvalam perigosamente de suas fronteiras, é porque as benesses públicas, tais como infra-estrutura, educação e saúde, franqueadas à cidade real, rica, não chegaram às cidades pobres, surreais – as favelas.
Dificulta-se, assim, o acesso de seus moradores a emprego e bens – terreno fértil para a opção pela criminalidade. Isolar ou delimitar as áreas pobres – ainda que com cercas vivas ou ciclovias, como se tentou corrigir tardiamente a afirmação infeliz – não vai resolver o problema da violência, que ora se expõe ainda mais cruel. Para além dos traficantes, há uma contextura social rica e organizada nas favelas – hoje já bairros com antiga história.
É preciso respeitar esta população, tão usuária de toda a cidade e contribuinte de sua construção quanto todas as demais. É preciso que a cidade real se volte à cidade surreal; que seus serviços, cada vez mais, penetrem seus limites, subindo os morros e destruindo os muros reais da segregação, da demagogia, do preconceito e da exclusão social.
sobre o autor
Tiago Veras, arquiteto e urbanista, Fortaleza CE.