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my city ISSN 1982-9922

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FARIAS, Paula Cristiane Correia. Marechal Deodoro: patrimônio ambiental urbano, turismo e exclusão sócio-espacial. Minha Cidade, São Paulo, ano 04, n. 048.03, Vitruvius, jul. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/04.048/2006>.


Arquitetura civil de Marechal Deodoro


Igreja Santa Maria Madalena e Ordem Terceira, Marechal Deodoro

Igreja Santa Maria Madalena, Marechal Deodoro

Interior da Igreja Santa Maria Madalena, Marechal Deodoro

Igreja do Rosário, Marechal Deodoro

Ordem terceira do Carmo, Marechal Deodoro

 

A colonização é considerada pela maioria dos autores, dentro da formação do contexto cultural brasileiro, como a gênese da exclusão no Brasil. A chegada do estrangeiro que se inclui pelo domínio da terra do outro é caracterizada, principalmente, na tomada de pensamento do dominado: os novos planos para a terra conquistada excluem violentamente o nativo que, historicamente, pode-se por assim dizer, ser considerado como o primeiro excluído quando da construção do território brasileiro. Boaventura Santos diz que “a ignorância é o colonialismo e o colonialismo é a concepção do outro como objeto e consequentemente o não reconhecimento do outro como sujeito” (1). A prática da quase total destruição das formas de cultura foi determinante na produção de lacunas nas expressões puras dos primeiros tempos, levando à construção de lugares constituídos de realidades impostas e importadas.

O aparecimento das primeiras configurações urbanas – efetivamente o primeiro momento da exclusão sócio-espacial – define a situação de quem está dentro dos muros, separados pelo mito da mata ameaçadora, e quem está fora. O poder dos que estavam “dentro” constituía os primórdios do sistema de segregação: os espacializados, dotados de segurança e religiosidade; definidos “incluídos” por sua condição e na maioria das vezes considerados civilizados pela catequese jesuítica, eram salvaguardados pela simbologia representada através da dotação de poder e controle exercida pela elite dominante e pelo clero. Sérgio Buarque de Holanda afirma que a Metrópole usava de “uma energia puramente repressiva, policial, e menos dirigida a edificar alguma coisa de permanente que a absorver tudo quanto lhe fosse de imediato proveito” (2). Era a lei antropofágica, era a ordem de se apropriar de tudo o que o mais fraco, suscetível a quaisquer formas de exploração, tem de melhor.

A influência da igreja no processo de exclusão sócio-espacial na construção do Brasil Colônia foi um dos maiores exemplos de preconceito e segregação. As Ordens, Irmandades e Confrarias e suas rivalidades na construção de templos, são o retrato da estratificação do homem na sociedade colonial. Caio Boschi compara esta influência ao desenvolvimento da Colônia quando diz que o “quadro evolutivo da ocupação espacial [...] desenha-se concomitantemente ao das igrejas e, por via de decorrência, das associações leigas que lhe suportavam o ônus, quer da construção, quer da manutenção” (3).

A cidade de Marechal Deodoro, também viveu seu “apogeu da afirmação da religião católica” (4). O resultado, expresso num patrimônio que reitera as afirmações anteriores, confirma o fato do contexto religioso ter sido fundamental elemento formador do traçado urbano. E como toda cidade colonial, a evidenciação da hierarquia social, segregação e exclusão social, foi também representada pela tipologia arquitetônica: das suntuosas casas de sobrado às choupanas na beira da Lagoa Manguaba, das ricas igrejas construídas para os poderosos às ordens terceiras designadas para os pretos e degredados. Porém, nem mesmo as riquezas patrimoniais da primitiva vila de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul, foram capazes de evitar o “isolamento geo-econômico que restringiu a expansão da cidade” (5), e acabaram cedendo lugar aos interesses econômicos e às condições geográficas de Maceió, marcando o início de um processo de declínio e exclusão da primeira capital do Estado de Alagoas.

O apelo visual do que se convencionou chamar “patrimônio”, percebido apenas através dos ícones histórico-arquitetônicos restantes representados pelos casarios coloniais e igrejas monumentais, amplia hoje sua definição através de vários autores e se prolonga para além do construído, incorporando a paisagem natural, desdobrando o enunciado para depois da “idéia de alguma construção de valor histórico ou artístico [...] com caráter isolado e autônomo” (6). Josemary Ferrare reitera esta revisão de conceito e, através do relato da própria população – estende-o para marcos naturais e culturais como a topografia, a lagoa, a vegetação adensada, as festas cívicas e religiosas, a culinária, o artesanato, a música, o folclore: “elementos [...] dominantes no contexto paisagístico, e os mesmos integram os sistemas de significação que norteiam a percepção dos moradores” (7).

Como toda cidade, Marechal Deodoro é resultado da produção social do espaço urbano: é uma das tantas cidades brasileiras que experimentou a criação de ambientes desenhados à luz da história. Cedeu a poucas porém importantes intervenções, dentre as quais a elaboração do Plano Integrado de Uso do Solo e Preservação do Patrimônio Histórico e o tombamento nacional da Casa de Marechal Deodoro e do Convento de Santa Maria Madalena. Provavelmente, a falta de compreensão sobre o que se aplica ao conceito de patrimônio, prova que “a esmagadora maioria não lhe associa a idéia de um conjunto de coisas e fatos” (8). Na percepção desse conceito como um todo, se torna impossível não combinar esta afirmação com o que Milton Santos define como espaço: “conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento” (9). A valoração reconhecida aos elementos que compõem a paisagem urbana é que define a importância do que é ser patrimônio, imbricados pelo seu caráter histórico-social, híbrido de processos naturais e culturais.

Sob o conceito de exclusão aqui abordado, reconhece-se a desvalorização do patrimônio arquitetônico e histórico-social da cidade e sua conseqüente descontextualização dos quadros econômico-culturais no turismo brasileiro. O motivo pelo qual os recursos naturais e culturais não se transformaram em produto para a indústria turística, para o crescimento e desenvolvimento urbano, confere à cidade uma lacuna na representatividade que certamente lhe faz mérito. Josemary Ferrare (10) afirma que os moradores, apesar das ingerências políticas, têm ciência do valor deste patrimônio como um todo. De outro lado, o Estado confirma, através das tentativas de tombamento (tramita no Ministério da Cultura, um novo processo de tombamento federal) (11), o reconhecimento da importância do núcleo urbano como patrimônio.

É confirmadamente reconhecida a importância social da história, arquitetura e cultura da região; pode-se então haver incontáveis possibilidades de agregar valor ao espaço urbano como produto. Esta importância é atestada por órgãos governamentais diretamente relacionados com a problemática e pelos próprios moradores, como referenciado anteriormente. Mas porquê o empresariado do setor, o comércio e o mercado imobiliário ainda não foram sensivelmente tocados pelo processo? Nem o bom momento traduzido pela onda de turismo cultural iniciado na década de setenta foi capaz de transformar a significação patrimonial da cidade como “capital simbólico”, traduzido por Aguiar (12) quando cita este conceito criado por Pierre Bourdieu: “uma propriedade qualquer percebida pelos agentes sociais cujas categorias de percepção são tais que eles podem entendê-las e reconhecê-las atribuindo-lhes valor” (13).

A quase nenhuma valorização e conseqüente acanhamento no desenvolvimento do sítio urbano, deixaram Marechal Deodoro na obsolescência, indiferente ao valor potencializado que já lhe foi, de fato, conferido. Essa experiência da não-potencialização da cidade como projeto turístico, excluiu sócio-espacialmente a força inata da sua história como as das histórias que carregam Porto Seguro, Ouro Preto, Salvador, São Luís.

A expectativa, como também seu patrimônio, ainda sobrevive. As inúmeras possibilidades de valor comercial (é esta a maior questão do entrave no desenvolvimento) agregados ao valor patrimonial e turístico de Marechal Deodoro existem, vale lembrar apenas algumas: a proximidade com Maceió, a praia do Francês como vizinhança, um centro gastronômico regional às margens do complexo lagunar mais referenciado do Estado. É a produção do lugar que define o próprio lugar.

notas

1
SANTOS, Boaventura de S. A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência. In: Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. Vol. I, 3ª Edição. São Paulo: Cortez, 2001.

2
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1956, p. 139.

3
BOSCHI, Caio C. Os leigos e o poder. São Paulo, Editora Ática, 1986, p. 32.

4
FERRARE, Josemary. Marechal Deodoro: um itinerário de referências culturais. Maceió, Catavento, 2002, p. 27.

5
FERRARE, Josemary. Op. cit., p. 59.

6
YÁZIGI, Eduardo. Patrimônio ambiental urbano: refazendo um conceito para o planejamento urbano. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (org.). Dilemas Urbanos – novas abordagens sobre a cidade. São Paulo, Contexto Acadêmica, 2003, p. 253

7
FERRARE, Josemary. Op. cit., p. 66.

8
YÁZIGI, Eduardo. Op. cit., p. 253.

9
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo, Hucitec, 1991, p. 27.

10
FERRARE, Josemary. Op. cit., p. 73

11
Referência extraída do jornal Gazeta de Alagoas; Maceió, Domingo, 10 ago 2003.

12
AGUIAR, Leila. Os sítios urbanos como atração turística: o caso de Porto Seguro. Caderno Virtual de Turismo – IVT [on line]. Rio de Janeiro, novembro/2003, p. 01. Disponível em http://www.ivt-rj.net/caderno/anteriores/7/leila/leila1.htm.

13
BOURDIER, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, Papirus, 1996, p. 107.

[texto originalmente escrito para a Disciplina Seminários de Integração “Exclusão Sócio-Espacial” do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Dinâmicas do Espaço Habitado – DEHA da Universidade Federal de Alagoas e que contava com o título "Patrimônio ambiental urbano, turismo e exclusão sócio-espacial: a (não) experiência/expectativa da cidade de Marechal Deodoro". Esse trabalho foi construído também com análises de observações dos professores e mestrandos em sala de aula durante a discussão dos mesmos]

sobre o autor

Paula Cristiane Correia Farias, arquiteta, Pós-graduada em Arte e Cultura Barroca do Instituto de Arte e Cultura – IAC da Universidade Federal de Ouro Preto e Mestranda no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo – Dinâmicas do Espaço Habitado – DEHA da Universidade Federal de Alagoas.

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