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my city ISSN 1982-9922

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BARBOSA, Antônio Agenor. Cuidar do Rio de Janeiro é cuidar do Brasil. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 052.03, Vitruvius, nov. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.052/1989>.



Na condição de pesquisador e professor de Urbanismo venho me dedicando há alguns anos aos estudos relativos à história e aos processos de evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, desde a sua fundação até os dias de hoje. A partir das revelações de tais estudos ficam evidenciadas as importantes contribuições que esta cidade e sua gente generosa já ofereceram – na maior parte das vezes sem uma contrapartida do Estado – para a construção e para o desenvolvimento do Brasil em diversos aspectos.

Não há espaço aqui, neste breve artigo, para enumerar os imensos benefícios que a cidade do Rio de Janeiro já proporcionou ao país ao longo de sua história. Aos que ainda não se convenceram ou desconhecem estes fatos e relatos, cabe fazer uma consulta na extensa e valiosa bibliografia que tem sido escrita sobre a cidade nesta última década.

Tudo isto para dizer que, na minha avaliação, o que vem ocorrendo atualmente na cidade nos últimos anos, em especial o galopante crescimento da violência urbana, é produto desta secular e perversa ausência de contrapartida por parte do Estado (em todos os níveis e esferas de poder) e da omissão – também secular – de grande parcela da elite urbana carioca sobre o que significa viver e trabalhar numa das cidades mais bonitas do mundo.

A história urbana recente do Brasil ainda está para ser escrita mas, as versões parciais que por aí se encontram já dão conta da importância fundamental da cidade do Rio de Janeiro nestes processos. E um fato da nossa história recente já pode ser registrado sem medo de cometer precipitações grosseiras; a saber: o Rio ainda não se levantou do trauma (político, administrativo, econômico e, sobretudo, simbólico) da transferência da Capital para Brasília há 40 anos. Não obstante este fato viu nascer e se desenvolver paulatinamente aqui do seu lado, na região sudeste, a maior metrópole da América do Sul, a cidade de São Paulo que, desde o início do século XX, já dava sinais de sua pujança econômica e política que Noel Rosa já cantava: “São Paulo dá café, Minas dá leite e Vila Isabel dá samba”.

Também não cabe aqui fazer juízos precipitados e culpar a ditadura militar pelos problemas urbanos que a cidade enfrenta nos dias de hoje, mas o fato é que mesmo no auge das políticas desenvolvimentistas dos governos militares, o Rio de Janeiro nunca ocupou o centro das atenções de tais investimentos.

O triste resultado destes últimos quarenta anos de ausência de investimentos e de contrapartidas (econômicas, sociais e políticas) para a cidade que tanto já ofereceu ao Brasil pode ser rapidamente analisado pela crônica jornalística que a imprensa carioca divulga cotidianamente. O cenário atual do Rio é desolador: violência, desordem urbana, desemprego, a favelização desenfreada, baixos salários, mendicância, informalidade em todos os processos produtivos e comerciais – desde o camelô até o grande empresário –, baixa escolaridade, poluição ambiental das praias, rios e lagoas, a eterna omissão da elite urbana – agora circulando em carros blindados (sic!) – e o principal e mais grave destes problemas: a falta de sensibilidade, de conhecimento histórico da importância desta cidade para o desenvolvimento do Brasil e, principalmente, a incompetência administrativa e gerencial das nossas autoridades que chegaram ao poder nas últimas décadas aqui no Estado e na Cidade.

As principais autoridades constituídas e eleitas pelos cidadãos cariocas e fluminenses estão mais empenhadas em alavancar seus projetos políticos pessoais que em minimizar, de fato, os problemas que esta cidade têm enfrentado. Na esfera federal, também não há desculpas para a omissão e para o desleixo com que o Rio de Janeiro tem sido tratado pelos últimos governos, o atual inclusive.

Estão todos mais preocupados com o calendário eleitoral que os projetarão para além dos cargos que ocupam no momento que em resolver os problemas cotidianos para os quais foram, de fato, eleitos. Quem já é Prefeito quer ser Governador, quem é Governador quer ser Presidente, quem já é Presidente empenha-se em obstruir avanços e conquistas positivas dos opositores. Quem entrou há pouco na política e acabou de ser eleito Deputado Federal (para cumprir um mandato de quatro anos) já quer ser eleito Prefeito antes de completar o segundo ano de mandato. Poucos gostam de ser Vereador dada a pouca visibilidade que o mandato confere, acreditam.

Num cenário político como este não há, infelizmente, perspectivas de melhoras e avanços nos graves problemas que esta cidade, ainda maravilhosa, vem enfrentando. Não existe um canal perene e sólido de negociação e de ajuste de condutas entre o Governador, o Prefeito e o Presidente não importando os nomes (e os partidos) de quem esteja no poder. Numa cidade menor, tais problemas não são tão evidenciados, mas nas metrópoles (verdadeiras caixas de ressonâncias e “barris de pólvora” das mazelas brasileiras) estes problemas têm que ser equacionados com outra lógica de gestão governamental baseadas em iniciativas concretas de integração, de parceria e não de fragmentação e de isolamento entre as esferas de poder. Para a população do Rio, infelizmente, não é esta a sensação que as autoridades têm passado a partir de suas condutas nos últimos anos. Ainda que saibamos que nenhum dos graves problemas metropolitanos se resolvem da noite para o dia, é importante saber (e perceber) que há uma real integração dos governantes que elegemos na busca de uma solução eficaz para temas tão complexos.

Se pegarmos o tema da violência urbana, é onde podemos perceber com mais nitidez a falta de seriedade, de integração e de competência com que nossos principais políticos tratam a questão. Antes das eleições todos os candidatos, não importa a que cargo, têm alguma receita para resolver o problema. Ao assumirem começam o jogo dúbio de jogar para o outro um problema que, antes de eleito, julgava-se capaz de resolver sozinho.

Há poucos meses foi morto barbaramente no Iraque o jovem Diplomata brasileiro (e carioca) Sérgio Vieira de Mello. No seu velório lá estavam prestando as últimas e merecidas homenagens ao embaixador o Prefeito, o Governador, o Presidente da República, e todos os políticos (com ou sem mandato) mais importantes desta cidade e do Brasil. Ali, num ato simbólico, políticos opositores se reuniram para homenagear um importante brasileiro e todos criticaram – em uníssono – as ações terroristas que vitimaram Vieira de Mello.

Na semana santa foi morta barbaramente aqui na cidade do Rio de Janeiro uma jovem cidadã brasileira de nome Telma Veloso Pinto de apenas 38 anos. Nenhuma autoridade se manifestou publicamente sobre o assunto (talvez escaldados pelas trapalhadas do caso Stahelli), nem mesmo aquelas que, daqui a pouco na campanha eleitoral estarão nos fazendo acreditar que têm a solução para os problemas da violência urbana. Muitos candidatos, tenho certeza disto, até usarão as imagens destas e de outras tantas tragédias urbanas nas suas propagandas eleitorais no intuito de culpar o outro pelo problema.

Feito aqui este recorte, e como cidadão carioca eu pergunto ao Prefeito e sua equipe, à Governadora e sua equipe e ao Presidente Lula e sua equipe o por quê desta omissão em momentos críticos como este? Também como eleitor tenho o direito de exigir que os senhores estabeleçam rapidamente um mínimo de integração real e concreta entre as esferas de poder que detém para minimizar, a curto prazo, este problema. O primeiro passo que proponho é que o Prefeito César Maia, a Governadora Rosinha Garotinho, o Presidente Lula, toda a bancada Federal (Deputados e Senadores) e Estadual do Rio e Vereadores sentem numa mesa de negociação e estabeleçam um pacto (irreversível) repleto de ações – ainda que emergenciais – concretas para minimizar imediatamente os impactos da violência urbana aqui no Rio de Janeiro. E que, como representantes eleitos democraticamente, conclamem os cariocas para este pacto. O povo do Rio mostrará aos senhores do que é capaz, caso lhes sejam dadas – a partir deste pacto entre os poderes – as condições do ir e vir com dignidade e segurança nos seus espaços públicos. Abraçaremos esta causa como a mais importante bandeira deste século XXI e, em breve, teremos de volta aquela cidade pacífica e cordial com que tanto sonhamos.

Caso contrário, saibam que os senhores governantes devem muito a esta cidade, e a história do Brasil que está por ser escrita e o seu povo lhes cobrarão no devido tempo a omissão com que vêm tratando esta cidade nos últimos tempos, caso não mudem o rumo destas ações.

Cuidar do Rio de Janeiro é cuidar do Brasil. E os que não entenderem esta máxima – independente do partido ao qual pertençam – é por que não têm verdadeiro amor pela cidade e pelo país que governam.

notas

1
Alto funcionário da ONU, o jovem diplomata carioca Sérgio Vieira de Mello morreu de forma trágica após uma explosão promovida por ataques terroritas no Iraque em agosto de 2003.

2
Telma Veloso Pinto, cidadã mineira de 38 anos, morreu assassinada durante a semana santa de 2004 após ultrapassar barreira imposta por traficantes em frente à favela da Rocinha no Rio de Janeiro. Telma havia se mudado para o Rio há apenas três meses.

3

Os americanos Zera Todd e Michelle Stahelli foram barbaramente assassinados dentro da mansão em que moravam num condomínio de alto luxo na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro em 2003. Todd Stahelli era Vice-Presidente da Shell na América do Sul e até agentes do FBI estiveram acompanhando as investigações que até o momento não foram concluídas. Há algum tempo atrás o Secretário de Segurança Pública , Ex-Governador Anthony Garotinho , movido pela sua implacável vontade de aparecer bem na mídia ( como ex-radialista que é ) convocou a imprensa para apresentar para o Brasil o suposto assassino do casal o ex-caseiro da família Stahelli. O caseiro foi preso neste dia e foi libertado alguns dias depois, pois surgiram novas versões de que ele havia sido preso por engano e não seria, de fato, o assassino do casal conforme anunciou com estardalhaço à imprensa o Secretário de Segurança. Até o momento a Polícia do Rio não tem uma versão definitiva para apresentar à sociedade sobre este caso.

[Artigo publicado originalmente no Portal da Cidadania (www.cidadania.org.br) e posteriormente no website www.arqbr.com.br.]

sobre o autor

Antônio Agenor de Melo Barbosa é arquiteto / urbanista, Mestre em Urbanismo (UFRJ), Doutorando em Arquitetura (UFRJ) e professor universitário na UGF, na UVA e UNIPLI.

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