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my city ISSN 1982-9922

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BOTELHO NEVES DA ROSA, Gabriel; CHIARETTI, Maurílio Ribeiro. Direito às cidades. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 052.01, Vitruvius, nov. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.052/1991>.



“A cidade não pára, a cidade só cresce: o de cima sobe e o de baixo desce”
A cidade, música de Chico Science, Grupo Nação Zumbi

“Não tem nome nem lugar. Repito a razão pela qual quis descrevê-la: das inúmeras cidades imagináveis, devem-se excluir aquelas em que os elementos se juntam sem um fio condutor; sem um código interno, uma perspectiva, um discurso. É uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa”
As cidades invisíveis, Ítalo Calvino.

Este texto pretende iniciar o debate sobre o eixo temático da gestão 2004/2005 da FeNEA – Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, de modo a contribuir com os trabalhos a serem realizados durante os Encontros de estudantes e nos fóruns em que a Federação participa institucionalmente. A FeNEA entende que a abertura dos debates é importante para que os estudantes e os profissionais da área possam contribuir com o questionamento da situação das cidades contemporâneas, construindo conjuntamente posicionamentos e ações que venham a beneficiar não só a arquitetura e o urbanismo, mas também a sociedade brasileira como um todo.

O eixo Cidades, aprovado em plenária final no último Encontro Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, realizado em Brasília, vem refletir o âmago das discussões sociais das últimas décadas.

Na década de 1980, com o fim do regime militar e a expansão dos campos de atuação dos movimentos populares de luta pela qualidade de vida e dignidade humana, a população brasileira se viu diante de um problema até então subscrito: a urbanização acelerada em favor dos investimentos do capital financeiro e da abertura de mercados. Tal problema relevou a necessidade de uma discussão profunda sobre a reforma urbana, através de mudanças de paradigmas e de legislações que ainda protegiam a existência de grandes latifúndios urbanos, propiciavam o adensamento e a verticalização sem precedentes, dificultavam o acesso aos bens de serviços e equipamentos urbanos para as classes de baixa renda e configuravam-se como instrumentos legítimos de exclusão social. Esta discussão entrou na pauta da elaboração da Constituição Federal de 1988, aprovando dois artigos que abriram o campo de debates e projetaram os rumos legais das cidades brasileiras para as próximas décadas.

Os artigos 182 e 183 do capítulo da Política Urbana da Constituição Federal instituíram os Planos Diretores e alguns mecanismos que facilitariam o acesso à terra, no entanto, não garantiriam o Direito à Cidade tão preconizado. As comunidades excluídas, entidades e intelectuais envolvidos na luta pela justiça e sustentabilidade das cidades ainda lutariam muito até a aprovação, em julho de 2001, da lei nº 10.257: o Estatuto da Cidade, uma Lei Federal que responde as necessidades de uma cidade mais democrática, diferente do que temos visto nas principais estatísticas. Segundo o censo de 2000, 81% da população brasileira vive nas áreas urbanas. Mas a maioria vive em condições precárias e não usufruem os seus benefícios. O déficit habitacional no país é de 6.539.529 moradias sendo que 5.030.000 imóveis estão fechados ou vazios.

O Estatuto da Cidade traz instrumentos que tentam garantir aos municípios o envolvimento da população na construção democrática do planejamento urbano e da justiça social, garantindo a cada cidadão o direito à cidade.

“Diferente dos instrumentos normativos determinando o que pode e o que não pode, o Estatuto da Cidade induz uma política urbana includente, sustentável e baseada na equidade social. Os instrumentos nele contidos desviam a ação do mercado privado a favor dos interesses coletivos, colaboram na regularização fundiária de ocupações humanas informais e democratizam a gestão municipal” [Rossana Brandão, arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal Fluminense, ex-Diretora de Ensino, Pesquisa e Extensão da FeNEA, em texto extraído de seu Trabalho Final de Graduação].

No ano de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, iniciou-se um processo de institucionalização das discussões até então travadas, de modo a garantir que as mudanças legais fossem também mudanças reais na vida da população brasileira, mudanças nas práticas políticas e nas formas de participação social. Isto fica claro quando lembramos das Conferências das Cidades, ocorridas em todo o país nos níveis municipal, estadual e nacional, aprovando o texto base do Ministério das Cidades e formando o Conselho Nacional das Cidades. Essas Conferências garantiram a participação dos mais diversos segmentos da sociedade, através das entidades representativas dos mesmos e da participação pública em geral.

Nos dias de hoje, vemos que a discussão das CIDADES já acumula conhecimento suficiente para evoluir o debate e inserir as questões do tema na vida da população como um todo. O processo histórico apresentado foi singularmente brasileiro e colocou o Brasil na frente de todas as mudanças carregadas pelo assunto, haja visto, por exemplo, a participação imprescindível das entidades brasileiras na fomentação do debate do Fórum Mundial de Reforma Urbana, em Barcelona. No entanto, garantir o direito à cidade é ainda um objetivo muito vago para o povo, o que não garante, portanto, sua busca para o mesmo.

Como devemos tratar a problemática urbana? O que queremos mudar? Que cidades queremos construir? Qual é o papel de cada segmento social nessa construção?

A Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil estará atuando na construção e colaboração destas questões em seis grandes momentos, que são os 5 Encontros Regionais de Estudantes de Arquitetura (EREA’s) e o Encontro Nacional de Estudantes de Arquitetura (ENEA). Os EREA’s acontecerão nas cidades de Fortaleza, Pirenópolis, Viçosa, Ribeirão Preto e Jaraguá do Sul e o ENEA, o último, na cidade de São Paulo, todos durante o primeiro semestre do ano de 2005. Cada Encontro terá sua especificidade de acordo com as características da cidade em que será realizado e com a proposição de cada comissão organizadora, sendo reflexo da formação que os estudantes de Arquitetura e Urbanismo têm e daquela que querem ter.

Assim, estamos apresentando não uma proposta já finalizada e determinada por um só grupo social (os estudantes de arquitetura e urbanismo), mas sim, levantando o problema e abrindo o debate com toda a sociedade brasileira. O problema se faz presente em uma ordem maior do que aquela que constantemente temos valorizado: fragmentadora e determinista, ele se faz sobre uma ordem complexa, cheia de incertezas e com a necessidade de se participar não somente enquanto indivíduo, mas também, e principalmente, enquanto cidadão, inserido em uma lógica de cidadania.

nota

[O presente texto é o “Eixo temático CIDADES” da gestão 2004/2005 da FeNEA – Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil]

sobre os autores

Gabriel Botelho Neves da Rosa é acadêmico de arquitetura da Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói RJ, e membro da atual Diretoria Geral da FeNEA.

Maurílio Ribeiro Chiaretti é acadêmico do Centro Universitário Barão de Mauá – CUBM, Ribeirão Preto SP, e membro da atual Diretoria Geral da FeNEA.

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