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JORGE, Liziane de Oliveira. Varandas capixabas. Ultrapassando o limite do conceito legal. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 052.02, Vitruvius, nov. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.052/1990>.
A apropriação e a manipulação do espaço é prática comum desde a pré-história, quando a cabana primordial elaborada mediante a lenta experimentação dos recursos disponíveis constituiu o artefato essencial - a habitação rudimentar, fruto do instinto humano ou manifestação cultural - de interferência do morador, produtor do habitat por excelência sem intermediadores.
A interferência no habitat pode ser interpretada como uma necessidade subjetiva, de desejo de personalização do objeto ou fruto da dinâmica do habitar, que eleva o morador a uma posição muito mais ativa. Nesta atitude fenomenológica, a consciência e a percepção do mundo se faz a partir da relação única e intransferível de vivenciar e apreender o mundo, individualmente, ativamente e de forma participativa. Nesta relação de intervir no espaço construído evidenciam-se tendências comuns, como necessidades de manutenção, modernização, acréscimos e ampliações - posturas indissociáveis da configuração externa da obra arquitetônica.
De fato, a prática relacionada à participação do usuário na obra construída é uma manifestação de adequação às necessidades e anseios do morador, e tal relação evidencia-se mais claramente nas edificações unifamiliares térreas. Porém, o olhar atento é capaz de flagrar inúmeras manifestações isoladas e fragmentadas de interferência no habitat vertical, com o comprometimento da essência arquitetônica, da harmonia global do edifício e conseqüentemente do entorno inserido.
No caso de Vitória/ ES, uma tendência tem dominado a paisagem e despontado como elemento máximo de manipulação na arquitetura do habitat vertical contemporâneo – a varanda capixaba. Considerada símbolo de status, e elemento essencial de valorização da obra, a varanda transcende seu propósito inicial e ultrapassa o conceito “legal” de varanda propriamente dito, cujo cálculo não computado no coeficiente de aproveitamento remonta a possibilidade de área que não ultrapasse 40% da área dos cômodos contíguos (PDU de Vitória – Lei 4167/94). Conseqüências da interferência podem ser observadas através das vedações incessantes e da incorporação do espaço segundo vontades individuais. Naturalmente, o desrespeito à convenção é encarado com certa tolerância, tendo em vista a prática constante e crescente.
Neste desrespeito às regras do jogo, inúmeras relações também despontam para produzir o comprometimento da harmonia arquitetônica, como a ausência de um padrão compositivo e a descaracterização do projeto original. O senso comum ganhou, baseado em usos e costumes! O impacto da transformação engendrada está diretamente relacionado à localização da obra e conseqüentemente a relação sócio-econômica do usuário. Neste caso, o acortiçamento e o desrespeito aparecem com mais intensidade nas edificações do centro da cidade (o próprio centro histórico) numa miscelânea de estilos e interferências desarticuladas, contribuindo para consolidar o cenário extremamente prejudicado do local, desvalorizado, abandonado e degradado fisicamente e territorialmente.
Vários exemplos de imóveis abandonados e subutilizados desperdiçam a infra-estrutura existente na região central. Conseqüência avessa da falta de interferência – a não participação dita a decadência instaurada na região.
Na tentativa de revitalização da área, o Programa Morar no Centro, da Prefeitura Municipal em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF) propõe a transformação destes em unidades habitacionais para população com renda de 4 a 6 salários mínimos.
Para os exemplos passíveis de intervenção em bairros residenciais favorecidos, a preocupação com os resultados estéticos é recente, começa a dar sinal de vida, com painéis de vidro de correr, sem caixilhos, que conferem leveza numa solução de interferência mais discreta e satisfatória - o grande filão para os sistemas industrializados que se prevalecem de tais circunstâncias. De qualquer forma, a cidade agradece.
Não poderia deixar de mencionar dois protagonistas que colaboram consideravelmente nas alterações e vedações nas varandas capixabas. Oriundo de fatores ambientais, a problemática da poluição atmosférica “proveniente das industrias de grande porte de elevado potencial poluidor (CVRD – Companhia Vale do Rio Doce e CST - Companhia Siderúrgica de Tubarão)” (1) contribui para propagar o pó de minério que invade todos os cômodos internos das edificações. O segundo fator, inter-relacionado é a fúria dos ventos dominantes nordeste, que disseminam tais partículas juntamente com outra série de poluentes atmosféricos de diversas naturezas e agride consideravelmente os moradores do habitat vertical. Preocupados com as conseqüências diretas destes fatores ambientais na saúde, encontram nesta relação de transformação do espaço aberto um álibi perfeito para forjar seus mais íntimos desejos, de tomar posse de um espaço que permite o domínio de ação direta do morador, o espaço até então desperdiçado.
Em outros casos, a apropriação explícita da varanda como parte integrante de cômodos internos é justificada pela necessidade de ganhar espaço. De fato, a dimensão das áreas dos compartimentos no habitat contemporâneo, associado ao elevado valor do solo conduz a uma situação inevitável que caminha em congruência com a incorporação imobiliária, de redução de área e aumento de unidades habitacionais. Neste caso, a redução se manifesta através da ação!
A importância da varanda na arquitetura capixaba é impulsionada pelas condições climáticas e evidentemente pelas tendências de mercado, elemento simbólico e essencial para a completude da satisfação em residir à margem de uma cidade litorânea. Apresentada no cenário capixaba recentemente, a alteração radical da cena arquitetônica através do acréscimo de varandas ao corpo edificado é a nova febre de renovação das elites, fruto da associação das estruturas metálicas ancoradas ao corpo original em concreto. A tecnologia atuando a favor da requalificação e da transformação da edificação em imóveis verticalizados residenciais antigos, proporcionando o acréscimo inesperado ao usuário da cobiçada varanda capixaba.
Nos resta refletir sobre o papel da varanda como agente catalizador de transformações diversas e abundantes e suas conseqüências na paisagem do cenário local. Desejada por todos e aclamada como o palco livre para ações diversas, talvez seja efetivamente o maior incentivo e a panacéia para aliviar o desconforto e as limitações impostas pelo habitat vertical.
Talvez seja a manifestação do desejo mais íntimo de cada morador, de transferir do plano horizontal a residência e todos os benefícios impossibilitados pela dimensão coletiva dos edifícios verticais, como a visionária Torre Pluralista vertical que jamais saiu do papel, preconizando a diversidade individual ordenada, com a possibilidade de particularização excepcional de cada unidade de moradia, exercício projetual que contaria com o gênio criativo de uma geração de arquitetos renomados e criativos.
nota
1
VITÓRIA, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Planejamento de Vitória. Vitória do Futuro. Plano Estratégico da Cidade 2002. Diagnóstico Final – Meio Ambiente. PMV/SEMPLA: Vitória, 2002.
sobre o autor
Liziane de Oliveira Jorge, arquiteta formada pela UFES e Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG.