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PAVIANI, Aldo. Brasília, capital complexa. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 057.04, Vitruvius, abr. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.057/1979>.
As cidades, criadas a partir de povoamento pioneiro, como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e outras, expandiram-se a partir de um núcleo central e foram ganhando territórios, emendando bairros, tornando-se grandes cidades. Com o incremento da pobreza urbana, as grandes cidades passaram a contar com favelas e ocupações ilegais, ampliando a área suburbana e seus limites.
No caso de Brasília, desde 1958, quando se abriu espaço para Taguatinga, o governo local (GDF) encarregou-se de organizar assentamentos e para estes transferir os habitantes de favelas ou, como são aqui denominadas, “invasões”. No passado, também foram transferidos os moradores de “acampamentos”, isto é, os moradores de locais designados para o alojamento de operários dos incontáveis canteiros de obras do Distrito Federal (DF). É de todo sabido que Brasília deveria ter sido uma “cidade fechada”, compacta, coincidindo com o território onde foi implantado o plano piloto de Lúcio Costa. Se assim tivesse sido, o município de Brasília teria apenas uma cidade, justamente aquela construída a partir da prancheta de arquitetos e urbanistas. Todavia, o processo de urbanização da capital brasileira não se desenvolveu da maneira planejada no decorrer dos anos. A Capital evoluiu para o que denominamos “cidade polinucleada” ou núcleos esparsos no território, compondo a cidade abrigada pelo município de Brasília.
Definir a cidade de Brasília não é trivial porque não há outros municípios no interior do DF. Com o povoamento executado, afastaram-se os administradores do padrão sugerido no projeto, no qual a cidade coincidiria com o atual centro, o Plano Piloto de Brasília. Aliás, ele não é mais um projeto. É uma realidade urbana. O que valoriza o trabalho de seus criadores, tanto quanto a construção de uma casa valoriza o trabalho do arquiteto ao invés de superá-lo. Assim foi e está sendo a implementação do ainda inacabado plano piloto, o projeto materializa-se enquanto seu processo de ocupação tem continuidade, consagrando-o como Plano Piloto de Brasília. O projeto destinava-se a uma população entre 500 mil (conforme o edital) e 600 mil (sugestão do presidente do júri internacional, Sir William Holford) e hoje a cidade é constituída por mais de 2 milhões de habitantes, considerando a população urbana do DF, isto é, o conjunto das cidades-satélites e o centro da cidade.
Se, nas cidades tradicionais, os bairros encontram-se ao redor ou na vizinhança do centro, em Brasília, por força do traçado inicial, os bairros foram implantados distantes do Plano Piloto e separados uns dos outros no intuito de mantê-los separados ou para evitar a conurbação. Em Brasília, não aconteceu a chamada conurbação, isto é, a colagem de um bairro a outro e de todos com o centro urbano. Em razão do projeto inicial, cada núcleo recebeu a denominação de “cidade-satélite”, posteriormente, por decreto, receberam a honraria de “cidades”. Se estes núcleos tivessem “uma relativa autonomia em relação ao centro”, segundo o Dicionário de Geografia Urbana do Instituto Pan-americano de Geografia e História (IPGH), poderiam ser consideradas verdadeiras cidades-satélites. Então, estes núcleos não são cidades-satélites por não terem autonomia em relação ao centro urbano e por não terem autonomia não são cidades propriamente ditas ou sedes municipais.
Há, ainda, o problema da criação da “regiões administrativas” (RAs). Estas unidades administrativas foram estabelecidas dentro de um território mais amplo que o do núcleo urbano e se destinam à alocação de recursos, delimitação de espaço para a gestão e não se confundem com sede municipal nem conferem qualquer hierarquia urbana. E, aqui, mais uma vez criaram-se dubiedades. A denominação de uma RA equivale à do núcleo onde esta se encontra. Por exemplo, a RA do Gama é RA II – Gama; a RA do Paranoá é RA VII – Paranoá. A do Plano Piloto de Brasília, RA I, leva a denominação de RA I – Brasília, quando deveria ser RA I – Plano Piloto, isto dá margem a equívocos e deve ser alterado.
Por conseqüência, o povoamento ensejou uma geografia urbana complexa e sui generis, que não encontra paralelo no país. Não houve uma ocupação urbana “em bloco”, mas esparso no território. A população dos núcleos periféricos assumiu esta Geografia e passou a distinguir o centro dos demais assentamentos. Consagrou a denominação Plano Piloto ou simplesmente “Plano” para designar o centro de Brasília. Os habitantes das antigas cidades-satélites não dizem “vou a Brasília”, mas simplesmente “vou ao Plano”. Considerando que é a população que consolida a denominação, não há como deixar de acatar a Geografia e a toponímia por ela criada. A cidade polinucleada de Brasília tem somente um município, tanto que as placas dos automóveis indicam “Brasília – DF”, não distinguindo se o veículo foi emplacado em Brazlândia, em Sobradinho ou em qualquer outra cidade-satélite. Além disto, o IBGE, em suas estatísticas, não separa as cidades-satélites do município a que pertence, no caso Brasília.
Finalmente, é preciso ressaltar que Brasília seria inviável sem os demais núcleos periféricos. Eles são importantíssimos e componentes básicos para a funcionalidade sócio-econômica da cidade. Portanto, não é correto considerar Brasília como sendo composta apenas pelo Plano Piloto.
nota
Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, Caderno Opinião, 19 abr. 2005, p. 19.
sobre o autor
Aldo Paviani é Pesquisador Associado e Professor Emérito da UnB.