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my city ISSN 1982-9922

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SANTANA, Trícia. Abandono dos espaços públicos e interiorização da vida pública na cidade turística de Natal-RN. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 057.01, Vitruvius, abr. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.057/1982>.



Muito se têm escrito sobre a cidadania, retratando sua relação de pertencimento a um grupo e simultaneamente a um local, apresentada no direito e deveres que inclui também o desfrutar pleno dos espaços públicos urbanos, se desdobrando num locus que delimita os usos, as ações, os procedimentos e estabelece parâmetros para sua prática. Desta forma, o espaço público é o principal local de reprodução da vida coletiva e social, que age com seu caráter democrático.

Podemos mencionar um exemplo de valorização do lócus público sobre o privado, na Grécia clássica o espaço público era o espaço da cidadania, da gestão coletiva da cidade, único valorizado, canal exclusivo de qualificação e mobilidade social, postulando a necessidade de relações simétricas entre os cidadãos.

As cidades são palcos de reprodução das relações humanas, que ocorrem ora nos seus espaços construídos (habitações, indústrias, hospitais), ora nos espaços livres de edificações (parques, praças, canteiros) e nos espaços de integração urbana (rede rodoferroviária) (1). Nesse sentido, parques, praças, canteiros, ruas, avenidas, largos, entre tantos outros, recebem e incentivam o exercício da vivência social e servem de suporte ao exercício da cidadania, enquanto espaços públicos, pois contam com uma expressiva acessibilidade e acolhem simultânea e passivamente os mais variados usuários e as mais diversas formas de uso, seja na sua função pré-estabelecida, seja na sua possibilidade lúdica de existir.

Este artigo trata da relação entre usuário e espaço público, neste momento das praças urbanas, discutindo como o surgimento de novas opções de comunicação e entretenimento e o baixa qualidade física destes locais estão modificando a dinâmica de utilização destes locais, contribuindo para o seu abandono, a sua desvalorização e depredação.

É fruto de reflexões baseadas nas Avaliações Pós-ocupações (APO) feitas em três praças públicas localizadas em áreas residenciais da cidade de Natal-RN, no desenvolvimento da minha dissertação de mestrado. Foram aplicados questionários e feitas entrevistas aos usuários e moradores do entorno das praças selecionadas, além de mapeamentos comportamentais centrados-no-lugar, a fim de aferir sobre locais, mobiliário urbano, equipamentos, horários e tipos de usuários mais freqüentes nos lugares. Os principais itens avaliados pelos questionários e entrevistas eram de cunho físico e psicológico. Entre os primeiros estão: o mobiliário urbano, equipamentos, iluminação noturna, limpeza e conservação. Dentre os segundos: as sensações de segurança, de privacidade e de tranqüilidade.

Para tanto foi necessário o entendimento do que estávamos tratando como espaços públicos, e principalmente como praça. A conceituação dos espaços públicos livres de edificações, não chegou ainda a um consenso, sendo motivo de longas discussões a respeito da definição de parques, praças, canteiros, recantos, jardins, etc. Assim sendo, coube a nós, utilizarmos aquele que mais se aproximou do âmbito da pesquisa ora apresentada, onde foi feito um apanhado de vários autores, no sentido de esclarecer e enriquecer nosso referencial teórico.

No Brasil, as praças surgiram principalmente com os adros dos conventos, capelas e igrejas, eram vazios urbanos que serviam principalmente para ressaltá-la as edificações dos seus entornos (2). Compondo um cenário sócio-cultural, estes edifícios assumem um dos mais importantes papéis na formação de nossas praças: agrega para si uma parcela do solo, suporte necessário às atividades religiosas (autos-de-fé, procissões) e profanas (quermesses e convivência social) e outras facilidades de acessos, além da forma de poder exercida pelo seu conjunto arquitetônico e de seu entorno, onde estavam situados os principais prédios da cidade, como o erário e o pelourinho, por exemplo.

Segawa (3) afirma que a praça é um espaço ancestral na cidade, não podendo ser confundida com aqueles ambientes contemporâneos como jardins ou parques, pois aquela se confunde com o próprio conceito de origem da cidade, compondo sua forma, atuando de maneiras peculiares, com ações que ressaltam sua importância enquanto espaço coletivo, agregador e sociabilizador.

Com seu traçado atrelado às vias de tráfego de veículos, independem das edificações locadas em seus lotes mais próximos, possuem ou não significativa cobertura vegetal e desenvolvem as mais variadas funções, tais como ecológica, social, estética, educativa e psicológica, desenvolvendo então outros variados sentidos como: de passagem, de fim em si mesma (uso de camelôs), de festa, de reivindicações, de lazer e contemplação e de religiosidade. Deve conter um mobiliário urbano e equipamentos que promovam sua utilização nas mais diferentes formas e horários, e para os mais distintos usuários.

Deve-se deixar claro que, embora os espaços públicos no seu sentido mais amplo, seja palco de ações ligadas à sociabilidade e a cidadania, a natureza do lugar é capaz de modificar as formas de expor tais atuações, por exemplo, a maneira de se portar em um horto não é a mesma daquela exigida em um parque. Desta forma, se faz necessário que se delimite o caráter do espaço público a ser estudado, direcionando a este um tratamento específico e de acordo com suas particularidades.

Ainda que, nem sempre a praça consiga atender a todas as funções exigidas ou para as quais foi projetada, não se pode negar a importância desse espaço na malha urbana, seja na manutenção do meio ambiente, no embelezamento caro da paisagem ou na organização da malha.

A literatura nos mostra que, com o passar do tempo e com as mudanças na sociedade, estes espaços foram se adequando às novas formas de usar, pensar e perceber o espaço público, onde foram instituídos novos elementos à sua paisagem, outros foram recriados ou ainda simplesmente esquecidos e eliminados, embora sua função agregadora e sociabilizadora tenha permanecido como aspectos marcantes de sua existência.

Com esta nova forma de pensar a praça pública, trocam-se os coretos e mobiliário urbano freqüentemente importados da Europa no século XIX, por exemplo, por quadras poliesportivas e aparelhos de ginásticas, reflexos de uma mudança de usos desses lugares, que antes contavam com ‘códigos de conduta’ delimitando ações, vestimentas e horários de visitas, mas que hoje encontram-se mais democráticos, mais abertos a sua utilização plena e por todos aqueles moradores das cidades, reforçando mais do que nunca, seu caráter de espaço público.

Aspectos ligados à relação afetiva entre o homem e o locus, também foram alterados com essa mudança de utilização, alguns espaços foram mais valorizados em detrimento de outros, e por isso, são mais consumidos, mais visitados e mais apreciados, seja por usuários, seja pelo capital imobiliário e seus atores envolvidos, seja pela esfera Pública.

Embora se fale que estes espaços conseguiram se manter firmes na estrutura urbana, mesmo sob diversas culturas de conceber e planejar a cidade, até por estar intrinsecamente atrelada a origem desta, o mesmo não se pode afirmar sobre que seu caráter social e agregador ainda permaneçam tão forte como nos seus primórdios. É então que se observa um processo de esquecimento, de abandono e de degradação física e afetiva do espaço público, gerando "sombras urbanas" com locais inutilizados na malha, nocivos à sua vitalidade e ao bem-estar e qualidade de vida de seus habitantes, interferindo no exercício da cidadania e ainda contribuindo para o desperdício de infra-estrutura da cidade. Não estamos nos referindo aqui, ao sentido de passagem que ainda hoje é fortemente exercido por estes lugares.

Jacobs cita em seu livro que “nas cidades, a animação e a variedade atraem mais animação; a apatia e a monotonia repelem a vida” (4), e mostra que se forma um ciclo vicioso, onde um espaço vazio tende a permanecer inutilizado pelo seu aspecto monótono e sem vida. Segundo esta autora, espaços pouco utilizados e entornos ociosos, são propícios ao aparecimento da violência e de ações nocivas aos usuários e, por conseguinte, a qualidade de vida urbana.

Observa-se um sentimento de descaso com a utilização, a valorização, o tratamento, a conservação e a concepção dos espaços públicos, não somente por parte dos usuários, mas também por parte da ação Pública e dos profissionais envolvidos na concepção destes, pelas mais diversas razões, onde podemos citar, a falta de diálogo destes como o público alvo e o distanciamento de valores e significados entre estas partes, culminando em espaços grosseiramente projetados que são impostos à população. Mesmo quando nos remetemos à praças bem tratadas, com uma razoável qualidade e quantidade expressiva de mobiliário urbano e beleza estética compatível, percebemos a subutilização e o abandono destes locais.

Seja pela sua realidade estrutural (mobiliário urbano, equipamentos, arborização e beleza estética), seja pela sua carga histórica ou cultural, em Natal (locus de desenvolvimento da pesquisa), as praças públicas não estão sendo consideradas pela maioria dos usuários, como locais de lazer, recreação, relaxamento e sociabilização. Em um sentido oposto, observamos uma valorização diferenciada dos seus espaços naturais (praias, dunas e lagoas), seus shoppings centers e galerias de lojas, seus restaurantes, bares e boates da moda.

Em relação a qualidade estrutural das praças natalenses, apesar de esforços realizados no sentido de melhorar os locais, nota-se que grande parte não consegue atrair usuários à altura dos investimentos feitos e das expectativas geradas. Observa-se um descompasso no que é desejo/necessidade – segundo questionários respondidos por moradores do entorno e usuários – e no que é realmente implementado, gerando desperdícios dos mais variados tipos e grandezas.

Aspectos analisados na pesquisa realizada em Natal revelam que a questão da arborização e paisagismo e do conforto físico do mobiliário urbano das praças selecionadas, são citados tanto como os mais desejados, quanto os que estão mais em falta nestes lugares, contribuindo para o abandono e depredação dos mesmos. Embora outros pontos tenham sido citados, como segurança pública e desconforto ambiental, aqueles anteriormente mencionados, são os que mais se sobressaem.

Sabe-se que não se trata de um problema local, Gomes (5) nos fala de um processo de abandono dos espaços públicos (consideramos a inserção das praças neste universo), o qual ele denominou de "recuo da cidadania", onde alguns fatores concorrem para este fato, tais como: a multiplicação dos espaços comuns, mas não públicos; um confinamento dos terrenos de sociabilidade e diversas maneiras de nos extrairmos do espaço público, assim como a redefinição de modelos de lugares tais como Shoppings Centers e ruas fechadas, por exemplo.

Em Natal, a atenção dos locais que concentram grande número de turistas é gritante, grande parte dos investimentos são feitos nestes pontos, só para citar alguns: grandes vias de tráfego viário, calçadões litorâneos, centros de venda de artesanatos, Shoppings Centers e galerias de lojas, voltados principalmente para o mercado turístico.

Lopes Júnior (6), em comparação com a dinâmica turística de Salvador, afirma que o turismo de Natal, baseia-se na exploração de sua natureza, são mais valorizadas suas dunas, praias e lagoas, a capital baiana, conseguiu calcar suas bases no turismo histórico, e faz uso dos seus espaços históricos, incluindo aí muitas de suas praças, como a Castro Alves, com seu sentido de festa e a Praça da Sé, palco de manifestações culturais, ambas propícias ao desenvolvimento da cidadania – quando os usuários têm a possibilidade de fazer uso pleno do local – e de convivência social, com os mais variados tipos de pessoas, das mais diversas partes do mundo, durante todos os dias. Torna-se então, lugar de encontro, de lazer, de contemplação que embora seja gerado pelo turismo, valorizando o local, aos olhos da população e de seus governantes, estes atores envolvidos diretamente na preservação e utilização das praças, sendo benéfico na manutenção da qualidade de vida urbana de seus habitantes.

Natal se insere nas paisagens da pós-modernidade, onde o meio ambiente é o que media as relação as humanas e não seus produtores simbólicos ou históricos (idem, 1997, p. 48). Neste caso especifico, mas não único – já que se trata de uma realidade de âmbito nacional – percebe-se uma cidadania incompleta, expressa pelo descaso com os espaços públicos, abandonos dos equipamentos coletivos de lazer e convivência social, em detrimento da utilização cada vez mais forte dos locais pseudo-públicos (públicos por sua significação, mas privados por sua regulamentação) contribuindo para aumentar o abismo de segregação sócio-espacial brasileiro.

No sentido de modificar a inversão de utilização dos espaços públicos, por aqueles pseudo-públicos, é válido recorrermos às ações do turismo cultural, valorizando não apenas a paisagem natural, mas também a cultural dos parques e praças das cidades e dos seus centros históricos, dinamizando novas formas de vivacidade e convívio urbano. Não que a cidadania e a vivência social não estejam sendo exercidas nestes locais, mas é através destas ações que os espaços públicos se revelam na sua essência, na sua razão de existir e permanecer na malha urbana, sendo mais que simples espaços vazios na cidade, importantes na manutenção da qualidade de vida de seus habitantes, mais que locais de equilíbrio da massa construída, mais que uma variação na paisagem urbana, espera-se que estes sejam recantos de lazer, de prazer, de entretenimento, de manifestações culturais, de atração de investimentos e capital, e que com isto resgatemos antigos e saudáveis hábitos outrora exercidos nestes locais.

Estas são considerações modestas de um trabalho que está apenas começando e pretendeu discutir de forma breve como o mercado turístico cultural pode contribuir para modificar de forma positiva o processo de “interiorização” da vida pública nas grandes cidades brasileiras.

notas

1
CAVALHEIRO, F., DEL PICHIA P. “Áreas verdes: conceitos, objetivos, diretrizes para o planejamento”. In: Encontro Nacional sobre Arborização Urbana, 4,1992, Vitória-ES. Anais I e II, 1992, p.29-38.

2
GALENDER, Fani. “Considerações sobre a conceituação de espaços públicos”. In: DEL RIO, Vicente. Paisagem e ambiente (ensaios 4), São Paulo, FAUUSP, 1992, p. 115.

3
SEGAWA, Hugo. Ao amor do público: jardins do Brasil. São Paulo, Studio Nobre. FAPESP, 1996, p. 31.

4
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p.108.

5
GOMES, P. C da C. A condição urbana: ensaio de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002, p.174.

6
LOPES JÚNIOR. “Urbanização turística, cultura e meio ambiente no nordeste brasileiro”. In: Viagens à natureza. Campinas, Papirus, 1997.

sobre o autor

Trícia Caroline da Silva Santana é arquiteta pela Universidade da Amazônia, Mestre em Arquitetura e Urbanismo-UFRN, e Docente na Faculdade União Americana em Natal-RN, da disciplina Turismo e Patrimônio Cultural.

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