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LORDELLO, Eliane. Olinda, primeira capital brasileira da cultura. Minha Cidade, São Paulo, ano 06, n. 063.02, Vitruvius, out. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/06.063/1965>.
“Eis o incêndio de ocre
que à tarde queima Olinda”
João Cabral de Melo Neto, De um avião
Antes de tudo preciso dizer que Olinda não é minha cidade de nascimento, sou capixaba de Vitória. Mas Olinda é a minha cidade por adoção e eu a levarei comigo por toda a vida, porquanto inesquecível é, para mim, o tempo em que nela morei, e também o que com ela convivi. Neste texto, quero tão somente recuperar um pouco do passado e do presente desta minha tão amada cidade, eleita Primeira Capital Brasileira da Cultura.
Olinda é uma cidade de pedra e cal, com telhados ocres e cardos, que repousa sobre oito singelas e verdejantes colinas. Desenha-se por ruas tortuosas, e largos generosos, acolhedores. Apresenta, assim, uma urbanização de “regaço”, fazendo nossa a palavra com que o poeta João Cabral de Melo Neto definiu a cidade de Sevilha. Ao nosso ver, esse repousar sobre colinas é uma das mais ricas dentre as características simbólicas da cidade. Porquanto em contraste com a planície que a circunda, de longe se lhe avista, antecipando-lhe, gradativamente, a chegada. Visão esta, que se descortina para além das estradas, posto que lindamente se pode vê-la também da praia de Pina, e, vindo dela, também do início da praia de Boa Viagem, ambas no Recife. Além disso, a palavra colina, por sua feminilidade, transfere a Olinda muitas simbólicas femininas.
Fundada como povoado em 1535, e elevada à categoria de vila em 1537, seu tempo original de edificação é quinhentista, ao qual remonta o traçado hoje existente na cidade, considerado ainda muito semelhante ao original. Seu núcleo inicial de implantação se estendia do Alto da Sé ao largo da Misericórdia, tendo deste centro partido os primeiros caminhos de interligação com as edificações, que originaram muitas das ruas da cidade.
Um segundo aldeamento surgiu distante dali, circundando a Igreja de Nossa Senhora do Monte, finalizada em 1585. A partir destes dois povoamentos desenvolveu-se a vila de Olinda, que ainda no século XVI enriqueceria com a economia açucareira, propulsada pelos engenhos que em seu entorno prosperavam, na então capitania. Engenhos que se espalharam inicialmente na várzea do Capibaribe, e se estenderam pelas margens do Jiquiá, Tejipió e Jaboatão. Terras essas que, ao longo de sua história, Olinda veio a perder.
Histórias algo míticas povoam o imaginário de Olinda. Uma delas é a da origem de seu nome dever-se a uma suposta exclamação do donatário Duarte Coelho – “Ó linda situação para se construir uma vila”. Ao que é contraposta a versão de que o nome Olinda advém de uma personagem feminina do romance de cavalaria Amadis de Gaula. Versão esta que nos parece mais plausível, porquanto sabemos que o romanceiro de cavalaria era muito popular entre os nautas, e a marujada das caravelas, nos idos dos grandes descobrimentos (1).
Outra é a incrível história do aparecimento (1537), translado (1550), desaparecimento (1631), reaparecimento (1654), e finalmente, novo translado (1672), do controvertido Foral de Olinda (2). Ainda hoje controversa, esta história do foral tem persistido como objeto de estudo de numerosos pesquisadores. Fosse levada à literatura, sua trama possivelmente renderia páginas rocambolescas e fabulosas.
Uma terceira, é a triste história de sua invasão – no auge de sua prosperidade – em 1630, pelos holandeses. Ainda no rescaldo desta invasão, Olinda é saqueada e incendiada em 1631. O aspecto mítico se reforça ainda mais quando considerado que tais incidentes foram profetizados pelo então Comissário do Santo Ofício no Brasil, o frei dominicano Antônio Rosado. Alarmado com o que considerava uma decadência dos costumes na rica e faustosa vila de Olinda, já nos primórdios do ano de 1629, o frei teria vaticinado, em seu sermão quaresmal:
“sem mais diferença do que uma só letra, está Olinda chamada por Olanda e por Olanda há de ser abrasada Olinda, onde tanto falta a justiça da terra, não tardará muito a do céu” (3).
Com a expulsão dos holandeses em 1654, Olinda começa seu lento reconstruir, que se estenderá até 1711. Contudo, tendo já o Recife sido guindado à condição de sede da capitania, Olinda é relegada a segundo plano, mesmo quando alçada à condição de cidade, em 1676. Sediando, de 1827 a 1852, no mosteiro de São Bento, a primeira Academia de Direito do Brasil, e sendo já um estabilizado local de moradia, Olinda, entretanto, só viria a conhecer nova alvorada no século XIX, com a então balbuciante freqüência à praia para o nascente hábito do banho de mar. Este fez com que a cidade fosse inicialmente procurada como balneário, para o aluguel de casas no período de veraneio. Tal sazonalidade gradativamente desapareceu com a aquisição de imóveis residenciais, o que acabou consagrando a cidade como local de moradia fixa.
No século XX, segundo registro de Vera Milet (4), entre as décadas de 50 e 70, Olinda sofreu intenso processo de urbanização. Tal marcha ocupou todo o seu litoral e os morros circunvizinhos ao Sítio Histórico, comprometendo a ambiência e a paisagem do antigo núcleo.
Nesse século também, já um insigne destino turístico, e auferindo merecido destaque nos roteiros históricos do país, Olinda recebeu dois importantes títulos. O primeiro foi sua inscrição, em nível nacional, no Livro de Tombo de Belas Artes, no Histórico Arqueológico, e no Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 1968. O segundo foi sua inscrição na Lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da Unesco, em 17 de dezembro de 1982. Ambos os títulos concorrem para preservá-la de outras degradações, vistas aquelas relatadas por Milet, acima citadas. No endereço eletrônico da Unesco, Olinda é representada pela seguinte imagem da Igreja de São Bento.
Ainda neste mesmo site, é dado destaque à sinopse da justificativa de seu tombamento em nível mundial. Eis o que transcrevemos abaixo.
“Founded in the 16th century by the Portuguese, the town's history is linked to the sugar-cane industry. Rebuilt after being looted by the Dutch, its basic urban fabric dates from the 18th century. The harmonious balance between the buildings, gardens, 20 Baroque churches, convents and numerous small passos (chapels) all contribute to Olinda's particular charm” (5).
Apreendemos, nesta sinopse, um reconhecimento de Olinda por sua história urbana, econômica e política; por sua arquitetura singular em tempos e formas; e pelo modo especial como seu conjunto construído se insere em meio à vegetação.
Segundo informações do endereço eletrônico da Prefeitura de Olinda (6), na área urbana total do município, que é 34, 54 Km², o polígono de Preservação Cultural constituí 10,4 Km², e o Polígono de Tombamento é de 1,2 Km². O Sítio Histórico, constante do Polígono de Preservação Cultural, que inclui o de Tombamento, é o coração da cidade de Olinda.
O Sítio Histórico é também moradia tradicional de artistas plásticos, músicos, produtores culturais e pessoas ligadas à arte em geral. Esta ocupação é tida como uma tendência da cidade, desde remotos tempos. Uma ilustração disto encontramos no site do IPHAN, na seguinte referência à presença dos artistas:
“Como os holandeses Frans Post e Albert Eckhout que, no século XVII, apaixonaram-se pela cidade e se sensibilizaram com a sua destruição, hoje poetas, músicos e artistas plásticos escolhem Olinda para viver, compartilhando com os artesãos e os criadores anônimos do povo um espaço de grande animação cultural” (7).
As fortes tradições pernambucanas manifestam-se exemplarmente em Olinda. Nas ruas do Sítio Histórico, nos finais de tarde, vê-se, todos os dias, circularem bicicletas vendendo canjica. Enquanto nas esquinas se montam as bancas de tapioca, com seus fogareiros, fuligens, aromas. Seus largos, praças, e calçadas são povoados por Rodas de Coco, ensaios de Maracatu, bandas de Pau e Corda, e suas ladeiras percorridas semanalmente por serenatas noturnas. No São João, na noite do dia 23 de Junho, podemos contemplar Olinda sarapintada de fogos, das fogueiras erguidas nos seus inúmeros quintais. No carnaval, evento mais conhecido da cidade, são tantos e tão geniais os blocos, que, para nenhuma injustiça cometermos, dado o curto espaço deste artigo, nos absteremos de citar seus nomes.
Além dessas festividades tradicionais, Olinda abriga muitos outros eventos culturais. Em 2004, por exemplo, sediou os seguintes: “Mimo – Mostra Internacional de Música de Olinda”, apresentada em algumas de suas igrejas barrocas; e também o “Olinda Arte em Toda Parte”, acontecimento anual em que os artistas abrem à visitação pública seus ateliês e residências; e o “Festival Internacional de Bonecos”, que espalhou alegria pelos quatro cantos da cidade.
Por tudo isso, pernambucanos de nascimento, ou de coração (como eu), comemoramos a eleição de Olinda como Primeira Capital Brasileira da Cultura. Vencida num pleito em que competiu com as cidades de João Pessoa e Salvador, cujo resultado foi anunciado no dia 31 de Julho de 2005. Mais ainda, nesta conquista depositamos a esperança da abertura de novas perspectivas para preservar e manter seu rico legado arquitetônico, urbanístico e cultural. É para nós um enlevo que Olinda possa prosseguir, no tempo, com a indizível alegria que só ela sabe ter.
Notas
1
Cf. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Visão do paraíso – os motivos edênicos na descoberta e colonização do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1996; e MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
2
Cf. Breve História de Olinda, disponível em http://www.olinda.pe.gov.br/portal/historia.php. Consultado em 21/04/05 às 13:42.
3
CHAGAS, Carmo (org). Patrimônio do mundo. São Paulo, Nova Cultural, 1987, p. 19.
4
MILET, Vera. A teimosia das pedras: um estudo sobre a preservação do patrimônio ambiental do Brasil. Olinda, Prefeitura de Olinda, 1988.
5
UNESCO <http://whc.unesco.org/pg.cfm?cid=31&id_site=189>. Consultado em 31 maio 2005.
6
Prefeitura Municipal de Olinda <www.olinda.pe.gov.br>. Consultado em 5 jun. 2005.
7
IPHAN <http://www.iphan.gov.br/bens/Mundial/p3_6.htm>. Consultado em 25 jun. 2005.
sobre o autor
Eliane Lordello, arquiteta e Urbanista (UFES, 1991). Mestre em Arquitetura pelo PROARQ/FAU/UFRJ, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE.