Na madrugada de 17 de dezembro de 2005, o prédio da administração central do Complexo Hospitalar do Juquery foi destruído por um incêndio. Edificação de grande destaque no conjunto arquitetônico projetado pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo na virada do século XIX, é Patrimônio Histórico reconhecido pelo Condephaat.
Exemplar de grande valor arquitetônico, dotado de elementos ecléticos, sintetizou a linguagem construtiva institucional de um tempo histórico que, juntamente com outras edificações existentes na Fazenda Juquery, representam a arquitetura hospitalar daquele período. Sua imponente edificação de dois andares é cartão postal da paisagem franco-rochense.
A estrutura da cobertura do edifício, bem como a das galerias, feita em madeira nobre, como o pinho de Riga, mostrava um trabalho de carpintaria primoroso, cuidado que Ramos de Azevedo demonstrou nas suas portas, janelas e assoalhos. Um vitral destacava-se no saguão central, causando uma sensação agradável ao adentrar ao prédio pela sua porta principal, iluminando o busto de Franco da Rocha que, segundo a versão de funcionários, foi resgatado somente nos últimos instantes que precederam o colapso da edificação.
Lamentavelmente, o fogo reduziu o edifício a escombros, restando apenas as paredes estruturais e uma parte da cobertura do piso inferior, numa das laterais. Queimaram com ele mais de cem anos da história da psiquiatria paulista e brasileira – prontuários médicos, arquivos técnicos e administrativos – que guardavam o dia a dia do Hospital do Juquery desde o tempo do médico Franco da Rocha, fundador da instituição. O edifício abrigava ainda a mais completa biblioteca brasileira de livros e periódicos em psiquiatria da metade do século XIX até metade do século XX.
O incêndio ocorrido em um final de semana, de um final de ano, de uma final de campeonato esportivo, não chamou a atenção da imprensa como poderia ou deveria.
Da mesma forma espera-se que as 16 viaturas mobilizadas pelo Corpo de Bombeiro, conforme noticiado pelo site www.estadao.com.br, tenham sido ao menos capazes de salvar uma parcela do acervo ali guardado. Neste caso muito terá sido feito, pois a construção poderá ser, em algum sentido, restaurada, mas a memória documental ali contida não.
Embora ainda seja cedo para avaliar se o incêndio foi intencional ou não, ele certamente será fruto de mais de uma década de abandono e descaso na manutenção das edificações do Complexo. Cabe ressaltar que o prédio da antiga 3ª Clínica Feminina do Hospital Central, que foi incendiado (!) há alguns anos, ainda não foi recuperado, correndo sérios riscos de desaparecer. Esse risco também se estende à Colônia Azevedo Soares, construída em 1896, primeira edificação do Hospital do Juquery, também projetada por Ramos de Azevedo, há 110 anos com indiscutível valor histórico e arquitetônico.
Diante da tragédia de agora, torna-se necessário cobrar das autoridades a responsabilidade pelo ocorrido exigindo, além das explicações necessárias, um plano de ação que possibilite a preservação do edifício. Corre-se o risco de que o Hospital Central seja retirado da paisagem e talvez, quem sabe, num futuro próximo, até de nossa memória.
A visita feita ao Complexo, no domingo, causou tristeza e indignação. Visto de fora ou a partir dos jardins do pátio interno, o edifício calcinado contrasta dolorosamente com o verde da vegetação que o envolve. A tarde úmida, o silêncio e a fumaça do rescaldo davam aos sentidos a impressão de um velório. Mas ainda assim, o que restou do belo edifício domina a paisagem, testemunho inequívoco que foi construído para permanecer.
sobre o autor
Iná Rosa e Lucia Teresa Faria são arquitetas e pesquisadoras do Hospital do Juquery.