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my city ISSN 1982-9922

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QUARESMA, Felipe de Andrade. Arquitetura e o ambiente acústico do Rio de Janeiro. Minha Cidade, São Paulo, ano 06, n. 065.01, Vitruvius, dez. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/06.065/1959>.


Trânsito caótico em duas mãos na rua Dias da Cruz, no Méier [Acervo IPLANRIO]


Tabela 1: Fontes de poluição sonora não pertinentes ao PCPS [SMAC]

Gráfico 1: Reclamações ao PCPS por fonte sonora em toda a cidade do Rio de Janeiro entre outubro de 2002 e outubro de 2003 [SMAC]

Gráfico 2: Número de vistorias do PCPS por atividade, por AP [SMAC]

 

Sirenes, buzinas, máquinas, jogos eletrônicos, música, propaganda... O espaço urbano é rico em fontes sonoras, e não há fronteiras no ambiente acústico. O poeta Ferreira Gullar (1) abordou a questão da seguinte maneira:

“A coisa mais difícil hoje em dia é encontrar um lugar silencioso. Além do barulho habitual das ruas – agravado pelas sirenes da polícia e das ambulâncias numa altura que supera qualquer outra fonte de poluição sonora – decretou-se que todos adoramos música e que por isso deve haver música em todas as partes: no supermercado, no restaurante, no bar, na praia, no corredor do hotel.”

O poeta é um homem sensível, certamente. Observador, culto, talvez saudoso de um tempo em que as cidades tenham sido ambientes menos agressivos. É natural pensarmos que em outros tempos, nos anos dourados, fosse diferente. E certamente era, mas o distanciamento histórico – e sentimental, para quem viveu aqueles tempos – parece mascarar a realidade, como atesta o jornalista Zuenir Ventura (2) em seu livro Cidade Partida: "os buracos, os engarrafamentos, os camelôs pelas ruas e mendigos pelas calçadas, o barulho atormentavam a população (nos anos 1950). Como era barulhento o Rio!"

Ainda hoje, o Rio de Janeiro é freqüentemente lembrado como uma das cidades mais ruidosas do mundo. Independentemente de uma melhor caracterização deste ranking fictício, precisamos estar aptos a lidar com o ambiente sonoro onde inserimos nossas edificações, buscando qualificação e conhecendo este meio ambiente.

A maneira de lidar com esta realidade é uma questão pessoal de cada profissional, relacionada à ética e perícia profissional. As formas de relacionamento com o ambiente urbano são variadas, mas nos cabe afirmar que estamos todos sujeitos aos malefícios da poluição sonora, indistintamente – este é um mal mais democrático do que a maioria de nossas mazelas contemporâneas. Especialmente quando o edifício não nos fornece a devida proteção, segurança e abrigo, em virtude de uma seqüência de negligências e vícios profissionais do arquiteto.

Poluição sonora

Os dados que apresentaremos aqui foram fornecidos pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro, através do seu Programa de Controle de Poluição Sonora (PCPS), referentes ao período entre Fevereiro de 2002 e Novembro de 2003. No ano de 2004 as medições em campo foram interrompidas.

A Secretaria atua com limitações legais que restringem sua área de atuação, focando-se nas fontes de poluição sonora provenientes de estabelecimentos comerciais. Segundo a SMAC, são de sua competência:

  • Bares e restaurantes com música;
  • Escolas e agremiações de samba;
  • Templos de qualquer culto religioso;
  • Sinaleiras de advertência;
  • Clubes e academias;
  • Oficinas;
  • Casas de espetáculo;
  • Criadouros comerciais de animais;
  • Obras e indústrias;
  • Ruídos de equipamentos mecânicos, desde que não seja questão interna de condomínio;

Carros de som, vendedores ambulantes, aglomerações de pessoas em logradouro público, escolas em atividades curriculares e complementares, reclamações internas de condomínios, animais domésticos, ruídos de trânsito, etc. não fazem parte da competência da SMAC.

É expressivo o número de reclamações no período referentes a fontes que não são de responsabilidade da SMAC, e dividem-se como mostra a Tabela 1.

Nota-se que uma parte grande das reclamações tem origem em comportamento anti-social. Somando as porcentagens correspondentes às “carro com som”, “animais” e “aglomeração” temos 54,61% do universo total das reclamações não pertinentes ao PCPS.

Nada desprezível é também a perturbação causada pelo trânsito, 10,64%, poluição sonora urbana das mais típicas e que, grosso modo, não costuma gerar ação comunitária por ser entendida como inerente à cidade. Ou seja, não é uma fonte personificada de ruído, é difusa por natureza.

Evolução do programa de controle de poluição sonora

Avaliando-se os dados dos relatórios do PCPS por fonte do ruído, independente da atividade exercida no estabelecimento acusado, podemos afirmar que a música representa grande parte do incômodo gerado, seja mecânica ou ao vivo.

Da mesma forma, podemos elaborar um ranking dos bairros que mais geraram reclamações no mesmo período:

  • Grande Méier (3);
  • Copacabana;
  • Centro;
  • Tijuca;
  • Grande Madureira (4);
  • Botafogo;
  • Campo Grande;
  • Barra da Tijuca;
  • Vila Isabel;
  • Laranjeiras;

O Gráfico 2, a seguir, apresenta o número total de vistorias realizadas por atividade exercida, em cada Área de Planejamento, evidenciando as particularidades do ambiente acústico de cada região da cidade – sempre em função das reclamações recebidas.

A fonte poluidora “(1) entretenimento” corresponde a bares, boates, restaurantes, etc; “(2) Culto religioso” corresponde a templos de qualquer credo; O item “(3) indústria” engloba obras, serralherias, gráficas e demais atividades industriais; “(4) Atividades esportivas” correspondem a academias de ginástica, clubes, etc.

Área de Planejamento 1 – AP1

A AP1 corresponde à área do Centro da Cidade. Ainda que abrace alguns bairros tipicamente residenciais, como Santa Tereza, esta AP tem maior predominância de uso comercial das edificações, e é exatamente o bairro do Centro que gera a maior parte das reclamações desta AP. Esta particularidade torna a AP1 atípica em relação às demais Áreas de Planejamento. Ainda que densamente ocupada, a AP1 gerou proporcionalmente poucas reclamações e vistorias no período, donde podemos especular que os maiores incômodos são sentidos nas áreas residenciais e de uso misto.

As atividades comerciais que mais provocam incômodo nesta região são as ligadas ao entretenimento, o que corresponde à tendência comum a toda cidade. Mas destaca-se o pequeno número de ocorrências ligadas a templos religiosos, indústrias e academias.

Área de Planejamento 2 – AP2

Correspondendo à Zona Sul da cidade, área nobre, esta é a AP que mais reclamações gerou no período. Os bairros desta AP estão entre os de maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade, um indicador municipal para avaliação da qualidade de vida nos diferentes bairros considerando parâmetros como renda, escolaridade e longevidade, segundo o Instituto Pereira Passos.

Estes dados evidenciam o alto grau de desenvolvimento sócio-econômico da região. A isto se soma a alta taxa de ocupação destes bairros e a diversidade de uso das edificações, o que esclarece a ocorrência do grande número de reclamações ao PCPS e sua distribuição por atividades exercidas.

As atividades de entretenimento são responsáveis pela maior parte das queixas ao PCPS, mais de 50% do total desta AP. Indústria e templos religiosos tem pequena importância no universo de reclamações. Em contrapartida, o ruído de tráfego é apontado como grande fonte de perturbação.

Concluímos, então, que o ambiente acústico desfavorável, a densa ocupação de uso misto e o alto nível econômico e cultural justificam a liderança na AP2 no número de reclamações recebidas pela SMAC, ainda que seja pequena a informalidade e o padrão das construções seja predominantemente alto.

Áreas de Planejamento 3, 4 e 5 – AP3, AP4 e AP5

Dentre as demais Áreas de Planejamento da cidade destaca-se a AP3, correspondente à Zona Norte da cidade, pelo número de reclamações pertinentes ao PCPS. Nota-se no Gráfico 2 um total de reclamações próximo ao que ocorre na AP2, e acima das demais regiões. Entretanto, o gráfico evidencia as diferenças entre o que ocorre nas zonas Norte e Sul do Rio de Janeiro.

Para a AP3 há um maior peso das atividades industriais na perturbação pelo ruído, assim como acontece com os templos religiosos – notadamente evangélicos e cultos afro-brasileiros. Por si só estas particularidades denunciam um outro padrão de uso e ocupação do meio urbano, em relação à AP2.

Com relação à AP4 – área de maior movimentação imobiliária da cidade – e AP5 percebe-se um menor número de reclamações ao PCPS, e ainda há predominância das atividades de entretenimento como agente causador de incômodo comunitário.

Conversa de botequim – educação versus estilo de vida

O pesquisador Fernando Pimentel-Souza (5) enfaticamente atribui grande parte da poluição sonora a que somos expostos à má educação da classe média apegada aos “fetiches da vida”. É uma posição respeitável e que deve ser considerada mas, por outro lado, a cidade tem múltiplas funções, e o lazer – a festa, a conversa, o chope no bar, etc. – não pode ser menosprezados como tal, assim como tantas outras atividades que fazem a pluralidade de uma cidade como o Rio de Janeiro. Os arroubos moralizantes e as tendências puritanas e utópicas dos mais ortodoxos não encontram eco na prática diária de habitar a metrópole. Em uma grande cidade construída lentamente entre a ordem e o caos, a rua tem múltiplas funções simultâneas, e assim é desejável que seja. Esperar das cidades o surgimento de um zoneamento radical é ignorar a própria natureza deste organismo vivo que ela é. Torna-se inevitável: enquanto uns querem dormir, outros querem conversar; se uns pretendem trabalhar, outros escolhem ouvir música.

Com ironia, Carlos Eugênio Hime (6) descreveu em palestra durante o XVII Congresso Nacional de Arquitetos o ambiente da Cobal do Humaitá, reduto boêmio a céu aberto: “a alegria, a alacridade, a gritaria exultante dos freqüentadores. Chopp! Chopp! Chopp! Ao diabo a acústica, e sofram os vizinhos!”

Devemos estar aptos a lidar com o desrespeito à comunidade assim como com o respeito ao estilo de vida de nossos cidadãos, equilibrando-nos entre a boa técnica na produção do ambiente edificado e o cumprimento – e aperfeiçoamento – da legislação.

notas

1
GULLAR, Ferreira. Barulheira. 07 mar. 2003. Disponível em: <www.portalliteral.terra.com.br>.

2
VENTURA, Zuenir. Cidade partida. São Paulo, Companhia das Letras, 1994, p. 34.

3
O bairro “Grande Méier” engloba Abolição, Encantado, Lins de Vasconcelos, Pilares, Sampaio, Todos os Santos, Água Santa, Engenho de Dentro, Méier, Riachuelo e São Francisco Xavier.

4
O bairro “Grande Madureira” engloba Bento Ribeiro, Cascadura, Engenheiro Leal, Madureira, Campinho, Cavalcante, Turiaçu, Marechal Hermes, Honório Gurgel, Rocha Miranda, Vaz Lobo, Quintino Bocaiúva e Osvaldo Cruz.

5
PIMENTEL-SOUZA, Fernando. Efeitos da poluição sonora no sono e na saúde em geral – ênfase urbana. Disponível em: <http://www.icb.ufmg.br/lpf/pfhumanaexp.html>.

6
HIME, Carlos Eugênio. “Conversa de Botequim”. Rio de Janeiro, 2003. 8 f. Memória de palestra na manhã de 02 de maio de 2003, durante o XVII Congresso Nacional de Arquitetos.

sobre o autor

Felipe de Andrade Quaresma, arquiteto e urbanista, mestrando em Engenharia Civil na UFF.

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