Minha intenção com esse texto é levar o leitor a uma breve viagem pela Avenida Paulista em 2 momentos diferentes.
São Paulo é uma cidade fantástica. Do dia para a noite ela é capaz de se modificar, acentuando novas características, nem sempre mais modernas, mas com certeza mais evoluídas. O mesmo ocorre com a Avenida Paulista, que depois de uma reforma na década de 70 recebeu três pistas para automóveis, mais uma para ônibus e nova comunicação visual. Mas não quero aqui falar especificamente da avenida, mas da ocupação do solo lindeiro, que até o início dos anos 80 mantinha apenas alguns edifícios com projetos antiquados para a época. Receberia futuramente o Metrô como acesso rápido, que induziria o surgimento de muitos edifícios, arrojados em todos os sentidos.
No final dos anos 70, mesmo que diversos casarões já fossem ocupados por empresas, existiam ainda muitos deles habitados por famílias conhecidas da cidade. A Avenida ainda era, no seu geral, uma "senhora romântica", apesar de um pouco fria. Contudo, no início dos anos 80 houve um verdadeiro “apagão”. A maioria desses casarões foi posta à venda e suas luzes se apagaram para sempre. Mesmo com muito movimento de automóveis, a Avenida era calma e muito boa para passeios para as poucas pessoas que a freqüentavam. O boom dos bancos, ainda não ocorrido, estava perto; a linha de Metrô ainda estava em projeto. Quem quisesse fazer um lanche só tinha à disposição opções próximas à Avenida Brigadeiro Luis Antônio, em frente do Edifício Gazeta ou na Rua Augusta; o restante da Avenida era ocupado só por serviços simples – copiadoras, imobiliárias, etc. Os casarões, não se esqueçam, estavam à venda.
Mesmo não me lembrando da Avenida Paulista arborizada, havia uma árvore solitária que resistiu bravamente ao longo dos anos. Tinha uns 10 metros de altura, com uma copa em torno de 8 metros. Ficava bem em frente do Edifício Gazeta, mas do outro lado da avenida, no lado ímpar. Motoristas estacionavam seus veículos sob sua sombra enquanto esperavam a saída dos alunos do Colégio Objetivo.
Na década de 1980, diariamente dezenas de bolivianos faziam e vendiam artesanato, ou tocavam um instrumento chamado "samponha" nos bares da região. Tornavam-se amigos dos freqüentadores e ganhavam o pão-de-cada-dia por ali mesmo; não sei onde moravam, mas parecia que era nas cercanias.
Os alunos do Colégio Objetivo é que davam vida e cor para aquela que seria a Avenida mais conhecida de São Paulo, mas até então um lugar meio isolado da cidade; eram milhares de jovens descendo as escadarias da Gazeta todos os dias, pontualmente às 13 horas.
A beleza dos casarões sempre foi evidente. Não eram tão grandes a ponto de merecerem ser chamados de mansões, mas eram confortáveis e ocupavam terrenos enormes numa região que chegou a valer U$ 7000 m² em 1996. Isso mesmo, sete mil dólares o metro quadrado! Eram vendidos em dólares e a procura sempre foi maior que a oferta. Em seus lugares surgiram edifícios modernos, com tecnologia construtiva de ponta e formas e cores as mais variadas, sem contar a elegância dos projetos.
Em 1996, a maioria dos casarões tinha sido demolida, dando espaço para edifícios arrojados, muitas vezes ironizados com o apelido de "caixotes de vidro", mas com uma tecnologia construtiva invejável, com técnicas eficientes de refrigeração e segurança muitas vezes ecologicamente corretas. Edifícios que tinham o Metrô em suas “portas” e abrigavam uma população que havia pelo menos quintuplicado. Com a ajuda da ONG Paulista Viva, essa evolução não tornara a Avenida fria; ao contrário, havia um reaquecimento de sua vida cotidiana, com circunstâncias completamente inusitadas – McDonald’s, Lan Houses, muitas bikes no meio do trânsito (coisa que eu nunca havia visto na região antes), cafés 24 horas... A vida noturna se proliferava rapidamente, fato novo pois de noite a Avenida costumava se "apagar". Posso dizer, como um observador atento, que a Paulista nunca teve tanta vida e espero que nunca deixe de ter.
Imagens podem falar mais do que as palavras. As fotos que ilustram esse artigo, de minha autoria, são de dois períodos diferentes: aproximadamente 1983 e 1996. Elas mostram casas que não existem mais; algumas que ainda existem, mas tem função comercial; e os edifícios que ocuparam os lotes das que foram demolidas.
sobre o autor Marcelo Novelli, arquiteto e urbanista formado pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Pós-graduado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo