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my city ISSN 1982-9922

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FARIA, Rodrigo Santos de. Ribeirão Preto, um município (des)planejado entre o plano urbanístico Vale dos Rios e a internacionalização do Aeroporto. Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 089.01, Vitruvius, dez. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.089/1910>.


Aeroporto Leite Lopes de Ribeirão Preto com a ocupação residencial no entorno na direção da cabeçeira da pista que será ampliada com a internacionalização. Sitação que colocará o Campus do Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto muito próximo


O Manifesto e Regimento Interno do I Congresso Nacional de Municípios Brasileiros, realizado em Petrópolis no ano de 1950 (1), determinou que as teses apresentadas deveriam versar sobre alguns assuntos específicos, entre eles “Agrupamento de Municípios para solução dos problemas regionais”. Nas conclusões apresentadas pelos congressistas que estiveram em Petrópolis, duas merecem destaquem por conduzirem as proposições da Carta de Princípios, Direitos e Reivindicações Municipais que foi aprovada:

1) “os Municípios brasileiros reconhecem a necessidade de planejamento e consideram-no indispensável a melhor participação da administração municipal nas atividades econômicas, sociais e culturais da comunidade”;

2) “É inadiável a elaboração de Planos Diretores Municipais ou Regionais no caso em que se impuser uma solução de conjunto para dois ou mais municípios vizinhos. O Urbanismo não pode mais ser ater ao objetivo de mera reforma de cidades, mas sim ao planejamento regional uma vez que a distinção entre zonas rurais e urbanas não tem sentido senão para o levantamento de informações, perdendo sua razão de ser sempre que se trata de elaborar um Plano Diretor, dentro do qual existe uma inevitável inter-ligação de problemas urbanos e rurais cuja solução de conjunto é preconizada pela doutrina técnica de urbanismo”.

Tais pressupostos orientaram as ações da Associação Brasileira dos Municípios – fundada em abril de 1946 – ao longo dos vários congressos que ocorreram no Brasil, especialmente até o Congresso realizado em Curitiba no ano de 1963. Todos os interessados nos problemas municipais construíram um importante campo de debate objetivando a implementação das duas recomendações mencionadas. Todas pautadas e apoiadas na regulamentação da autonomia política e financeira determinadas pela Constituição de 1946. O município de Ribeirão Preto, pela iniciativa de seus vereadores, associação de engenheiros, ordem dos advogados e demais profissionais também integrou o movimento nacional arregimentado a partir desta Constituição.

Através de requerimento de autoria do Vereador J. C. G. Marques Ferreira , foi criada a Comissão Especial do Plano Diretor de Ribeirão Preto (2). Essa Comissão foi a responsável pelo convite ao Diretor do Departamento de Urbanismo do Rio de Janeiro, para realizar uma consultoria e avaliação dos encaminhamentos do primeiro Plano Diretor de Ribeirão Preto. José de Oliveira Reis, nascido em Ribeirão Preto no ano de 1903 e formado engenheiro geógrafo e civil na Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1925, era tanto o referido convidado como o autor do Plano Diretor de 1945.

Entre as atividades que ele realizou em 1955, a pedido da Comissão Especial do Plano Diretor, uma delas foi norteada pelas duas conclusões do I Congresso Nacional de Municípios Brasileiros: a palestra “Urbanismo e sua influência no município”. Na palestra José de Oliveira Reis afirmou ser necessário

“planejar todos os atos da atividade humana. Por isso mesmo, o planejamento é, também, uma nova técnica social [...] é isso que se propõe o Urbanismo dentro da nova técnica de planejamento Social. É mais do que dar um bonito plano de cidade no papel e cuja execução fica muitas vezes na aspiração. Vê-se, então, que a arte de construir cidade na sua restrita concepção foi hoje ultrapassada para abranger todo o município e, ir além, extendendo-se por toda a região ecológica” (3).

Partindo das considerações dessa breve introdução convém apresentar uma pergunta: qual a relação das considerações apresentadas com o Plano Urbanístico Vale dos Rios e a Internacionalização do Aeroporto do município de Ribeirão Preto? No âmbito da pergunta sobre o lugar do planejamento regional apresentada no título é importante afirmar que não existe nenhuma relação, e por um único motivo: não existe uma proposta de planejamento regional na região de Ribeirão Preto. Não existe planejamento urbano, não existe política urbana no Município de Ribeirão Preto. As únicas realizações possíveis de constatação no município de Ribeirão Preto são os infindáveis e enormes condomínios encerrados em “muros medievais” que a especulação imobiliária coordena. Não considero esse tipo de proposição como urbanismo, muito menos ainda planejamento urbano, no mais das vezes um processo perverso sócio-espacial que segrega violentamente o uso e o acesso ao solo urbano.

Entretanto, convém relembrar que uma proposta de Plano Regional já foi desenvolvida para Ribeirão Preto, porém, pela Secretaria de Economia e Planejamento do Governo do Estado de São Paulo em 1978. A Coordenadoria de Ação Regional estava nesse momento sob a responsabilidade da Professora Maria Adélia de Souza, e segundo Jorge Wilhein, Secretário de Estado dos Negócios de Economia e Planejamento à época da elaboração do Plano Regional de Ribeirão Preto, “o Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria de Economia e Planejamento vem implementando a Política de Desenvolvimento Urbano e Regional – PDUR, aprovado em 23 de janeiro de 1976 pelo Conselho do Governo, cujos objetivos básicos são o controle do crescimento e recuperação de qualidade de vida da Região Metropolitana e a atenuação dos desequilíbrios regionais no território paulista”. Ainda segundo Wilhein, o Plano Regional “constitui um instrumento de suma importância à atuação do Conselho de Desenvolvimento Regional da Região Administrativa de Ribeirão Preto” (4).

Salientamos, contudo, que a existência desse plano e as diretrizes lá contidas não garantiriam o acerto das proposições lá contidas, e muito menos que seriam elas, na atualidade, alternativa para a construção de uma política urbana e regional para a região de Ribeirão Preto. Apenas, e isso é o mais importante, que existiu um programa com essa intencionalidade e que é irrefutável a necessidade de iniciar um diálogo com a sociedade regional para elaborar essa proposição.

Esse é, portanto, o ponto nodal da análise proposta: qual o lugar do planejamento urbano na região de Ribeirão Preto? Não existe, e tanto o plano urbanístico Vale dos Rios lançado pelo ex-prefeito Antônio Palocci esteve, como a atual campanha de internacionalização do Aeroporto Municipal comandada pelo prefeito Welson Gasparini está, totalmente desconectadas de qualquer política pública substancial, quanto mais de uma política regional. São ambos os projetos proposições isoladas. E no caso do atual prefeito municipal, Sr. Welson Gasparini, desconsiderar a importância de um programa de cooperação intermunicipal é até muito mais estranho, afinal, foi ele presidente da Associação Brasileira de Municípios na década de 1990, e membro da Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal, criada em Havana no ano de 1938 com o nome de Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal. Ou seja, entidades que em sua história municipalista pregavam a importância da política regional de cooperação.

No caso do Plano Urbanístico Vale dos Rios, já apresentei alguns artigos na editoria Minha Cidade do Portal Vitruvius (5) que abordaram aspectos específicos dos mecanismos e do discurso empreendido pelo prefeito e seu secretário de planejamento urbano sobre a implementação da proposta. Pautado pelas informações publicadas no jornal Folha de São Paulo, sobre o "grande projeto urbanístico idealizado por Palocci" (6) – o Centro de Convenções projeto pelo arquiteto Oscar Niemeyer e o Vale dos Rios pelo arquiteto João Filgueiras –, foi possível empreender uma análise substancial das intencionalidades do projeto. A concepção geral da proposição foi publicada em outro jornal e nela a argumentação da Secretaria de Planejamento Urbano Municipal é explicitada:

“O Prefeito quer promover em Ribeirão reuniões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização das Nações Unidas e outras instituições mundiais. Além de elevar o nome da cidade, o turismo de negócios é uma extraordinária fonte de receita, garante o secretário Nelson Rocha Augusto, secretário de Planejamento e Gestão Ambiental.[...] Estamos Seguindo o Plano Diretor, há um planejamento urbano. Tanto que vamos construir o Centro Administrativo na zona Norte e o de Convenções na zona sul, diz Augusto.[...] Vamos competir com Las Vegas, Santiago, São Paulo, Rio de Janeiro. Por isso a assinatura de Niemeyer é importante para o projeto. Justifica o secretário de Planejamento” (7).

As críticas que apresentei em artigo mencionado (8) foram, no entanto, incompreendidas por uma parte dos profissionais que escreveram ao Fórum de Debates. Não todas, obviamente, mas, as incompreensões foram explicitadas aos deslocarem o foco da minha crítica ao trabalho do arquiteto Oscar Niemeyer e sua irreprochável importância para arquitetura do século XX. Minha crítica estava centrada na inexistência de uma política urbana municipal, e nela, aí sim, pensar em grandes projetos arquitetônicos-urbanísticos. Ou será que competir com Las Vegas, Santiago, São Paulo, Rio de Janeiro mediante construção de um Centro Administrativo e um Centro de Convenções é realizar planejamento urbano como afirmou o Sr. Nelson Rocha Augusto?

O mesmo Nelson Rocha Augusto ainda proferiria outra importante intencionalidade, porém, especificamente do Projeto Vale dos Rios desenvolvido pelo arquiteto João Filgueiras:

“De nada adianta algumas tentativas de melhora na infra-estrutura que não contemplem uma inversão de tendências e procurem atrair novamente as pessoas (consumidores) para o centro [...] O adensamento de atividades nesses setores realinhará, inequivocamente, a vocação da área. Isso certamente tornará os projetos ali alocados sustentáveis do ponto de vista econômico por atrair pessoas com capacidade de gasto e ansiosas por absorver serviços” (9).

Na ocasião a crítica apresentada sobre esse discurso foi justamente direcionada para a tentativa da compreensão do que o poder executivo municipal estava desenvolvendo. Sem receios da análise empreendida no calor da indignação transcrevo-a integralmente:

“Então, a sociedade e cada um dos cidadãos são entendidos como meros consumidores. A cidadania não é mais política-social, mas mercantil: quem pode comprar e absorver serviços automaticamente é um cidadão. Um cidadão incluído nessa perversidade neoliberal. E a grande maioria de excluídos: sem casa, trabalho, saúde, lazer, transporte, infra-estrutura urbana? Escondemos dos olhos dos senhores do capital, para que o preço das nossas cidades fiquem mais elevado no mercado mundial? É isso que é ser Secretário de Planejamento Urbano e Ambiental de um Partido Político como o PT, que é, ainda queremos acreditar ser, o maior exemplo na busca de ações efetivamente sociais? Ao mesmo tempo em que a cidade de Ribeirão Preto é devastada por uma enchente, que só vem ocorrendo por incapacidade e inexistência de política urbana séria, a Prefeitura vem declarar querer colocar a cidade em competição com cidades como Lãs Vesgas” (10).

O que aconteceu com o PT nesses cinco anos que se passaram até hoje e parece continuar a ocorrer? O que aconteceu com o Sr. Antonio Palocci quando já Ministro da Fazenda? Qual o lugar do programa Fome Zero entre os programas sociais do Governo Federal?

Deixo as considerações sobre o Governo Federal e o PT para os futuros historiadores. Como o artigo é sobre planejamento urbano em Ribeirão Preto, vou ficar com as “atuais” considerações sobre a administração municipal do ex-prefeito Antonio Palocci; e são atuais, pois somente agora receberam algum tipo de parecer institucional. Conforme publicado pelo jornal Gazeta Ribeirão,

“o deputado federal Antonio Palocci Filho (PT), ex-prefeito e ex-ministro da Fazenda, sofreu dupla condenação da Justiça de Ribeirão por improbidade administrativa. Ele foi condenado à perda do mandato, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multas, entre outras punições, por planejar, sem ter recursos, o projeto Vale dos Rios, e por ter doado irregularmente materiais de construção para a Arfusp (Associação Ribeiraopretana dos Funcionários da Universidade de São Paulo) quando era prefeito (2001-e 2002)” (11).

Na determinação da condenação o Juiz Luis Eduardo Scarabelli apresentou a seguinte justificativa:

“a elaboração, a realização e a implementação do Projeto Vale dos Rios, por não respeitar a prevalência das necessidades mais urgentes da população local e por não contar com disponibilidade de recursos financeiros da Municipalidade, não atende o princípio da eficiência da Administração Pública, devendo, por tal motivo, ser obstadas desde já". Ainda segundo a reportagem do Jornal Gazeta de Ribeirão, “para o juiz que condenou Palocci, Luís Eduardo Scarabelli, o ex-prefeito agiu de forma imprudente e lesiva ao patrimônio público ao planejar o Vale dos Rios sem ter respaldo financeiro. Dos R$ 2 milhões que teriam sido gastos no Vale dos Rios, somente R$ 300 mil teriam sido justificados” (12).

Momento oportuno para retomar parte das conclusões do I Congresso Nacional de Municípios Brasileiros, pontuando-as em contraposição às considerações e proposições que no “grande projeto urbanístico idealizado por Palocci” não existe nenhum indício de política urbana por, minimamente não considerar, como consideraram os congressistas em Petrópolis no ano de 1950 que “O Urbanismo não pode mais ser ater ao objetivo de mera reforma de cidades, mas sim ao planejamento regional” (13). O urbanismo é sim uma peça fundamental de qualquer política urbana, mas, não pode ser um mecanismo de intervenção física isolada das políticas públicas municipais que ainda inexistem na cidade de Ribeirão Preto. E pela constatação dessa perene inexistência é que adentro a problemática da internacionalização do Aeroporto Leito Lopes de Ribeirão Preto.

Inicio como uma afirmação muito precisa para que não ocorram novamente críticas desavisadas: não sou contra um aeroporto internacional no município. Sou contra um aeroporto internacional na cidade. A discordância pode recair em dois aspectos importantes. O primeiro deles está justamente atrelada à localização do aeroporto na área urbana de Ribeirão Preto – inclusive uma área interna ao anel viário que há muito tempo foi tomado pelo processo equivocado de implementação de conjuntos habitacionais distantes das áreas centrais, acarretando elevados custos de urbanização aos cofres públicos.

A implementação da Internacionalização do Aeroporto acarretará ações públicas de expansão da pista de pouso e decolagem, deslocamento de sub-moradias localizadas no entorno do atual aeroporto, alteração de sistema viário, entre outras. Ações que podem e devem ser feitas independentemente da internacionalização ou não, como o equacionamento da problemática habitacional dos moradores da região do aeroporto.

Em relação a esses aspectos não farei maiores considerações, pois estão sendo analisados e serão oportunamente apresentados pelo RIMA – Relatório de Impacto do Meio Ambiente. Espero, no entanto, que as considerações relatadas não se pautem apenas por interesses meramente financeiras e locais. É fundamental traçar um programa determinado por variáveis econômicas e regionais, inerentes à implementação de uma política econômica relacionada à geração de empregos e, portanto, renda, mediante ampliação das atividades econômicas produtivas de toda a região.

Convém esclarecer que política econômica não pode ser igualada à política monetária, pois deve pressupor crescimento, desenvolvimento e distribuição de renda. Na construção do Brasil de FHC continuada em Lula só existe política monetária limitada à (somente) contenção da inflação, alterações de taxas de juros e construção de superávit primário. Ordenamento que amplia exponencialmente a transformação de capital produtivo, gerador de emprego e renda, em capital financeiro, gerador de dividendos associados à locação de recursos em ações nas bolsas de valores. Nesse caso o país fica limitado e amarrado a um programa monetário-financista. O PAC alterará tal situação? É uma pergunta importante.

Diferentemente, o capital produtivo não contém o imediatismo lucrativo do capital financeiro, pois, pressupõe geralmente investimento de longo prazo, profissionais qualificados, investimento público em infra-estrutura de circulação (rodoviária, ferroviária, aérea, marítima e fluvial), ampliação física e informacional de determinados sistemas de produção, entre outras numeráveis variáveis. Os capitais produtivos, pautados por uma política econômica nacional, não podem limitar-se, no entanto, com ações apenas locais. A dimensão geográfica do Brasil deveria conferir às ações sobre o território um caráter regional a essas variáveis, pensadas como instrumentos de cooperação intermunicipal, sobretudo a variável infra-estrutural de circulação como elemento de (re)conexão de redes urbanas.

Este o ponto pelo qual apresento discordância ao aeroporto internacional na cidade de Ribeirão Preto, pois pensado pelos seus promotores como elemento de transformação local. Não estou nem mesmo adentrando as necessárias considerações urbanísticas que em décadas acarretarão ao entorno da área internacionalizada, pelo próprio processo de crescimento físico da cidade. Impossível não fazer uma pergunta: nesse caso já foram ou serão implementadas leis de uso e ocupação do solo para inibir a ocupação habitacional da zona norte, evitando assim os problemas que ocorrem em São Paulo com o aeroporto de Congonhas?

A discordância principal está construída pela constatação da incapacidade de pensar o aeroporto como um programa político regional, que envolva municipalidades, empresas, profissionais e a sociedade em geral. A internacionalização do Aeroporto Leite Lopes recaiu desde o início no argumento equivocado da competição entre as cidades por maiores investimentos.

No argumento de que Ribeirão Preto não pode perder o Aeroporto Internacional para cidades vizinhas ou de outras regiões do estado, como Bauru, construiu-se uma homogeneização discursiva interessada das “elites do crescimento” para os quais a “cidade é uma máquina de crescimento, a partir da qual pode-se promover uso mais intenso da terra, coletar rendas mais elevadas ou capturar riquezas ali produzidas por aqueles na posição adequada para tanto” (14).

Entretanto, um argumento que reduz drasticamente as possibilidades de crescimento regional quando pensado como um programa consorciado de investimento mútuo entre as municipalidades, distante da noção pautada no binômio competição-crescimento entre os municípios de uma mesma região administrativa, ou, como afirmou José de Oliveira Reis lá nos idos de 1955, de uma “região ecológica”. Talvez, e aqui vai uma proposição, um Aeroporto Internacional da Alta Mogiana de São Paulo, que obviamente teria Ribeirão Preto como sede articuladora da macro-região Mogiana-Triângulo, com dois pólos regionais – região ecológica quando extrapolados os sistemas jurídicos de definição dos limites municipais – de extrema importância para a economia nacional : Ribeirão Preto e Uberlândia.

Duas regiões articuladas por um sistema rodoviário tronco que é a Rodovia Anhanguera/BR-050, entremeadas por sistemas regionais aéreos (Uberaba, São Carlos, Araraquara, Franca), transpostas pelo sistema fluvial do Rio Grande, além de sedes de importantes sistemas de produção do conhecimento técnico-histórico-biológico que são as universidades.

Porém, as “elites do crescimento” estão estruturas localmente, seus ativos estão nas cidades por elas dominadas politicamente, interessadas na manutenção da competição que degrada economicamente os municípios pela locação de recursos públicos em incentivos para as empresas se instalarem nas municipalidades. Justificativa para tal posição?

“Com não podia ser diferente, o amálgama que vai reunir os seguimentos dispersos da sociedade local é o argumento tradicional dos novos empregos que as ações da coalizão vão gerar, argumento compreensivelmente de grande apelo entre os trabalhadores, de grande importância, por conseguinte, para a atração destes para a coalização” (15).

O problema é que essas mesmas “elites do crescimento” desconsideram por ingerência ou, o que é mais provável, pelos seus interesses nos benefícios públicos pagos pelos cofres públicos – IPTU por exemplo –, que são deslocados dos investimentos em escolas, hospitais, ruas, praças, creches, transporte coletivo, para a atração de empresas. Novos empregos?

“a noção de que o crescimento produz empregos esbarra numa evidência concreta: são as políticas macroeconômicas exercidas na escala geográfica nacional que exercem maior efeito sobre o nível agregado de emprego, malgrado todas as desregulações da vida cotidiana que a escala local vem empreendendo justo com este fim de atrair novos investimentos [...] Alterações significativas no nível de emprego local pode ser considerado desprezível, especialmente diante dos altos custos que estas alterações tem implicado, em termos de retornos fiscais (em vista dos pesados incentivos disponibilizados pelo governo local aos novos investimentos)” (16).

Aeroporto Leite Lopes de Ribeirão Preto com a ocupação residencial no entorno na direção da cabeçeira da pista que será ampliada com a internacionalização. Sitação que colocará o Campus do Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto muito próximo

Obviamente que um sistema de engenharia como um Aeroporto não pode ser pensado em termos de custo, mas, de investimentos que determinarão a inserção de determinada região num sistema de circulação internacional. Pensado como um sistema macro-regional em que várias municipalidades o integrem jurídico-administrativo-economicamente poderia promover a redução dos gastos públicos que obra de tal dimensão acarreta.

Mantida a lógica da competição pela implantação do aeroporto, emoldurada pelo discurso estratégico-competitivo que marcou a administração do ex-prefeito Antonio Palloci, e hoje ecoa pelos discursos inerentes aos mais desavisados (talvez interessados?), tais como a de que “Precisamos construir o produto Ribeirão Preto e vendê-lo, com o aeroporto internacional” (17), será impossível pensar a exeqüibilidade de uma política regional de desenvolvimento.

 Continuar tentando vender a mercadoria Ribeirão Preto, seja pelo fatídico projeto Vale dos Rios ou pela Internacionalização do Aeroporto Leite Lopes, em nada contribuirá para mudança das condições de habitabilidade de parte substancial de moradores ainda locados em favelas ou morando as ruas da cidade. Eles não são e não serão “pessoas com capacidade de gasto e ansiosas por absorver serviços” como afirmou o Sr. Nelson Rocha, Secretário de Planejamento da gestão Antônio Palocci. Por maiores que sejam os benefícios da implantação do Aeroporto Internacional, eles serão inócuos, pois destituídos de um programa regional; problema ampliado já que parece inexistir qualquer indicativo nesse sentido.

Indiretamente podemos auferir pelas palavras do Presidente da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto – Engenheiro Wilson Laguna -, quão as questões urbanas transcorrem deslocadas do processo de crescimento físico e demográfico do município, pela inexistência de política urbana municipal:

“após 35 anos de discussão foi aprovada e sancionada a Lei Complementar de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, sendo também aprovada a Lei Complementar do Código de Obras. Esse foi um grande avanço para a cidade e representará maior disciplina para a análise dos processos de viabilidade e aprovação das obras” (18).

Sendo essa a dinâmica temporal dos encaminhamentos do planejamento urbano, como pensar a possibilidade de um debate para implementação do planejamento regional? Não foram, contudo, 35 anos de falta de planejamento como a imprensa e a maioria das pessoas costumam confirmar. Não existe “falta de planejamento” nas cidades. Nos 35 anos ou, para ampliar a dramaticidade do problema, nos 67 anos que nos separam do Plano Diretor elaborado por José de Oliveira Reis em 1945, a cidade foi cotidianamente transformada por decretos, leis, regularizações interessadas às “elites do crescimento”. O que existe em Ribeirão Preto é o que estou denominando de (des)planejamento. Não é a sua falta, mas, a manutenção de perversidades que já duram 151 anos: pobreza, enchentes, precariedade habitacional, uma rodoviária degradada e inadequada para a sobreposição do sistema de transporte municipal, intermunicipal e interestadual, e, por fim, um aeroporto (o atual) absolutamente obsoleto.

Alguma contradição em terminar apontando a necessidade de se repensar o aeroporto após discorrer e enunciar minha discordância até aqui? Não, porque o problema não é o aeroporto, ou melhor, sua incapacidade de receber passageiros adequadamente ou de cargas como se pretende inicialmente para a internacionalização. O problema é o planejamento regional, quero dizer, a inexistência dele.

É fundamental pensar sim num programa de implementação de um Aeroporto Internacional Intermunicipal a partir de um programa regional de desenvolvimento. Um aeroporto que não precisa estar dento do perímetro urbano do município de Ribeirão Preto efetivado pela simples ampliação da pista de decolagem e pouso. Esse aeroporto deve estar na região ecológica que perfaz o município de Ribeirão Preto com os outros municípios. Qual a localização exata para essa obra? O RIMA talvez pudesse apresentar essa alternativa caso os técnicos que o estão elaborando tenho informações, conhecimentos e interesses sobre o planejamento regional.(19)

Constata-se apenas que o lugar do planejamento regional ainda não existe, pois se existisse, proporia uma articulação com outro sistema de circulação que precisa ser equacionado não somente em Ribeirão Preto, mas em todo país: o sistema ferroviário. Assunto para uma outra análise.

Opondo-me à afirmação do Presidente da Câmara Municipal, o Vereador Silvio Martins, sobre a internacionalização do aeroporto, quando disse que “diferente do pretendido por aquelas pessoas que não querem o desenvolvimento de Ribeirão Preto; lutar contra o aeroporto é lutar contra Ribeirão Preto” (20), devo dizer que lutar contra Ribeirão Preto é manter a municipalidade destituída de políticas urbanas efetivas, manter a cidade (des)planejada pelo crescimento norteado conforme os interesses imobiliários. Um aeroporto internacional pensando no âmbito de uma política urbana e regional é o que pode gerar o desenvolvimento do município de Ribeirão e de toda a região. Nesse contexto sou sim favorável à internacionalização desse importante sistema de engenharia de circulação.

notas

1
Manifesto e Regimento Interno do I Congresso Nacional de Municípios Brasileiros. Serviço Gráfico do Institutos Brasileiros de Geografia e Estatística, 1950, p.5-6.

2
Requerimento 347, apresentado na 157ª Sessão da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, ocorrida no dia 14 de agosto de 1954 (documento manuscrito). Biblioteca da Câmara Municipal de Ribeirão Preto.

3
REIS, José de Oliveira. Urbanismo e sua influência no município. Espaço & Debates, Ano XVII – 2001, n. 41, p. 96-101.

4
WILHEIN, Jorge. Plano Regional de Ribeirão Preto. Governo do Estado de São Paulo – Secretaria de Economia e Planejamento / Centro de Informação  Documentária e Coordenadoria de Análise de Dados,1978.p.VII.

5
MAGALHÃES, Kelly; FARIA, Rodrigo. “Gestão econômica e marketing urbano: a construção do modelo cidade-mercadoria”. Minha Cidade, n. 037. São Paulo, Portal Vitruvius, nov. 2001 <www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc037/mc037.asp>; FARIA, Rodrigo. “Notas de uma indignação profissional: o PT e Oscar Niemeyer em Ribeirão Preto, duas faces da mesma irresponsabilidade social”. Minha Cidade, n. 045. São Paulo, Portal Vitruvius, abr. 2002 <www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc045/mc045.asp>;

6
"Grande projeto urbanístico idealizado por Palocci". Jornal Folha de São Paulo, caderno Folha-Ribeirão, 27 out. 2001.

7
Tribuna de Ribeirão, 29 mar. 2002.

8
“Notas de uma indignação profissional: o PT e Oscar Niemeyer em Ribeirão Preto, duas faces da mesma irresponsabilidade social”. Op. cit.

9
Apud “Notas de uma indignação profissional: o PT e Oscar Niemeyer em Ribeirão Preto, duas faces da mesma irresponsabilidade social”. Op. cit.

10
Minha Cidade 045

11
Gazeta Ribeirão no dia 07 de junho de 2007

12
Luis Eduardo Scarabelli. Transcrição integral do Jornal Gazeta de Ribeirão – Caderno Cidade do dia 07 de junho de 2007.

13
Conclusão do item VIII do Temário aprovado em Reunião Plenária do I Congresso Nacional dos Municípios Brasileiros. In: Informador dos Municípios – publicação mensal, Ano I, abril-maio de 1950, n. 2-3.p.10.

14
FERNANDES, Ana Cristina. Da reestruturação corporativa à competição entre as cidades: lições urbanas sobre os ajustes de interesses globais e locais no capitalismo contemporâneo. Espaço & Debates, Ano XVII – 2001, n. 41, p. 296-345.

15
Idem, ibidem.

16
Idem, ibidem.

17
RUBEL Thomas, diretor-superintendente da Tead Brasil, empresa vencedora da licitação para a construção do terminal alfandegado no Leite Lopes www.tribunaribeirao.com.br.

18
www.aeaarp.org.br/palavra.php.

19
Matéria publicada no Jornal Gazeta de Ribeirão (28/06/2007) sobre o RIMA em elaboração apresenta duras críticas aos procedimentos adotados no Relatório. Segundo o jornal, “Um parecer elaborado pelo vice-presidente do Comdema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente),o engenheiro civil Lênio Severino Garcia, e apresentado na última sexta-feira em reunião do conselho, afirma que há evidências fortes de manipulação de dados para forçar a transformação do Leite Lopes em aeroporto internacional de cargas”. A matéria completa consta no seguinte endereço: www.gazetaderibeirao.com.br/conteudo/mostra_noticia.asp.

20
ribeiraopreto.sp.gov.br/Ccs/snoticias/ver.php?id=1406.

sobre o autor

Rodrigo Faria é arquiteto e urbanista pelo Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto (1999), Mestre e Doutorando em História pela Unicamp. Professor PPBIG-PRPG do Departamento de História do IFCH-UNICAMP no Curso de Arquitetura e Urbanismo da FEC-UNICAMP entre abril de 2002 e fevereiro de 2007. Pesquisador do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade do IFCH-Unicamp.

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