Foi-se o tempo em que o simples grito de “pega ladrão” espantava pivetes e punguistas. Faz muito tempo, também, que diante da polícia política se recorria à metáfora “chame o ladrão”. Hoje, a população do Rio de Janeiro se vê coagida a entregar os anéis para não perder a vida diante da fúria ensandecida de bandidos fortemente armados. A própria polícia, ao não mais representar um fator inibitório, passou a viver uma tensão às avessas criada pela sensação de insegurança imposta pelos marginais.
Apesar de reconhecermos a dificuldade do poder público para atuar nos territórios dominados pelas temíveis facções do tráfico de entorpecentes, podemos afirmar que as soluções até então utilizadas não passam de meros paliativos incapazes de reverter esta dura realidade. O enorme abismo econômico e social que separa as diferentes classes sociais, acentuado pelo desemprego, pela má remuneração salarial e pelo desejo de ascensão social a qualquer preço, acaba contribuindo para atrair jovens sem perspectivas para as múltiplas formas de atividade marginal. O chamado poder paralelo, ao estender seus tentáculos indiscriminadamente por toda a cidade, alimenta a prática de assaltos à mão armada, de roubos de residências e veículos e os famigerados seqüestros relâmpagos. Na verdade, o que lamentavelmente se vê é a existência de uma nova espécie de ditadura, cruel e implacável como qualquer outra, interferindo direta e indiretamente na liberdade dos cidadãos de maneira incompatível com a vida em uma cidade democrática.
Pesquisas recentes mostram que diversos segmentos da população carioca, na tentativa de minimizar os efeitos dessa problemática urbana, decidiram viver em condomínios residenciais fechados na expectativa de ali encontrarem um ambiente mais seguro para si e para sua família. Vítimas da mesma problemática, certas comunidades pobres, incorporaram ao seu cotidiano a presença de milícias paramilitares interessadas em ingressar, pela via da informalidade, no lucrativo e promissor mercado da segurança privada. Estas atitudes, além de encobrir a incapacidade das autoridades governamentais para responder de maneira eficaz aos aspectos de segurança pública, tendem a ampliar o contingente deste gigantesco exército privado que cresce, dia a dia, de forma incontrolável e em proporções assustadoras.
Numa época em que as grandes cidades internacionais se esforçam para recuperar seus espaços urbanos é lamentável que o Rio de Janeiro, possuidor de uma paisagem natural de beleza inigualável e de um valioso patrimônio arquitetônico representativo de diversas épocas da história do Brasil, se veja refém dessa lógica de violência e confinamento. Cidades como Nova York, Barcelona, Londres e Paris, cada qual à sua maneira, encontraram os meios factíveis para enfrentar os seus problemas de segurança pública de modo a permitir que as ruas e as praças continuassem a exercer o papel relevante de espaços mediadores da vida urbana e das relações sociais na cidade. Nesse sentido, é urgente que se intervenha com ações policiais investigativas seguidas de medidas eficazes para reverter esse quadro de violência instalado na cidade. Paralelamente, é indispensável destinar recursos orçamentários para projetos de urbanização acompanhados de ações sociais voltadas para diminuir a distância que separa os inúmeros guetos de pobreza do restante da cidade.
Acreditamos que ainda seja possível enfrentar coletivamente esta problemática urbana que aflige a população carioca e que compromete a convivência nos espaços públicos da cidade. No entanto, para que isso se torne realidade é necessário envolver, não apenas as diferentes esferas do poder público, federal, estadual e municipal, mas, sobretudo, a própria população, conscientizando-a da necessidade de romper o ciclo vicioso que alimenta esse processo de atividades ilegais, mesmo diante da perda de supostas vantagens que possam advir desse tipo de relacionamento. Não é possível continuar assistindo de braços cruzados a inoperância reinante, justificada, demagogicamente, por interesses pessoais, por questões ideológicas ou mesmo por rivalidades políticas partidárias. Tal passividade certamente irá comprometer, de forma irreversível, o convívio social na cidade e trazer, como conseqüência, a gradativa decadência econômica e a degeneração definitiva dos espaços públicos.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista (FAU-UFRJ, 1966), mestre em urbanismo (PROURB, 1998), professor da FAU-UFRJ, ex- presidente do IAB/RJ