Introdução
O IAB-DF pretende contribuir para um debate que leve à adoção de um modelo de estruturação urbanística para Brasília. Um modelo especifico e adequado às condições de uma aglomeração urbana que se estende além dos limites do DF. Um modelo compatível com a qualidade do Plano Piloto de Lucio Costa, mas diferenciado para se adequar às condições de uma realidade que já assumiu características metropolitanas. A proposta do PDOT, em processo de elaboração, apresenta indicações e proposições que caminham nesse sentido. O modelo, todavia, ainda não foi suficientemente definido. Vários componentes ainda precisam ser desenvolvidos, acompanhando o amadurecimento do debate que se quer provocar. Decorre daí a importância de indicação de alguns elementos que podem contribuir para uma estruturação urbana mais adequada do DF.
Esse objetivo passa pela consideração de algumas exigências. A primeira delas consiste em uma urbanização mais compacta, a adoção de densidades urbanas relativamente altas e uma complementaridade funcional dos espaços urbanos. Outra é o fortalecimento e integração de funções urbanas, com uma maior densidade construtiva ao longo de corredores de transporte selecionados, mediante o uso inovador de instrumentos jurídicos e políticos adequados. Uma terceira é a Indicação de diretrizes para uma localização mais precisa de centros e áreas que polarizem atividades. É importante também o estabelecimento de parâmetros de qualificação do uso e integração dos setores funcionais da cidade e da hierarquização dos transportes públicos da metrópole. A última exigência é a definição das funções metropolitanas do Plano Piloto (núcleo urbano central) e das tendências ou vocações de cada núcleo urbano. Uma distribuição mais equilibrada dos empregos é um dos objetivos fundamentais desta exigência.
Os problemas sociais e ambientais que Brasília enfrenta exigem um salto qualitativo. O avanço será alcançado com uma estrutura urbana menos dispersa mais compacta e sustentável. A adoção desse modelo, em seqüência ao projeto de Lucio Costa para o Plano Piloto, Patrimônio Cultural da Humanidade, atende às exigências da Urbs e da Civitas de Brasília.
Outro passo a ser dado é o da adoção de tecnologias brandas com o meio ambiente e um uso mais racional e menos perdulário dos recursos energéticos. Nesse sentido, é vital assegurar a disponibilidade de um sistema de transporte público, confortável e eficiente. Esse sistema deve se constituir como alternativa viável ao uso abusivo do automóvel.
Planos urbanísticos não têm o dom de se constituírem, por eles mesmos, como solução para problemas sociais e econômicos. Entretanto, eles são imprescindíveis para o desenvolvimento da sociedade. Áreas urbanas novas ou já existentes não devem ser planejadas apenas como zonas dormitórios ou dedicadas a um único e exclusivo uso. Uma combinação equilibrada de usos do solo é necessária, tanto para desenvolvimento de atividades produtivas como para atendimento das necessidades da população.
Um equacionamento das questões da cidade deve ser pensado a partir das necessidades e interesses de todos os segmentos da população. Famílias de diferentes grupos de renda bem como crianças, adolescentes, adultos, idosos e portadores de incapacitações, apresentam demandas especificas que não podem mais ser ignoradas.
Por fim, sem desconsiderar dificuldades e obstáculos, deve-se também se caminhar no sentido da atenuação das grandes desigualdades sociais. A meta é um urbanismo sem fronteiras sociais rígidas e a construção de uma cidade sem guetos. Um urbanismo que considere a possibilidade factível da oferta de moradia, em uma mesma área, para diferentes grupos familiares, etários e de renda. A convivência de diferentes grupos sociais enriquece e vitaliza a sociedade. Uma maior interação cotidiana dos vários segmentos da população contribuirá para o florescimento da cidadania e dos valores republicanos. A cidade é o domínio físico necessário para o desenvolvimento de uma comunidade coerente. O urbanismo é um importante elemento de construção da cidadania. Implica em direitos a serem defendidos, mas está também associado a deveres e responsabilidades a serem assumidos por todos.
Diretrizes
1. Preservação do Patrimônio
Em que pese a necessidade da preservação e valorização da área tombada de Brasília, há necessidade de se fazer algumas observações sobre como esta questão vem sendo tratada.
A área sofre ameaças de obsolescência precoce de suas funções e paulatina desfiguração de suas qualidades, além de crescentes problemas de congestionamento de trânsito e de falta de vagas para estacionamento. Apesar desses problemas, há uma tradição de se tratar o Plano Piloto isolado do restante do território. Há também uma tendência de se adiar uma resposta a essas questões. A idéia é manter a legislação vigente, até a elaboração e aprovação do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico da Zona Urbana do Conjunto Tombado. Com isso se ignora a importância e a urgência de estabelecer diretrizes urbanísticas que renovem funcionalidade da área do Plano Piloto. Posterga a elaboração de uma revisão de preceitos que caducaram ao longo do tempo.
Ao contrário do que prescreve o Estatuto da Cidade, ainda não há qualquer encaminhamento para uma série de questões. Como responder à demanda por estacionamentos? Qual o destino das entrequadras? Como regularizar os incontáveis, porém úteis e necessários, quiosques de prestação de serviços que povoam as superquadras? O que fazer com a grande quantidade de terrenos ociosos e sem perspectiva de utilização? Qual o uso e ocupação a ser dado a áreas que permanecem ociosas como o Setor de Autarquias Norte? Deve-se admitir o uso residencial neste setor e em outras áreas centrais do Plano Piloto? O que fazer com as propostas do urbanista Lucio Costa de ocupação a leste do Plano Piloto (novas asas norte e sul)? Como equacionar a progressiva alteração dos usos das áreas de clubes ao longo do lago? Estas são apenas algumas entre muitas questões a serem respondidas.
Há questões quanto ao papel da área central e suas inter-relações com o conjunto da área da metrópole. Não se sabe o que se fazer com as funções urbanas centrais do Plano Piloto. Deve-se ou não estimular a descentralização de novos empregos? Seu papel administrativo, comercial e de prestação de serviços centrais, deve ser ou não reforçado? Há o risco de que as atividades desenvolvidas no Plano Piloto não sejam funcionalmente integradas ao restante do território do DF. Não estará a área sendo condenada a um congelamento e gradual desligamento da dinâmica urbana do Distrito Federal? Não estará se impedindo que a área atenda às suas próprias pulsações vitais, como centro da metrópole de Brasília? Como equacionar estas questões com a necessidade de preservar Brasília como bem tombado? São perguntas provocativas, mas que precisam ser respondidas.
O Plano Piloto, a semelhança das demais áreas, não pode ser tratada como um espaço desarticulado do restante do território. Uma área que, excluída da análise das funções e índices de ocupação do solo do conjunto do DF, tenderá a uma progressiva deterioração ou alteração descontrolada. Com base nesta diferenciação será difícil definir estratégias e questões prioritárias. Como responder a questão da mobilidade e transporte urbano, do lançamento de ciclovias, da política de uso e ocupação do solo, do estacionamento de veículos? Qualquer resposta repercutirá fora dos limites do Plano Piloto.
Finalmente, há uma necessidade urgente de se procurar estabelecer um entendimento mais consensual sobre o que é o tombamento da cidade. É apenas uma questão de preservação das escalas urbanísticas como defendida por alguns planejadores? Implica na cristalização da massa edificada do Plano Piloto? Os usos do solo podem ser alterados? Lotes como os RUV da faixa das SQS 200, previstos na proposta original do Plano Piloto, podem ser desconstituídos?
2. Aprofundamento do planejamento
Uma metodologia de planejamento territorial de Brasília, forçosamente, deve contemplar as seguintes escalas: a. metropolitana, micro-regional (bacias hidrográficas, conjuntos de regiões administrativas); b. urbana (cidades e núcleos urbanos que tenham identidade própria); c. bairro; d. áreas de vizinhança e e. difício. Eixos de transporte e malhas viárias estruturadas devem ser também contemplados.
O planejamento do DF não pode se limitar ao mero estabelecimento de áreas de expansão ou a uma simples acomodação dos conflitos existentes. Um ordenamento estruturado do território somente poderá ser alcançado através de criação de eixos de circulação que articulem e estruturem o transporte público e a concentração de atividades urbanas e unidades habitacionais.
Os corredores de transporte são fatores privilegiados de ordenamento territorial e revitalização da cidade. Eles apresentam a oportunidade de criação de áreas habitacionais para grupos de renda que hoje são atendidos pela oferta de condomínios irregulares. Um exemplo de intervenção seria a densificação e diversificação de usos ao longo de vias como a Estrutural, a EPNB, a EPTG e a EPIA.
Alguns desses eixos experimentam um acelerado processo de alteração e já foram analisados, em certa medida, no PDOT. A EPTG e a EPIA, tratadas como grandes e modelares parques urbanos lineares, poderão atuar como catalisadoras de um processo de descentralização das atividades no DF.
Outra questão a ser contemplada é a da localização e distribuição de novas áreas de emprego. A tendência de localizá-las em áreas centrais ou próximas do Plano Piloto tem sido uma constante que deve ser alterada. A localização da Cidade Digital, por exemplo, nas cercanias da ponta da Asa Norte, vai na contramão de uma distribuição mais harmoniosa dos empregos no território do DF.
3. Atributos de uma cidade mais humana
A consideração das necessidades dos diferentes interesses da sociedade implica em uma análise de atributos que condicionam a estruturação dos espaços urbanos e o seu uso pelos diversos segmentos da população. O primeiro desses atributos é a acessibilidade e mobilidade, a ser assegurada para todos os residentes e usuários. O segundo refere-se ao conforto e à segurança que hoje, mais do que nunca, são qualidades obviamente importantes. O terceiro e último atributo é a sociabilidade, que garante o sentido de vizinhança, cooperação e interação da população. Sociabilidade, conforto e segurança e especialmente a acessibilidade, são atributos relacionados com os usos do solo e com a maior ou menor centralidade das atividades urbanas.
4. Transporte público
A consideração do atributo da acessibilidade se apóia em uma adequada combinação de alternativas de circulação (vias de pedestres, ciclovias e sistemas de transporte público) tendo como um dos seus principais objetivos a redução da importância relativa do automóvel. O transporte e o trânsito de veículos motorizados são variáveis imprescindíveis na elaboração de planos e projetos urbanísticos. Se por um lado não se pode ignorar a presença, importância e impactos do automóvel, sua utilização, entretanto, deve ser bem administrada. O automóvel deve ser compatibilizado com as necessidades do pedestre e subordinado à forma e valores de uma necessária urbanidade.
A administração de um uso mais racional do automóvel conta hoje com um repertório de medidas que pode ser eventualmente utilizado com esse objetivo. Paralelamente à melhoria do transporte público são utilizados, em várias cidades do mundo, instrumentos como a prova da possibilidade de estacionamento por parte dos proprietários de veículos, a taxação da circulação e do estacionamento em determinadas áreas, a diminuição dos tempos máximos de estacionamento e o incentivo ao transporte não motorizado.
5. Padrões Urbanísticos
A elaboração do modelo de estruturação urbana de Brasília implica na definição de padrões urbanísticos e viários próprios e específicos. O modelo seria sustentado por bulevares estruturados a partir das atuais estradas-parque com trânsito controlado por semáforos. Estas são como que uma marca registrada da cidade e de sua escala bucólica. Os bulevares atenderiam a critérios urbanos e ambientais e contariam com amplas entrefaixas verdes que devem ser providas de equipamentos de lazer e esporte. Estes bulevares funcionariam como corredores urbanos com alta densidade habitacional e de serviços. Eles seriam também dotados de calçadas amplas para pedestres, ciclovias, estacionamento para motos, além de faixas exclusivas para a circulação de veículos de transporte público.
Entre os eixos ou corredores a receber esse tratamento podem ser citados a EPÌA, a EPTG e o que corta a Ceilândia, ao longo da linha do metrô. Outros eixos podem vir a ser criados ou definidos. Outro ponto a ser ressaltado é o da necessidade de uma atenção especifica para a construção de calçadas. A construção de uma rede cicloviária para deslocamentos de trabalho e lazer também complementaria a definição do modelo. Os eixos contariam com um adensamento habitacional, comercial e de serviços qualificados.
A utilização desses padrões deve atender ao conjunto de atributos anteriormente referidos. Ou seja, deve considerar às exigências dos atributos da sociabilidade, do conforto e segurança e da mobilidade e acessibilidade. Quanto a este último atributo é especialmente importante o atendimento das demandas e necessidades do pedestre, do ciclista, bem como a oferta de transporte público.
O não ao rodoviarismo deve ser enfatizado. Ruas não são rodovias. Com a possível exceção do eixo rodoviário do Plano Piloto, as vias que cruzam áreas urbanas não podem ser prioritariamente concebidas como rodovias. Atendendo também aos atributos da sociabilidade e do conforto e segurança elas não podem ser apenas tratadas com a única intenção de fazer o trânsito fluir. Avenidas e ruas não podem ser projetadas somente para o deslocamento de veículos motorizados. Elas cumprem também outras importantes e imprescindíveis funções. Devem também ser utilizadas como espaço para caminhadas e oportunidades de encontro e relacionamento. Elas também possibilitam o acesso e a existência de toda uma complexa gama de atividades da cidade.
A consideração dessa perspectiva é imprescindível para o devido equacionamento da questão da circulação de veículos motorizados. É imprescindível garantir a segurança de pedestres, ciclistas e motoristas. Propugna-se aqui uma progressiva mudança na cultura do uso do automóvel. Enfim, caminhar na direção de uma cidade em que o automóvel seja domesticado como falava Lucio Costa no Relatório do Plano Piloto de Brasília.
É de fundamental importância se ter uma absoluta clareza no estabelecimento de predominâncias em situações de conflito entre veículos motorizados, pedestres e ciclistas. Há situações em que será necessário assegurar a predominância do domínio do pedestre sobre faixas em que também circulam automóveis. Os acidentes de trânsito constituem hoje uma pesada carga em termos de traumas pessoais e tragédias familiares. Não se pode também esquecer custos sociais e econômicos expressos em crescentes despesas hospitalares, horas de trabalho desperdiçadas etc.
6. Polarização e centralidades
Uma maior densificação habitacional e a simples distribuição de atividades ao longo das vias de transporte não serão suficientes para a consecução de uma estruturação urbana mais adequada. Comércio e serviços podem e devem ser mais intensamente concentrados e articulados com os pontos de acesso ao transporte público (paradas de ônibus, estações de integração etc.). Isto oferecerá uma garantia de eficiência do sistema de transporte e possibilitará a constituição de áreas habitacionais e o fortalecimento equilibrado das atividades.
Até o presente momento ainda não houve um aprofundamento da questão das centralidades metropolitanas e da distribuição hierárquica das atividades comerciais e de serviços. Quais as centralidades que devem ser construídas, reforçadas, promovidas ou desestimuladas? Metrópole, núcleos urbanos, bairros e áreas de vizinhança expressam diferentes escalas de centralidade e acessibilidade. A superação das discrepâncias entre áreas centrais e periféricas deve-se apoiar na integração e articulação dos diferentes centros e subcentros da cidade. Ele tem um papel político, cultural e funcional a cumprir; A elaboração de diretrizes urbanísticas implica na necessidade de hierarquizar centralidades com papéis e funções diferenciados. Uma possível tipologia básica para orientar o ordenamento territorial em Brasília comportaria as seguintes situações, listadas em ordem decrescente de importância e complexidade:
a – centros de interesse metropolitano, dotadas de estações de metrô, outros modos de transporte de massa ou ainda terminais de integração e transbordo. Seriam centros articulados com áreas de grande densidade habitacional e contando com uma complexa, intensa e ampla oferta de comércio e serviços;
b – centro de bairro, constituindo centralidades comerciais de médio porte, integrados com estações de metrô e outros sistemas de transporte público;
c – centros locais em áreas de vizinhança, articulados com pontos de parada do sistema de transporte público. Neles estariam agrupados comércio, serviços e equipamentos locais;
d – pontos de apoio, no extremo do espectro, integrados a pontos de ônibus mais significativos, contariam com quiosques de prestação de serviços, sanitários, bancas de jornal, pequenas lanchonetes etc.
7. Áreas de Vizinhança
A identificação da cidadania com a cidade se faz através de suas áreas de vizinhança (escala residencial). A cidade só pode ser compreendida como a soma de suas diversas frações. A consecução de objetivos relacionados com os atributos da Sociabilidade, dos usos e atividades, do conforto e segurança e da acessibilidade apresenta algumas implicações. Ela leva à recomendação de que áreas de vizinhança devam ser compactas e de uso do solo misto. Áreas de vizinhança, novas ou existentes, precisam ser dotadas de centros locais (escala gregária) onde se instalariam atividades comerciais, equipamentos públicos, escolas e áreas de trabalho.
Na escala das áreas de vizinhança merecem especial atenção à necessidade de espaços públicos seguros e confortáveis que possam encorajar seu uso compartilhado pela população. Calçadas e vias de pedestres constituem um elemento de extrema importância na construção de uma desejável urbanidade. Em função do atributo da acessibilidade as áreas de vizinhanças também interagem com as demais áreas da cidade. Para uma maior acessibilidade recomenda-se também que elas sejam estruturadas segundo um gradiente de densidades (habitacionais e construtivas). Maior densidade no centro e menor nas áreas mais afastadas. Mesmo tendo um caráter local, áreas de vizinhança não devem ser forçosamente paroquiais.
Sua articulação e integração com o restante da cidade são possibilitadas pelos centros de atividades. Para a consecução dessa possibilidade, os centros de atividades devem: ser localizados a uma distância máxima de dez minutos de caminhada do restante da área; serem articulados com o transporte público; contar com uma estrutura viária que favoreça a acessibilidade e mobilidade de todos os grupos sociais (especialmente daqueles que não podem dirigir, como idosos, crianças e portadores de incapacitacões). A localização das escolas tem também sua importância para que possam ser alcançadas, com segurança, a pé, de bicicleta e por transporte público;
8. Preservação e valorização do Ambiente
É urgente a adoção de intervenções urbanísticas de preservação e valorização do meio ambiente. Brasília, planejada por Lucio Costa, é uma cidade cujas características diferem das demais metrópoles e cidades da América Latina e do mundo. A experiência das relações do Plano Piloto, integrado harmoniosamente no ambiente, possibilita consolidar um modelo inovador de padrões urbanos e ambientais.
Esta experiência deve ser contraposta ao quadro bastante negativo do restante do território. O DF enfrenta uma situação caracterizada pela deterioração ambiental decorrentes de uma expansão urbana descontrolada, dispersa e de baixa densidade. A adoção de uma estrutura urbana, mais densa e compacta, pode sanar esta última tendência sem prejuízo das qualidades ambientais que caracterizam o Plano Piloto (escala bucólica). Outras ações possíveis para o DF incluiriam:
a – lançamento de vias marginais intensamente arborizadas em algumas áreas sensíveis de fundo de vale e ao longo de córregos. Além da valorização paisagística e da proteção ambiental, essas vias serviriam como instrumentos de delimitação entre áreas de interesse ambiental non aedificandi e áreas edificadas;
b – utilização universal de critérios e regras que possam reforçar o princípio da sustentabilidade (reuso de águas servidas, aproveitamento de águas pluviais, maior permeabilidade do solo, redução da emissão de gases-estufa na atmosfera; reciclagem e remanejamento de resíduos sólidos; aquecimento de água por energia solar e outras medidas de economia e racionalização do consumo de energia etc.);
c – melhor qualificação da rede de parques e reservas naturais. Parques vivenciais, praças e grandes equipamentos de esporte e lazer devem ser localizados tendo em vista sua acessibilidade e integração com os diferentes segmentos urbanos. Independentemente do seu porte, eles não devem se constituir como unidades distantes, isoladas e desarticuladas das áreas urbanas.
9. Ambiente construído
A arquitetura é uma dimensão importante que não pode ser desconsiderada no planejamento do território. Ela deve ser necessariamente projetada como parte integrante da cidade para que se obtenha um ambiente edificado de melhor qualidade. Planos diretores tradicionais não são suficientes como instrumentos para a ordenação do território. A proliferação de uma cidade de muros é um exemplo desta insuficiência. Valores associados à configuração dos espaços públicos também são importantes. Há que se projetar arquitetonicamente a cidade, seu espaço público, área por área.
É importante assegurar um predomínio do interesse coletivo no lançamento e construção de edifícios públicos e privados. Edificações, públicas ou privadas, têm implicações urbanas que não podem ser menosprezadas. Cada edificação é um elemento da configuração dos espaços públicos. A cidade, fisicamente, resulta da conjugação dos seus espaços públicos. Como a vida coletiva é estimulada por este espaço eles devem ser facilmente compreendidos pela população.
O projeto de cada edifício deve sempre levar em consideração os prédios e construções vizinhas. A cidade ganha quando novas edificações observam e levam em conta o ambiente natural e construído onde estão situadas. Normas urbanísticas que assegurem que cada edifício esteja adequadamente inserido no seu entorno contribuiriam para a melhoria da qualidade de vida.
Quanto aos edifícios públicos faz-se necessária uma releitura, reafirmação e adequação do princípio da escala monumental utilizada por Lúcio Costa no Plano Piloto de Brasília. Edifícios públicos significativos devem ser localizados e projetados considerando sua importância simbólica para reforçar a existência de identidades comunitárias e valores democráticos.
10. Gestão do Planejamento
Brasília, como outras capitais, tem uma pesada carga política e ideológica, mas é também o lócus de conflitos enriquecedores. Seus avanços ocorrem através do conflito de interesses e da luta pelas benesses decorrentes das oportunidades criadas. Seu planejamento é necessariamente uma elaboração coletiva. Suas metas não devem ser expressões particularizadas de grupos, partidos ou interesses setoriais. Submetidas a um amplo debate político elas seriam idealmente construídas a partir de objetivos suprapartidários. Elas devem ser assumidas pelo conjunto ou maioria da sociedade. Esse propósito é idealmente expresso através de um paradigma urbanístico e um modelo de estrutura urbana que oriente a construção da cidade que se quer no futuro. Não se exclui a possibilidade de divergências e manifestação de interesses partidários. Estes se expressariam no detalhamento, ritmo e processos de aplicação das suas diretrizes.
O Plano Diretor da cidade como elemento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana é o instrumento de gestão que orienta as atividades de administradores urbanos, públicos e privados. Como tal, ele deve ter uma visão estratégica de futuro, para garantir sustentabilidade ao desenvolvimento, com uma dimensão orientadora do desenvolvimento e uma dimensão de ordenamento territorial. Este marco é reforçado pelas diretrizes de planejamento participativo determinadas pelo Estatuto da Cidade. No DF Projetos setoriais ainda são lançados e desenvolvidos sem uma devida articulação e rebatimento com uma diretriz maior. A superação desta prática é imperiosa para que a gestão pública do território seja o objetivo central do sistema de planejamento territorial do DF. Cabe ainda salientar que o Brasil é signatário das Agendas Habitat e 21. O Plano Diretor, por ser o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, com uma visão estratégica do futuro, deve também incorporar as recomendações dessas duas Agendas.
É necessário que o planejamento territorial avance definindo diretrizes e disponibilizando instrumentos para todos os gestores urbanos. O Plano Diretor da cidade é o instrumento maior de formulação e determinação das condições urbanísticas da cidade. Como tal ele não é um instrumento a ser utilizado exclusivamente pelo poder executivo e pelo poder legislativo. Para que haja uma real consecução de seus objetivos ele é também deve ser assumido por outros atores. Habitantes da cidade, empresas e entidades privadas são também interlocutores imprescindíveis. O Plano Diretor é um instrumento de orientação necessário para o pleno exercício dos seus direitos e deveres.
Brasília, agosto de 2007.
sobre o autor IAB/DF – Comissão de Política Urbana – Gestão 2006 / 2007. Coordenador: Geraldo Sá Nogueira Batista. Componentes: Gilson Paranhos, Gunter Roland Kohlsdorf Spiller, Jorge Guilherme Francisconi, José Carlos Córdova Coutinho, Luís Alberto Cordeiro, Otto Toledo Ribas, Sônia Helena Camargo Cordeiro e Luiz Otavio Alves Rodrigues (Presidente IAB/DF)