Senhores do Comitê Promotor para a Defesa do Parque del Este, Caracas, Venezuela:
Pela presente me dirijo aos Senhores para apresentar minha opinião como expert em arquitetura paisagística, com especialidade na obra de Roberto Burle Marx e especificamente no Parque del Este. Começo oferecendo minhas credenciais. Sou venezuelana, educada em Caracas e nos Estados Unidos, aonde fiz doutorado em arquitetura paisagística na Universidade de Harvard, aonde me graduei no ano de 1987. Sou professora titular de arquitetura paisagística na Universidade de Pennsylvania, Filadelfia há 10 anos. Antes de meu cargo aqui, fui professora na Universidade de Harvard. Tenho exercido a arquitetura paisagística durante os últimos vinte anos. Ainda mais importante, sou a autora do livro Roberto Burle Marx em Caracas: Parque del Este 1956-1961, publicado em 2004 pela editora acadêmica University of Pennsylvania Press. Este livro foi premiado em 2007 com o prestigioso J. B. Jackson Book Prize, outorgado pela Fundação para Estudos da Paisagem (Foundation for Landscape Studies), organização internacional radicada em Nova York. O livro é atualmente o texto que apresenta de forma mais abrangente as bases teóricas da obra de Burle Marx e sua expressão no Parque del Este. Além disso, publicamos artigos adicionais sobre a importância do parque e dado conferências tanto na Europa como nos Estados Unidos nos centros acadêmicos para o estudo da paisagem. Se desejarem outras referências, os dirijo à edição comemorativa dos 99 anos da Universal, aonde citam meu trabalho como exemplo de trabalho venezuelano de importância mundial.
O Parque del Este é uma das obras de arquitetura paisagística mais significativas a nível mundial. Isto se deve à várias razões:
1. Dentro do desenvolvimento histórico da arquitetura paisagística o Parque del Este é o exemplo mais importante do estilo moderno. Não existe em nenhuma outra cidade do mundo um exemplar de parque público elevado ao nível de execução que tem o Parque del Este. Isto se deve ao momento histórico no qual o parque foi construído. A maioria das cidades Européias e Norte-americanas construíram seus parques públicos no momento da expansão urbana, entre meados do século XIX e princípios do XX, em um estilo baseado no pintoresco europeu. Depois desta etapa não se voltou a construir parques na Europa nem nos Estados Unidos até a expansão pós-industrial das últimas duas décadas. A Venezuela, ao contrário, entra em seu período de expansão nos anos 1950, momento aonde se dá um fenômeno de crescimento urbano em Caracas. Neste momento se cria o Parque del Este, mas com uma expressão nova, moderna e única, que expressa a poesia do trópico, e representa a paisagem nativa venezuelana. Em síntese, de uma modernidade espacial com uma estrutura ecológica nativa, o Parque del Este supera todos os precedentes anteriores e se converte no paradigma de parque público a nível universal.
2. Por extensão, dentro da cultural urbana caraqueña e venezuelana, o parque é, junto à obra de Carlos Raúl Villanueva, Jesús Soto, e outros artistas venezuelanos, uma obra de arte que não pretende imitar modelos estrangeiros, mas constituir a celebração máxima da ecologia e da paisagem nacional. De maneira acertada foi declarado em 1998 “Bem de Interesse Cultural da Nação”.
3. Dentro da obra do mestre Roberto Burle Marx, o Parque del Este representa um dos projetos mais importantes de sua extensiva obra, com mais de 3,000 projetos de paisagismo construídos. Sem dúvida, apesar da grande quantidade de jardins e projetos paisagísticos que desenhou Burle Marx, só existem dois na escala do Parque del Este: o Parque do Flamengo (2) e o Parque del Este. Ou seja, o Parque del Este é o exemplo mais importante de parque publico feito por Burle Marx fora da Venezuela, e dentro de sua obra completa, um dos dois únicos exemplos aonde seus princípios ecológicos, artísticos e sociais se manifestam em escala urbanística.
4. O Parque del Este apresenta os mesmos traços que têm todos os parque das zonas metropolitanas no mundo: a deterioração causada pelo uso intensivo de seus jardins. O Parque foi desenhado para 60.000 (sessenta mil) visitantes semanais. Hoje em dia, com o crescimento acelerado da cidade, recebe um excesso de 250.000 (duzentos e cinqüenta mil) visitantes semanais. O parque é mais necessário do que nunca para os caraqueños, dada a densificação da cidade e a falta de novos parques. Com o uso extremo de seus jardines, o parque já se encontra em estado de deterioração, o qual se aceleraria com a introdução de novos programas.
A motivação de construir um museu que valorize, celebre e eduque o público sobre a obra de Francisco de Miranda é completamente acertada. Contudo, não tem o menor sentido implantar este museu dentro do Parque del Este.
1. Parece que a idéia é a de somar um erro com outro. A instalação da Nau Santa Maria no Lago 9 foi um erro da administração do Presidente Caldera, que por sorte foi uma intervenção ligeira e temporária: ao chegar ao final de sua vida, o navio-/museu se desmantelou, deixando o Lago e seu parque sem danos. Ou seja, esta foi uma intervenção errônea, mas reversível. Parece que o projeto Leander pretende usar a mesma idéia de por um navio-museu em um lugar donde no pertence. Por quê? Isto é uma premissa errada.
2. Do ponto de vista urbanístico, pôr um museu em um lugar inacessível não tem sentido. Os museus são instituições culturais que têm que estar bem articuladas à rede urbana para sobreviver. Se não o são, decaem e morrem no esquecimento. Por isso morreu a Nau Santa Maria. Este museu estaria melhor localizado próximo do metrô ou linhas de ônibus. Por que implantá-lo no final do parque, em sua zona mas bucólica, isolada, e sem conexão com o transporte público? Este museu neste lugar vai fracassar, mais uma vez. E o problema é que, distinto da Nau Santa Maria, o dano não é reversível. Construam um Museu Mirandino, mas o façam em um lugar que tenha sentido urbanístico. Independentemente do dano que significaria para o Parque, este museu, da forma como esta planejado, é arquitetura ruim e urbanismo ruim, e seu arquiteto o sabe.
Finalmente quero expressar que como obra de arte paisagística, o Parque del Este está completo. Assim como cortar suas árvores e jardins seria diminuí-lo, e eventualmente destruí-lo, agregar novo programa, e programa não relacionado com sua missão ambiental e ecológica, seria igualmente diminuí-lo, e eventualmente destruí-lo. Ainda mais, atualmente o Parque figura entre os bens culturais com possibilidades concretas de entrar na lista indicativa de Patrimônio Mundial da UNESCO e esta intervenção a prejudica de tal maneira que tornará impossível esta conquista. Com a construção do projeto Leander e os efeitos tão negativos que vão ter sobre o parque, será impossível inscrevê-lo mais adiante na lista de Patrimônio Mundial. O Parque del Este é uma obra demasiado importante em todos os níveis – o nacional, internacional, ecológico e ambiental – para tratá-lo com tal informalidade e tanto desprezo.
[02 de outubro de 2008, Philadelphia, PA, Estados Unidos]
notas
1
O Comitê Promotor para a Defesa do Parque del Este convidou a todos os experts, conhecedores da obra de Burle Marx, a levantar sua voz de alerta para salvaguardar este tesouro único e irrepetível que é o Parque del Este, implantado no coração da Cidade de Caracas. Agradecemos imensamente a todos os que já emitiram sua opinião profissional sobre a construção do Projeto Leander dentro do Parque del Este. Assim mesmo, convidamos a todos os que desejem emitir sua opinião profissional sobre a pertinência do Projeto Leander no Parque del Este.
2
Ver OLIVEIRA, Ana Rosa de; BARROSO, Cláudia Maria Girão. “SOS Parque do Flamengo”. Minha Cidade, ano 6, vol. 10. São Paulo, Portal Vitruvius, maio 2006, p. 162 <www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc162/mc162.asp>.
sobre o autor
Anita Berrizbeitia, Associate Chair and Associate Professor, Department of Landscape Architecture, School of Design, University of Pennsylvania