No dia 24 de fevereiro uma fatídica notícia veio comprovar que a preservação de patrimônios históricos foi negligenciada na cidade de Cravinhos, a 300 Km da cidade de São Paulo na região de Ribeirão Preto. Neste dia ocorreu o desmoronamento parcial da Igreja São Benedito, a matriz velha da cidade, construida há mais de 120 anos, em 1888.
Minha intenção aqui não é apontar culpados. Acredito, com toda honestidade, que todo cidadão da cidade tem sua parcela de culpa. Jornais regionais e até a Folha de São Paulo noticiaram o fato. Aqueles que prolongaram mais o noticiário relataram o que muitos moradores já sabiam: havia um nítido impasse entre a paróquia e o poder público. A prefeitura, pelo que consta, tentou várias vezes reformar a igreja e a paróquia não aceitava usando como argumento que não queria envolvimento político.
E nessa discussão, que os moradores locais já conheciam há um bom tempo, todos acabaram perdendo. A igreja não suportou os problemas de rachadura e infiltrações evidentes até para leigos.
A Igreja São Benedito foi construída por Francisco Rodrigues dos Santos Bomfim, fazendeiro conhecido na região por ter colaborado com a fundação da cidade de Cravinhos e ter fundado um distrito de Ribeirão Preto que recebe o nome de Bonfim Paulista em sua homenagem. A capela era de sua propriedade particular e após sua morte foi doada pelos seus herdeiros à paróquia da cidade.
Com a construção da matriz atual de Cravinhos, a Igreja São José, em 1904, a igrejinha gradativamente foi caindo no esquecimento. Em 1922, o professor Francisco Gomes, em seu livro sobre Cravinhos, nos diz que a praça na qual está a igrejinha: “outrora era ponto principal dos festejos religiosos, onde se reunia massa de povo e tudo mais que essas festas atraem”.
Os jornais da região relataram muito bem a indignação da população em geral, principalmente os mais velhos, que tinham laços sentimentais com a tal igrejinha, afinal ela foi a primeira matriz da cidade. Ali ocorreram casamentos e demais festejos que se iniciaram no final do século XIX, atravessando todo o século XX e chegando ao início do século XXI, pois a igreja foi desativada há apenas três anos.
Uma história dessas não pode se perder! Agora resta apenas a fachada da igreja, engenheiros responsáveis da prefeitura e a diocese de Ribeirão Preto sustentam que no mínimo a fachada será mantida, mas que preferencialmente tentarão restaurá-la por inteiro.
O que mais me assusta – e isso sim gostaria que servisse de reflexão por parte do poder público e da sociedade civil em geral – é o descaso com o patrimônio histórico. Sei que o assunto não é novidade e também reconheço que não tenho formação e estudo suficientes para prolongar altas discussões sobre esses assuntos. Mas, a título apenas de notificação, gostaria de lembrar que no caso de Cravinhos, cidade de 30.000 habitantes a 20 km de Ribeirão Preto, a discussão sobre a preservação do patrimônio histórico se agrava.
Um dos motivos que eu elejo como principal é a falta de vínculo com a cidade. Boa parte das pessoas trabalham e estudam em Ribeirão Preto, o que diminui o convívio colaborando para uma menor percepção do espaço urbano. Cravinhos, em linhas gerais, é uma cidade que de certa forma estagnou no tempo, ocupando hoje a área de influência direta de Ribeirão Preto. Assim, não raro, os cravinhenses se consideram meio que ribeirão-pretanos.
Não existe, ou pelo menos não constatei, uma Secretaria Municipal ou uma associação que tenha como prioridade a preservação de edifícios de interesse histórico, que não são poucos na cidade. A estagnação, que em boa parte expulsa pessoas do convívio diário com a cidade, paradoxalmente também preserva alguns prédios antigos, pois é de conhecimento de todos que o crescimento econômico causa pressão no mercado imobiliário e os prédios mais antigos acabam sendo substituídos pelos mais novos que conseguem dar uma resposta mais eficiente ao capital.
De todo modo, a estagnação do crescimento urbano e econômico de Cravinhos ao mesmo tempo em que preservou os prédios mais antigos que podem ser considerados, pelo menos localmente, patrimônios históricos, fez com que cidadãos e poder público se tornassem mais descuidados com o que representa mais fielmente os momentos históricos de uma localidade: seu patrimônio histórico.
referências bibliográficas
GOMES, Francisco. Cravinhos: histórico, geographico, commercial, agrícola. Ribeirão Preto: Tipographia Selles, 1922.
Jornal Folha de São Paulo, 25/02/2009
Jornal A Cidade de Ribeirão Preto. 25/02/2009
Site: www.bol.com.br. Acessado dia 25/02/2009
sobre o autor
Alexandre de Freitas é graduado em Geografia pela Faculdade Dom Bosco de Monte Aprazível-SP e especialista em Cidadania e Cultura pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). É professor efetivo da rede oficial de ensino do estado de São Paulo e reside em Cravinhos desde 2008