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my city ISSN 1982-9922

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ROCHA, Ricardo. Entre Porto e Porto Alegre: a nova sede da Fundação Iberê Camargo. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 110.03, Vitruvius, out. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.110/1834>.


Acesso à FAUP


Acesso à FIC

A FAUP vista do acesso secundário pela Via Panorâmica

Abertura para os jardins em Serralves

A FAUP vista do Douro

A fronteira entre o museu e os jardins em Serralves

Abraço no intangível, tornado manifesto no interior do museu

Flagrante do museu olhando a encosta

 

“A building should appear to grow easily from its site and be shaped to harmonize with its surroundings if Nature is manifest there, and if not try to make it as quiet, substantial and organic as She would have been were the opportunity Hers" (Frank Lloyd Wright )

Curioso como o projeto de Álvaro Siza para a nova sede da Fundação Iberê Camargo (FIC) em Porto Alegre situa-se em um lugar que estranhamente remete ao Porto, cidade onde o arquiteto mantém seu escritório: uma escarpa junto ao rio (ainda que o Guaíba seja um lago). É como se o local tivesse sido caprichosamente escolhido por Siza, embora se saiba que a estória não foi assim.

Nesse sentido, é interessante comparar a FIC com duas outras obras do arquiteto localizadas na cidade do norte de Portugal: o Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves, dadas as semelhanças de programa e a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), acomodada em uma das encostas escarpadas do rio Douro.

Sítio: entre a escarpa e a água

Junto ao Douro o terreno é mais generoso do que ao lado do Guaíba, mas em ambos os casos o acesso ao sítio é estreito, se alargando na direção oposta. Na FAUP esta posição corresponde à antiga sede (a casa cor-de-rosa) da Quinta da Póvoa e ao Pavilhão Carlos Ramos – ambas instalações ocupadas pela faculdade antes da conclusão do conjunto atual – o que dá sentido a opção por duas “alas” definindo uma praça, com fechamento visual no conjunto pavilhão/ sede, murado e em cota superior. Na FIC a porção mais larga da exígua faixa de terra plana, entre a encosta verde e o lago, é ocupada verticalmente pelo bloco do museu.

Em uma como noutra, o eixo definido pelo passeio aberto que conduz do acesso estreito até a entrada principal, conecta também blocos menores semi-independentes. Edícula de entrada e cantina no Porto, ateliês e café na capital gaúcha. O rio (ou o rio-lago) corre à direita, ainda que o Douro esteja em uma cota bem mais baixa que a FAUP e o Guaíba fique, praticamente, no mesmo nível da FIC. Mas antes da água, há uma via – expressa em Porto Alegre, bem mais tranqüila no Porto. Lá o passeio aberto desemboca em uma praça, aqui a praça é “fagocitada” pelo edifício principal, restando como possibilidade tanto sob o abrigo das passarelas suspensas quanto na verticalidade do átrio interno.

No que diz respeito à circulação, não obstante a importância conferida aos eixos de articulação abertos, a visão hedonista é temperada com bom senso. Os rigores do inverno ou a chuva podem ser driblados por circulações subterrâneas que articulam os espaços nos dois complexos – na FAUP, como cada um faz seu caminho, também é possível esconder-se do sol ou aproveitar a benção da chuva...

Ainda na FAUP a ala onde se encontra a entrada principal – que abriga basicamente administração, auditório, sala de exposições e biblioteca – funciona como barreira para uma autopista, assegurando certo resguardo à praça. Nesta, os enquadramentos da paisagem proporcionados pelas quatro torres de ateliês e salas de aula enriquecem a experiência do lugar. Vistas da cidade elas assinalam a presença da faculdade. Vistas do Douro elas se acomodam à paisagem construída da escarpa. A altura da FIC, por sua vez, encaixa-se dentro do skyline da encosta coberta de vegetação ao fundo, como que evitando o confronto direto com as construções no cimo daquela.

Programa: entre a discrição e a exposição

No Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves a opção é por não interferir no conjunto pré-existente de jardins (em parte concebidos por Jacques Gréber) e residência (uma pequena jóia desenhada por, entre outros, Charles Siclis e Marques da Silva). O local escolhido para o novo museu fica, assim, em uma cota mais baixa. Um eixo semi-aberto, coberto e murado de um lado, conduz o visitante do portão de acesso à entrada do museu. Não obstante a beleza dos jardins, poucas e precisas aberturas comunicam visualmente o interior do museu às áreas externas – ainda que o restaurante, no piso superior, possua um terraço com ampla vista – permitindo uma concentração adequada ao percorrer as exposições e intensificando a experiência do olhar ao encontrar uma janela.

Já em Porto Alegre, a necessidade de uma obra que conferisse visibilidade à produção de Iberê Camargo – é uma questão de oportunidade aproveitar a publicidade ao redor da arquitetura do museu para divulgar a obra do pintor gaúcho – aliada ao desejo de reforçar a inserção da cidade no circuito mundial das artes, conduziam a uma solução de efeito. Diante da exigüidade do terreno, (quase) naturalmente levando à alternativa do bloco vertical ao fundo, o “efeito” fica por conta do escultórico conjunto de rampas, que poderia passar por idiossincrasia.

Cultura: entre a pedra e a escultura

Percorrendo as rampas da FIC, difícil não lembrar da serpenteante rampa de acesso ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC). Em outra escultura branca de concreto, Oscar Niemeyer faz com que o visitante gire 360º admirando a exuberante paisagem, para só então permitir sua entrada em um espaço relativamente banal. A maestria fica por conta de dois detalhes. Primeiro: o percurso de acesso coloca o espectador em um estado alterado de percepção; segundo: no espaço centralizado do museu falta algo, “gestalticamente” nos perguntamos onde foi parar o apoio central? Com isso o arquiteto alia excitação e surpresa e o resultado não poderia ser mais catártico. Em uma frase: a rampa ajuda a tornar mais complexa a experiência da obra.

O mesmo vale para Siza. Só que a questão fundamental na FIC não é só a paisagem – bela, mas não tão exuberante assim. Afinal, trata-se da sede da instituição repositório de grande parte da obra de um dos grandes nomes da arte brasileira. Contemplemos o prédio de Siza, espiemos a paisagem, mas não esqueçamos de admirar as exposições.

Na FIC a entrada envidraçada atenua o efeito do átrio monumental – nada de pé-direito rebaixado para acentuar, por contraste, a impressão de verticalidade do espaço. A sugestão de visitar as exposições subindo pelo elevador até o último pavimento, para então ir descendo pelas rampas, ora externas (onde se transformam em galerias fechadas suspensas no ar) ora voltadas para o átrio, acaba contribuindo nesse mesmo sentido, em uma inversão laica do percurso ascensional, cuja inspiração wrightiana o autor já admitiu.

Se a entrada parece querer deliberadamente frustrar o êxtase de monumentalidade, a fluidez da circulação nas rampas e seu cadenciar silencioso colocam-se em franco contraste com a tensão plástico-formal que provocam na visão externa do conjunto e com suas reverberações no espaço interno. Tudo isso em oposição ao fato de que as nove (ou doze, se contarmos a menor, em cada andar, junto ao monta-cargas) salas de exposição se resumem a três conjuntos iguais superpostos. Como em um jogo de gato e rato, entre complexidade visual/ formal de um lado e simplicidade funcional/ fluidez espacial de outro.

A semelhança com o MAC fica por conta da alteração na percepção do espaço operada pela experiência de percorrer as rampas. Ressalte-se: a intenção de Siza parece ser menos impressionar o visitante e muito mais oferecer a ele condições para apreciar as obras expostas. As rampas-galerias da FIC permitem que, entre um andar e outro, mergulhemos um pouco em nós mesmos, reflitamos com vagar a impressão causada por uma obra. Olhemos o singular desenho de luz produzido por uma clarabóia; paremos para contemplar a paisagem do Guaíba, com a silhueta distante de Porto Alegre ao fundo.

Algumas vezes partes externas da edificação produzem um segundo enquadramento da paisagem, em uma dobra do edifício sobre si mesmo, como uma metáfora da interação entre contemplação e introspecção. E, em um momento preciso, uma abertura deixa entrar a vegetação da encosta, como um grande quadro em permanente exposição.

(Em) síntese: monólito fluido

Não se trata de excitação ou deslumbramento e sim de introspecção e reflexão. Com isso o diálogo do prédio de Siza com Porto Alegre é mediado pela percepção da obra de Iberê Camargo e de eventuais outros artistas, em arranjos sempre novos, na medida em que não existem salas de exposição permanente. O prédio é uma máquina que potencializa certo estado de concentração, uma experiência muito mais densa de apreciação das obras expostas – e mesmo do entorno – do que a que seria proporcionada por uma paisagem sempre a vista em um mirante envidraçado.

sobre o autor

Ricardo Rocha, doutor pela FAU/USP, com estudos de Pós-Doutorado na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Professor no Curso de Arquitetura e no Mestrado em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria

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