As cidades, desde a sua origem, vêm sofrendo transformações que tem acarretado mudanças estruturais em seus padrões de vida, arquitetura e até mesmo em seus elementos naturais. Essas modificações imprimiram marcas que simbolizam e narram a sua própria história, sobretudo em sua morfologia e na cultura de seus habitantes, que passam a se configurar como elementos essenciais para a formação e afirmação de uma memória coletiva comum a toda a sociedade e que, muitas vezes, extrapola os seus próprios limites. Assim é para a cidade do Recife o Bairro da Boa Vista.
Com mais de 300 anos de existência, o bairro da Boa Vista é um dos resultados mais expressivos desse processo de transformação vivenciado pelo Recife no que se refere à permanência das marcas de um “casco urbano” mais antigo e de uma “nova e moderna cidade” que se desejou implantar, de forma mais intensa, a partir do final da primeira metade do século XX, sob o advento do urbanismo moderno. Essas diferentes épocas, responsáveis pela constituição deste espaço da cidade, deixaram então suas marcas através dos diversos estilos arquitetônicos e traçados urbanos que a caracteriza hoje como um dos bairros históricos mais importantes para a cidade do Recife.
É neste espaço plural que se tem uma das mais vigorosas expressões urbanas da cidade do Recife: edificações de vários estilos arquitetônicos e épocas construtivas distintas, sobretudo o casario mais antigo, com seus sobrados magros e altos; o traçado antigo da cidade de feições “medievais”, com suas vielas, becos e ruas estreitas; e o novo, com largas avenidas e espaços abertos convivem entre si com grande “tolerância” cultural, formando um exemplo vivo dessa expressão, que ao mesmo tempo promove e materializa a história da própria cidade.
Mais recentemente, o bairro da Boa Vista tem sido objeto de relevantes estudos sobre a presença judaica no Recife, uma vez que segundo fatos históricos já comprovados o identificam como o lugar de moradia e de trabalho deste povo, sobretudo ao longo dos dois últimos séculos (XIX e XX).
Desse modo, por sua reconhecida importância histórica para a cidade, o Bairro da Boa Vista, principalmente a área definida na Lei n° 16.176/96 (Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife) como Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural – ZEPH tem sofrido, mesmo que ainda de forma muito lenta, um “processo de valorização” através da implementação de algumas iniciativas no campo do planejamento urbano e da preservação, sobretudo por parte do poder público local. Nesse sentido, a Empresa de Urbanização da Cidade do Recife – URB-Recife, através do seu Departamento de Preservação de Sítios Históricos – DPSH tem norteado e programado algumas ações, bem como a forma de intervenção mais adequada por parte do setor privado, sobretudo dos proprietários de imóveis nessa área.
Essas ações têm demonstrado um crescente interesse por parte desses dois setores - público e privado – na área para intervenções sobre o patrimônio existente no bairro a fim de proporcionar sua conservação e uma conseqüente melhoria na sua ambiência, resgatando-o como espaço urbano “revitalizado” para a cidade. Contudo, essas ações têm ocorrido, em grande medida, de forma fragmentada, descontínua, sem uma devida estratégia que venha a garantir sua sustentabilidade.
A requalificação de áreas urbanas de interesse histórico-cultural tem sido uma das alternativas que vêm obtendo resultados positivos para a preservação dos conjuntos urbanos situados nas Áreas Centrais. Assim, a busca por uma conservação sustentável deste Sítio, com o consequente resgate dos seus valores sociais, culturais, arquitetônicos e econômicos, faz-se necessário a sua reabilitação.
Logo, por meio de um conjunto de diretrizes e da definição de um elenco de ações estruturadoras, deve se buscar a reabilitação de todo o conjunto arquitetônico e urbanístico mais antigo do bairro, através da valorização de seus elementos arquitetônicos; da promoção do resgate de sua importância histórico-cultural para a cidade; e da agregação de novas qualidades funcionais, nomeadamente a partir do estimulo a sua valorização como um capital econômico-cultural da cidade e a diversificação de seu uso, através da dinamização das atividades locais (vida noturna e diurna), desde que em conformidade com o seu uso habitacional. Contribuindo, desta forma, para melhoria da qualidade de vida de sua população local e para um melhor aproveitamento de seu capital imobiliário e cultural por parte de seus usuários.
A reabilitação espacial, com ações voltadas à valorização cultural e à educação patrimonial com a fundamental participação dos usuários através da aceitação e da promoção de todo o processo, ou seja, a promoção do Desenvolvimento Sustentável desta região apoiados nos princípios da Conservação Integrada (CI) faz-se imprescindível a não constituição de um museu, mas a conservação de forma equilibrada do bairro da Boa Vista com sua requalificação física, econômica e social.
sobre o autor
Michelle Luiza Torres Macedo natural de Recife/PE, Arquiteta e Urbanista formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (FAUPE) em Agosto de 2006; Em maio de 2006 iniciou a vida profissional como Arquiteta e Urbanista na Secretaria de Planejamento do Município de Jaboatão dos Guararapes onde permaneceu até o fim da gestão em Dezembro de 2008; atualmente possui escritório próprio (MB Arquitetura – Projetos e Consultoria) além de prestar Assessoria a Prefeitura Municipal de Vicência e Consultoria a Secretaria das Cidades do Governo do Estado de Pernambuco no Programa Academia das Cidades