Araguari é uma cidade com 111.000 habitantes, localizada na microrregião de Uberlândia, estado de Minas Gerais. A história da cidade está diretamente relacionada com a história da ferrovia na região do Triângulo Mineiro. No ano de 1896 a Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, estende o trecho que se iniciava na cidade de Campinas - SP, até Araguari. Dez anos depois em 1906 é iniciada em Araguari a construção da Estrada de Ferro Goyaz, destinada a ligar o estado de Goiás ao sudeste do Brasil. Esta conexão das duas linhas ferroviárias fez com que a cidade se tornasse o principal entreposto de cargas e passageiros entre Goiás e São Paulo no início do século XX. (Fig. 1)
Hoje, tenta-se preservar o que resta da memória física do período em que a cidade se beneficiou do transporte ferroviário. Alguns resultados positivos foram alcançados, como o tombamento do conjunto arquitetônico e paisagístico da antiga estação e sede da Estrada de Ferro Goyaz. Entretanto a estação e os trilhos da Companhia Mogiana foram totalmente demolidos. (Fig. 2)
Após a chegada das ferrovias a cidade teve seu maior crescimento econômico e populacional, saltando de 10.000 habitantes em 1890 para 43.000 em 1950, tornando-se uma das poucas cidades do interior do Brasil com mais de 40.000 habitantes na década (1). A cidade foi o principal centro econômico da região até o início da década de 1950, quando o modal de transporte brasileiro foi gradualmente substituído pelas rodovias. Neste período, já emergia a vizinha cidade de Uberlândia, como ponto nodal do novo transporte rodoviário na região.
Em 1954 a Estrada de Ferro Goyaz transfere sua sede para a recém construída Goiânia, nova capital do estado de Goiás, levando todo o seu grupo de funcionários de média e alta hierarquia da empresa. Com isso, a cidade perdeu uma importante parte de sua população de classe média, afetando gravemente sua influência na região e sua economia. No ano 1971 a Ferrovia Mogiana é incorporada à Ferrovia Paulista S.A. – FEPASA. Toda sua estrutura (trilhos na área urbana, vila ferroviária e estação de passageiros) foi demolida. No trecho dos trilhos foi construída uma avenida, como acontece na grande maioria das cidades onde os trilhos urbanos são retirados, e a área do pátio ferroviário foi oferecida ao mercado imobiliário.
A estação antiga da Estrada de Ferro Goyaz, (a partir de 1956 integrada à Rede Ferroviária Federal), foi desativada no ano 1973 e uma nova estação foi construída, baseada apenas no transporte de cargas, juntamente com a construção de novos trilhos no limite do perímetro urbano, retirando o sistema ferroviário da região central da cidade.
No ano 2002 o conjunto arquitetônico e paisagístico da antiga estação da Estrada de Ferro Goyaz (composto pela estação de passageiros, escola profissional, hospital, galpões de cargas, oficinas e pátio ferroviário) foi tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA. O edifício da estação foi recuperado e entregue em 2005, e hoje abriga a Prefeitura Municipal. Entretanto, a preservação do conjunto da estação não pode ser descolada da preservação dos trilhos ainda existentes. (Fig. 3)
Os trilhos da Estrada de Ferro Goyaz percorrem aproximadamente 2,5 km da periferia predominantemente de classe baixa da cidade, ocupada a partir da década de 1950. Contudo, infelizmente, são ignorados pelo poder público, tanto quanto pelo seu valor histórico e cultural, quanto pelo seu espaço público potencialmente integrador para a cidade. Esta área é pouco dotada de espaços públicos de lazer e os existentes não são qualificados.
Os trilhos antigos, apesar de desativados em 2006, ainda são mantidos entre a estação antiga e o trecho atualmente em uso. Entretanto, já começou a perder sua continuidade devido às obras de prolongamento de uma rua cortando parte do pátio ferroviário, que aterrou e interrompeu os trilhos, em fevereiro de 2010. (Fig. 4)
Em janeiro de 2010, em uma entrevista com o Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo, foi possível perceber a postura da Prefeitura quanto ao assunto. Ele acredita que não há necessidade de preservação do trecho de trilhos, já que não são utilizados e, ainda, contesta o tombamento de todo o conjunto ferroviário, alegando que os galpões da Estrada de Ferro Goyaz não podem ser chamados de patrimônio histórico. O secretário conclui afirmando que o tombamento realizado pelo IEPHA deveria ser revisto, “queiram ou não queiram, para o benefício da cidade” (2).
Percebendo o risco que essa área corre de se desintegrar com o passar do tempo e ser aproveitada por interesses imobiliários, como aconteceu com o trecho de trilhos da Ferrovia Mogiana, foi proposto ao Conselho Deliberativo Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural, o tombamento do trecho antigo da Estrada de Ferro Goyaz (3). Este é o único trecho de trilho do início do século XX ainda existente dentro da cidade, portanto, é necessária a preservação desta paisagem urbana juntamente com uma qualificação desse patrimônio físico, como memória de um período de destaque regional que a cidade jamais teve igual, e que hoje deveria ser preservada como parte de sua identidade.
O pedido de tombamento foi apresentado ao Conselho e a Divisão de Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal argumentou que o trecho de trilhos já é tombado (4), entretanto, surpreendentemente, não sabem a quem notificar o tombamento, pois, segundo a Prefeitura, não se sabe quem é o proprietário da área, (a RFFSA, a própria Prefeitura Municipal ou a Controladoria Geral da União). Este é um problema que ocorre freqüentemente com os bens da RFFSA. Devido ao confuso processo de concessão à iniciativa privada, não se fez um minucioso inventário dos bens e, como conseqüência, ocorre hoje a perda do patrimônio ferroviário em varias cidades do país (5). Apesar de parecer um problema insolúvel, percebe-se a falta de vontade por parte do poder municipal quanto à resolução do processo de tombamento, já que vários meios de notificação pública poderiam ter sido usados, mesmo se numa hipótese absurda, a prefeitura não tivesse o proprietário da área registrado em seus arquivos.
A qualificação deste trecho de trilhos deve acontecer através de uma intervenção urbana que contenha espaços destinados ao encontro, caminhadas, atividades de lazer, atividades culturais e práticas esportivas. Deve-se, também, pensar em um uso público para a linha férrea que gere melhorias sociais para os bairros e para a cidade, como o uso de um transporte coletivo sobre trilhos e a implantação de trens turísticos, como já se planejou no extinto programa “Trens de Minas”, do Governo Estadual. A intenção é gerar uma melhoria urbanística, paisagística, ambiental e social nesses bairros. O espaço público do leito dos trilhos exercerá, então, uma função de corredor de integração entre os bairros, como um parque linear, tornando o traçado da linha férrea mais permeável e acessível para a população, que sempre conviveu com os trilhos, já que estes foram instalados antes da ocupação da área.
notas
1
Dissertação de Mestrado desenvolvida por Fábio de Macedo Tristão Barbosa, que analisa a relação das ferrovias presentes em Araguari na organização do espaço urbano no período de 1896-1978.
2
Miguel Domingos de Oliveira, Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo, em entrevista concedida ao autor em 26 de janeiro de 2010.
3
Carta elabora pelo autor e apresentada ao Conselho em fevereiro de 2010.
4
Segundo a Divisão de Patrimônio Histórico da Prefeitura o tombamento foi aprovado em 2008, entretanto ainda não decretado pelo prefeito.
5
Gláucio Henrique Chaves, membro do Conselho Deliberativo Municipal de Patrimônio Histórico desde 2008, em entrevista concedida ao autor em 04 de março de 2010.
referências bibliográficas
BARBOSA, F. de. M. T. Ferrovia e Organização do Espaço Urbano em Araguari – MG (1896-1978). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.
LIMA JÚNIOR, J. R. de. SANTOS, N. C. dos. Aspectos do planejamento em Araguari: A evolução do traçado urbano. In: II Simpósio Regional de Geografia – Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2003.
sobre o autor
Lucas Martins de Oliveira, graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia.