A construção civil, setor muito aquecido em Viçosa, substitui rapidamente casarões ecléticos por prédios medíocres de doze a quinze pavimentos, com afastamentos mínimos (alterados pela Câmara Municipal), baixa qualidade, espaços ínfimos, garagens insuficientes e lucros astronômicos. Esse processo acontece na medida em que cresce o número de cursos na Universidade Federal de Viçosa (Figs. 1 e 2). Nem sempre as substituições são autorizadas pelo Conselho Municipal de Cultura e Patrimônio Cultural e Ambiental de Viçosa – CMCPCA.
Muitas coisas ocorreram com a mudança de prefeito em 2010 em Viçosa. O prefeito anterior perdeu o cargo na justiça e o segundo mais votado assumiu. Pressionado a tomar medidas urgentes para melhorar o trânsito nesta cidade de 85.000 moradores e 30.000 veículos, surgiu da Secretaria de Trânsito uma proposta de alterar uma rampa que faz parte do Balaústre. Essa estrutura, tombada e restaurada em 1999, é uma balaustrada de 480 metros de extensão que acompanha um trecho central da linha férrea Leopoldina (Fig. 3). A intervenção da secretaria visava resolver pontualmente a ligação de um desnível de 2,80 metros, para encurtar em cerca de 200 metros o trajeto de alguns veículos. A proposta previa uma rampa de 22% de declividade, com 4 metros de largura e passeio. Um croqui dessa proposta foi parar no CMCPCA para análise. O conselho, indeciso, definiu por levar a discussão para uma audiência pública, realizada em 20/10/2010. As figuras 4 e 5 mostram o impacto sugerido pelo croqui da secretaria e o impacto, muito maior, com as dimensões corretas de uma rampa.
Enquanto isso, parte da imprensa local começou um trabalho para apoiar o destombamento do Balaústre e desqualificar o Conselho, seus representantes e o próprio patrimônio arquitetônico da cidade. No editorial de 03/09/2010, Pélmio Carvalho, editor do jornal Folha da Mata (o mais vendido dos três jornais semanais da cidade), defendendo o destombamento do Balaústre, objetivando desqualificar os membros, especialmente os professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa, escreveu:
“Por razões sentimentais e por achar que assim deveria ser, podem todos e cada um conservar o seu, mas nunca “achar” que o casarão do ilustre, falecido tem que ser conservado e mantido pelos seus herdeiros, ficando eles, às vezes, a míngua para satisfazer a opinião de alguém que gosta de tomar clister com as nádegas dos outros. São eles, sem sabê-lo, stalinistas, para quem “o meu é meu o que é seu, podemos discutir”. (grifos meus)
É importante dizer que os bens tombados em Viçosa são quase todos públicos: Edifício Arthur Bernardes (no Campus da UFV), Casa Arthur Bernardes, Colégio de Viçosa, Escola Estadual Dona Nanete, CBIA, Balaústre, Estações Central e do Silvestre, Capela dos Passos e bloco inicial do Hospital São Sebastião. Os quatro imóveis particulares que foram tombados por solicitação dos proprietários, obtiveram o tombamento para aproveitar de forma inadequada o instrumento da Transferência do Direito de Construir no próprio terreno. Quem fez isso saiu ganhando muito dinheiro, com construções de pobreza formal e apartamentos de área mínima.
Para desqualificar o tombamento do Balaústre, Pélmio escreveu: “Querem destombar a dita obra que não teve nenhum interesse público para que fosse tombado” e “seria oportuno que se destombasse o trambolho (grifo meu), a apoteose ao mau gosto”.
Há dois grupos interessados na intervenção: o dos taxistas e o setor da construção civil. Os primeiros tiveram os acessos aos seus pontos prejudicados com as mudanças no trânsito, o que provocou a necessidade de estender os trajetos e desestimulou os usuários com um acréscimo no custo das viagens. Já o poderoso setor da construção civil interessa intervir no Balaústre exatamente porque ao seu longo estão sendo construídos vários prédios de apartamentos de luxo e interessa o encurtamento dos trajetos.
Da Câmara Municipal de Viçosa saiu, em matéria do mesmo jornal, o comentário de um vereador, que é médico, sobre os professores do curso de Arquitetura e Urbanismo, membros do Conselho, como “uns cabeças de bagre que temos que tolerar”(grifo meu).
Também no mesmo jornal (17/09/2010), comentando sobre uma manifestação organizada por professores do Curso de Arquitetura e um ex-vereador, arquiteto, a qual levou algumas dezenas de professores de outros cursos, alunos e simpatizantes a “abraçar” simbolicamente o Balaústre:
Um pequeno grupo de alunos dos cursos de Arquitetura e Geografia da UFV – entre eles poucos nativos – foram levados a “fazer” um abraço simbólico ao velho Balaústre, como protesto pela intervenção que a PMV quer fazer na obra. Bom seria que se fizesse nova manifestação, sem o “comboio” dos professores.” (grifos meus)
Na mesma frase ele diminuiu a importância do evento, rotulando “nativos ”e “não nativos” e referindo-se aos estudantes como massa de manobra dos professores.
Por outro lado, no editorial do Jornal Tribuna Livre de 17/09/2010, Lúcio Sant’Anna, afirma: “Se um povo não respeita o patrimônio ele acaba gerando um costume para decisões futuras nas mesmas proporções. Quem derruba um patrimônio hoje derruba outro amanhã.”
Excetuando-se as manifestações acima, é esse o nível de discussão que se queria levar, é claro que por um pequeno, equivocado, que se considera um influente grupo de pessoas.
Havia o risco de desfigurar o Balaústre e se iniciar um processo de desaparecimento do pouco que restou do patrimônio histórico de Viçosa.. As intervenções propostas no Balaústre não ofereceram garantia que trariam resultado para melhoria do trânsito.
Para os conselheiros e alguns técnicos, a construção da rampa, além de desfigurar o Balaústre, avançaria sobre o leito da linha férrea da Leopoldina, área de domínio federal e ainda prejudicaria a implantação de um VLT (Fig. 6). Essa solução moderna e ideal, que festeja 20 anos em Viçosa, foi objeto de estudos de viabilidade que confirmaram a possibilidade de construção em Viçosa, aproveitando os 12 km de trilhos e dormentes em bom estado de conservação, ainda não cobertos por asfalto, como fizeram outras cidades. Sobre isso, Pélmio declarou:
“[...] até quando a inverossímil e destampatória idéia de se reativar a linha férrea fosse sepultada de vez e o leito desocupado, somado ao solo deixado pelo tombamento, agora real e físico, do chamado balaustrado, poderia dotar a cidade de uma segunda avenida grande e verdadeira [...]”
A tal avenida é tecnicamente impossível de ser construída, devido à estreita faixa de domínio da linha férrea e as dezenas de invasões permitidas ao longo do seu leito. Entretanto, ao longo da linha, além do VLT, é possível construir ciclovias e passeios e em alguns trechos isolados vias estreitas para a solução do trânsito local.
Em outra edição (24/09/2010), Pélmio destaca que seu jornal se manifesta “sempre, favoravelmente a toda ação de demolição e modernização da cidade” e ainda escreve:
“Estamos, os viçosenses, todos envolvidos em nova questiúncula. Desta feita, devido à formação e posicionamento entre dois grupos: aqueles que querem a conservação do status quo daquela balaustrada que serve de travessa, corrimão e peitoril entre os dois desníveis da Avenida Bueno Brandão, em Viçosa, e aqueles que são favoráveis ao progresso e à modernidade.”
Desnecessário dizer que os defensores da idéia do VLT são tachados de malucos, sonhadores, marcianos. Os professores defensores do planejamento urbano e do patrimônio histórico em Viçosa também são chamados de “ditadores da Academia” quando se “intrometem” nos assuntos da cidade. Esses são os mesmos defensores que lutaram pela elaboração da Política Municipal de Patrimônio Cultural e a criação do CMCPCA (1996). O pequeno grupo esteve envolvido na elaboração do Plano Diretor de Viçosa, vigente desde 2000 (que agora brigam para que a revisão entregue em 2008 seja aprovada pela Câmara), na criação do Instituto de Planejamento Municipal de Viçosa (em atividade desde 2003) e do Conselho Municipal de Planejamento (inativo por interresse dos prefeitos e do setor imobiliário).
A audiência pública decidiu por sugerir à Secretaria de Trânsito o desenvolvimento dos projetos e procurar soluções alternativas visando preservar o Balaústre (Fig. 7). Assim como outros bens tombados a integridade desse bem permanece em risco. Os bens inventariados da área central têm seus dias contados (fig. 8 ).
referências bibliográficas
CARVALHO, Aline Werneck Barbosa de; OLIVEIRA, Lívia Faria de. Habitação e verticalização numa cidade universitária: o caso de Viçosa MG. Vitruvius: Arquitextos no 100.05, ano 09 de setembro de 2008. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.100/ Acesso em 20/09/2010.
CARVALHO, Pélmio. Bizantinismo e tombamentos. Folha da Mata no 2165, Viçosa, MG 10 de setembro de 2010. P. 2
CARVALHO, Pélmio. O Balaustre da discórdia. Folha da Mata no 2167, Viçosa, MG, 24 de setembro de 2010. P. 2
SANT´ANNA, Lúcio. Extremos não.... Tribuna Livre, no 1002, Viçosa, MG. 17 de setembro de 2010. P. 2.
SOUZA, Antônio Carlos Valle de. Adequabilidade do bonde para Viçosa. Folha da Mata, Viçosa, 27 de julho de 1991.
STEPHAN, Ítalo I. C. Seis bens tombados. Tribuna Livre no 410, Viçosa,MG0 de abril de 1999. P.2
sobre o autor
Ítalo Itamar Caixeiro Stephan, arquiteto (UFRJ-1982), Mestre em Urban and Rural Planning (TUNS, Canada, 1996), Doutor (FAUUSP-2006), professor e coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa. Ensina disciplinas de Projeto Arquitetônico e Planejamento Urbano.