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my city ISSN 1982-9922

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Leia o artigo de Marco Antonio Borges Netto sobre algumas das muitas ocupações existentes em Belo Horizonte e a aplicação da legislação vigente com relação a elas

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BORGES NETTO, Marco Antonio. Ocupações e ocupações. Minha Cidade, São Paulo, ano 11, n. 128.03, Vitruvius, mar. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.128/3797>.



Em Belo Horizonte há um punhado de ocupações. Lendo o jornal Estado de Minas, detive com a notícia de que irão leiloar uma das torres de Santa Tereza (1) e um tempo atrás fiquei sabendo que os ocupantes do Dandara (2) seriam despejados no Natal.

Em ambos os caso, legalmente, penso eu, eles tem o direito ao terreno. “Dura lex, sed lex”. É a lei que temos. Ou cumprimos ou a mudamos. Por enquanto, é ela que temos.

Não dá para sair invadindo e ocupando toda e qualquer terra. Deve-se pesar os princípios.

No Dandara e Predinhos, o Estatuto da Cidade diz:

“Art. 5º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei” (3).

E a Prefeitura nem sequer atualizou o Plano Diretor no prazo.

Por óbvio, não quero justificar que podemos descumprir a Lei porque o Poder Público descumpriu. E sim, se o Poder Público cumprisse a parte que a Lei obriga, muito provavelmente a situação seria outra, menos problemática e danosa.

E sim o governo deveria ser mais justo e presente. Caso contrário, estaremos na situação das pessoas do Dandara e não o contrário.

O conceito de princípio no Direito é juridicamente indeterminado e, portanto, destituído de contornos precisamente definidos. Tal indeterminação permite sobretudo a integração casuística da norma-princípio, de modo a atender as realidades locais particularizadas. E aqui falo especificamente do princípio da função social da propriedade.

Assim sendo, não cabe aqui proteger a posse de ocupantes de uma plantação de eucaliptos de uma empresa de celulose, nem de um prédio desocupado pois seus moradores viajaram de férias ou de um apartamento ou sítio de veraneio, por exemplos.

O terreno do Dandara difere disso tudo. Assim como os Predinhos de Santa Tereza.

Bom, se a CF tem princípios, não entendo porque não aplicar a teoria de Dworkin (4). As leis não acompanham o dinamismo da sociedade e nunca acompanharão. Ainda mais o nosso Congresso.

O art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC diz o seguinte: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (5). De fato, a lei não é omissa. A pessoa tem que cumprir a função social da propriedade para poder gozar, usufruir e dispor. A propriedade não é um direito absoluto. E tal princípio, para ser aplicado, requer técnica, hermenêutica.

Se não adequar a interpretação das leis ao caso concreto, a realidade, estamos fulminados. Não pretendo que o Brasil siga a Common Law, e sim que siga o dinamismo da sociedade.

Friso, uma coisa é ocupar uma fazenda de eucaliptos ou de laranjas ou da Embrapa ou a minha casa. Outra coisa é ocupar um terreno vazio há décadas ou um prédio abandonado e ocioso dentro da cidade.

Além do mais, deve ver quem e porque está ocupando. Não é simples, mas é importante.

Num mundo em que se fala de “mudanças constantes”, em que “nada será o mesmo”, em que o volume de informações “dobra a cada dezoito meses”, fica óbvio que ensinar fatos e teorias do passado se torna inútil e até contraproducente, conforme já afirmou Stephen Kanitz (6).

Dito isso, creio que não dá para afastar a Lei da realidade. Devemos estudar os dados, os fatos, e não aplicar a lei pura e simples.

Estamos querendo, aqui, responder a pergunta: afinal, no Direito, se trata do cumprimento da lei ou da realização da justiça?

Colocada dessa forma, a controvérsia se apresenta como um conflito entre legalidade e justiça, certamente os dois mais importantes ideais normativos do Direito ocidental moderno.

E Dworkin oferece, a meu ver, a única solução possível para a controvérsia: “numa tradição constitucional, não faz sentido opor legalidade e justiça, porque não há legalidade sem justiça, nem justiça sem legalidade. Ao contrário do que parece, essa não é uma daquelas odiosas teorias ‘mistas’, que abundam em tantos ramos do Direito e que são geralmente uma mesclagem das teorias rivais, sem atentar para as contradições internas entre elas – confissão da incapacidade do autor de elaborar uma solução satisfatória para um conflito radical” (7).

Enfim, não adianta estudarmos Rousseau, Rudolf von Iering, clássicos, se ignorarmos escritores contemporâneos, vivos, e, acima de tudo, aplicarmos leis que nascem velhas em uma sociedade dinâmica.

Aplica-se a Lei ao caso concreto, e não vice-versa.

notas

1
Projeto desenvolvido, desde 2002 pelo EI e EMAU PUC Minas e, com financiamento do Programa Crédito Solidário, infelizmente, encerrado em meados de 2005, as duas torres de 17 pavimentos, abandonadas pelas construtora e incorporadora, foram ocupadas, desde 1997, por moradores sem-teto de Belo Horizonte que vivem em condições bastante precárias e sofrem com o preconceito.

2
O projeto de arquitetura e urbanismo elaborados por estudantes e profissionais, coordenado pelo arquiteto e professor da Unipac Tiago Castelo Branco, que prestam assessoria técnica à Comunidade Dandara, foi apresentado na VII Bienal Iberoamerica de Arquitetura e Urbanismo, ocorrida em 2010 na cidade colombiana de Medellín. Também participei desse projeto.Ver link. 

3
Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Presidência da República Federativa do Brasil.Ver link.

4
RODRIGUES ,Sandra Paula Martinho. A Interpretação Jurídica no Pensamento de Ronald Dworkin, Uma Abordagem Editora:Almedina, 2005..

5
Lei de Introdução ao Código Civil. Juz Brasil Legislação.Ver link.

6
KANITZ, Stephen. Aprendendo a pensar.Ver link

7
RODRIGUES, Sandra Paula Martinho. A interpretação jurídica no pensamento de Ronald Dworkin – uma abordagem. Coimbra, Almedina, 2005, p. 98.

sobre o autor

Marco Antonio Borges Netto, bacharel em Direito, urbanista e professor do curso de arquitetura e urbanismo – UNIPAC Bom Despacho/Minas Gerais.

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