In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.
KOGAN, Gabriel. Obrigado por dirigir. Minha Cidade, São Paulo, ano 11, n. 131.05, Vitruvius, jun. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.131/3878>.
Nas últimas décadas a indústria do cigarro foi forçada a reduzir, em quase todo o mundo, seus anúncios a praticamente zero. Foram banidas propagandas de cigarro em todas as mídias. Os países perceberam (instruídos por suas agências de saúde) de que, economicamente, os benefícios dos anúncios de cigarro eram menores do que os gastos com tratamentos públicos provenientes de doenças ocasionadas pelo tabagismo.
Essa decisão, aparentemente acertada, despertou críticas que a considerava demagógica. Parece difícil medir quão prejudicial cada indústria pode ser para a sociedade. A pergunta que foi elaborada, logo de inicio, foi porque banir a propaganda de cigarro e não as propagandas de álcool, já que sabemos que esta é, incomparavelmente, a droga mais violenta? Os prejuízos decorrentes de doenças degenerativas vinculadas ao alcoolismo são apenas parte das despesas dos sistemas de saúde ligadas a essa droga, uma vez que acidentes causados pelo consumo excessivo aparecem com números de óbitos anuais comparados a grandes guerras.
O banimento de propagandas de indústrias possivelmente agressivas poderia ser feito para outras áreas. Instituições financeiras? Indústria do alumínio? Mineradoras? Talvez nenhuma outra indústria seja tão prejudicial para a sociedade quanto à indústria automobilística. O impacto dos carros na história do mundo é gigantesco e terrível.
No Brasil, o impulso à indústria automobilística através dos Planos de Metas de Juscelino Kubitschek causou um endividamento do Estado que mergulhou o país nas impagáveis dívidas externas e internas atuais. Além disso, hoje sabemos, e talvez na década de 1950 não se tivesse tão claro isso, que os carros são os grandes vilões das cidades. Este é um conceito já ‘de senso comum’ difundido na Europa, mas que no Brasil nunca foi incorporado pela grande massa, ficando restrita geralmente a especialistas, como urbanistas.
O carro inviabiliza o desenvolvimento de metrópoles democráticas. O espaço destinado a esses veículos no tecido urbano acaba com uma cidade pensada para Homem e projetada na escala do pedestre. A forte pressão ideológica e financeira da indústria automobilística sobre o poder público anula a criação de redes de transportes eficientes; tanto na escala urbana, através da construção de centenas de quilômetros de metrô e um sistema de ônibus confortável; quanto na escala territorial do país, com linhas rápidas de trens de passageiros. O único transporte urbano de passageiros viável para estruturar os deslocamentos no atual estágio populacional e tecnológico do mundo hoje é o transporte coletivo, sobretudo o metrô dentro de grandes cidades. E quando se fala em transporte privado, como forma de complementação da rede coletiva, o único transporte privado que poderia ser objeto de largos investimentos públicos é a bicicleta.
O carro é um mal a ser atacado nas grandes cidades brasileiras. Existem violentas disputas econômicas e urbanas entre o carro e os demais transportes, em que apenas um pode predominar. Infelizmente, teremos que conviver com a existência do carro, é um problema inventado pelo Homem que não parece poder ser banido a longo prazo, porém os investimentos públicos devem, cada vez mais, em uma reivindicação coletiva das populações conscientizadas, ser exclusivamente voltados para o transporte coletivo e ciclovias. Em outras palavras, o Estado deveria suprimir de suas folhas qualquer nova obra destinada para o transporte rodoviário de automóveis privados. Com o prosseguimento das atuais políticas se tornará cada vez mais recorrente os congestionamentos como vistos recentemente na China (http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,congestionamento-na-china-deve-seguir-por-semanas,599747,0.htm). Algo digno de um conto de Cortázar, uma “Auto-Estrada do Sul”
Os males dos automóveis são ainda mais extensos. Geram grande parte da poluição nos centros urbanos. Poluição não apenas do ar, causadora de mortes decorrentes de doenças respiratórias, mas também sonora que ataca o sono dos habitantes de centros metropolitanos, impactando a qualidade de vida. Em São Paulo, além disso, os carros aprofundam desastres urbanos como enchentes, porque as Marginais, e demais vias ao longo de rios, reduzem enormemente a drenagem urbana e a relação da cidade com as margens. Isso sem falar na estreita relação atual dos automóveis com a indústria petroleira, responsável por desastres ambientais como os derramamentos no Golfo do México, o Efeito Estufa e guerras no Oriente Médio
Não apenas de forma indireta o carro mata. O carro é uma arma. Centenas de ciclistas morrem atropelados por ano no Brasil, milhares de pedestres e o número total de vítimas em acidentes envolvendo automóveis é digno de um genocídio. O paciente que sobrevive a um acidente grave pode custar muito mais do que uma vítima de uma doença vinculada ao cigarro. Porque então a proibição das propagandas de cigarro e não de automóveis? Talvez isso soe cômico: lutemos pela proibição dos anúncios de carros, como forma, inclusive, de sinalizar, em um futuro distante, porém prazeroso, o total banimento do produto. Será que as máquinas das linhas de produção de automóveis não podem ser convertidas para a produção de trens ou bicicletas? Até lá, se você se vir parado na Avenida Rebouças ou na entrada do Túnel Rebouças, antes de reclamar do trânsito, não se esqueça de pensar sobre a pequena destruição da cidade (sim e qual alternativas temos?) que você faz todos os dias quando sai da garagem. Sejam políticos, engenheiros, magnatas do petróleo ou empresários da indústria automobilística, eles certamente estão zombando de você: “obrigado por dirigir”.
nota
NE
Este artigo foi originalmente publicado no blog cosmopista em 8 de fevereiro de 2011.
sobre o autor
Gabriel Kogan é arquiteto e urbanista formado pela FAU-USP. Trabalha atualmente no STUDIOMK27 e edita o blog cosmopolita. Desenvolve também pesquisa teórica sobre a arquitetura do território, com ênfase na relação dos rios com a cidade de São Paulo.