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A Medida Provisória que estabelece o regime diferenciado para as contratações das obras para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016 representa um grave retrocesso na tramitação das concorrências das obras públicas
SOUZA, Edison Eloy de. A escandalosa MP 527 sobre as obras da Copa e Olimpíada. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 133.05, Vitruvius, ago. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.133/4010>.
É difícil se calar diante de tamanha vergonha e escândalo que representa essa Medida Provisória que estabelece o regime diferenciado para as contratações das obras para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Ele representa um grave retrocesso na tramitação das concorrências das obras públicas, já bastante desvirtuadas e desatualizadas pela vigente lei 8666/93, que rege o setor.
Essa malfadada lei 8666/93 peca, em primeiro lugar, por misturar duas atividades profissionais complementares, mas de naturezas completamente diferentes, quais sejam o projeto de um lado e a execução da obra, de outro.
O projeto é uma atividade técnica necessária, prévia à execução da obra, destinado à definição completa do objeto a ser cotnstruído, com a devida qualidade, durabilidade, economia, rapidez e segurança. Ele engloba as áreas da arquitetura e engenharia ligadas à concepção, elaboração de produtos técnicos, cálculos, orçamentos, cronogramas, com a determinação precisa e completa de todos os elementos necessários à correta execução da obra.
O projeto está relacionado à atividade criadora por excelência, demandando esforço, tempo e custos necessários e suficientes para a obtenção de um bom resultado, do ponto de vista da qualidade técnica e artística, além de econômico e durável.
Para ser bem e corretamente realizado o projeto deve passar por várias etapas sucessivas, tais como estudo preliminar, anteprojeto, projeto legal, projeto básico e projeto executivo, cada qual com seus produtos específicos e determinados, segundo as normas técnicas vigentes. Eliminar qualquer uma delas é o caminho certo para a criação de problemas de várias naturezas, perfeitamente evitáveis durante a execução da obra.
A elaboração do(s) projeto(s) deve feita por profissional (is) competente(s) e habilitado(s), que podem ser selecionados por vários processos legais disponíveis, tais como concursos abertos ou fechados, notória especialização ou eventualmente por escolha direta. Em qualquer processo de seleção essa escolha deverá sempre se basear na qualidade e no mérito da proposta apresentada e nunca pelo menor preço, assim como não escolhemos o médico pelo preço que ele cobra pela consulta.
A execução da obra é uma atividade técnica complementar ao projeto, ligada a área das engenharias, que se ocupam da construção ou da produção propriamente dita, daquele projeto previamente elaborado, de forma fiel e integral, eficiente, segura, dentro das normas técnicas vigentes e do cronograma e orçamentos previstos.
No caso da execução da obra, quando o projeto completo foi realizado, é perfeitamente possível e desejável a licitação ou concorrência de preço, pois o objeto da contratação está plenamente definido pelo projeto em seu escopo, natureza, prazos, condições, especificações e mínimos detalhes.
A mistura ou superposição dessas duas atividades, a qualquer pretexto como ganhar tempo, evitar conluios, corrupção ou outras mazelas, não só tem se mostrado inútil e inócuo, como tem resultado obras de péssima qualidade técnica, que acarretam graves prejuízos materiais e sociais.
Sabemos que a realização e utilização de uma obra pública é um processo longo, onde as etapas de projeto e execução da obra, apesar de muito importantes, são apenas parte dele, que engloba decisões políticas e providencias burocráticas, administrativas, financeiras e de controle. Porém, para que o objetivo seja alcançado, nada disso deve ser deixado de fora, sob pena de prejuízo certo do ponto de vista material e social.
Também sabemos que o todo o tempo gasto na elaboração do projeto é economizado integralmente durante a construção da obra.
Em países sérios se gasta em média 2/3 do tempo na elaboração de um projeto completo e 1/3 na execução da obra. Aqui no Brasil nós fazemos exatamente o contrário, ou seja, 1/3 na elaboração do projeto, quando ele é feito, e 2/3 tocando a obra, de forma quase sempre improvisada, amadora, sujeita a permanentes modificações, alterações, gambiarras e, pior ainda, com aditivos sem fim. Não pode dar certo.
Houve uma época recente em que tínhamos ótimas e numerosas equipes de projetos e planejamento reunidas em algumas empresas de engenharia e consultorias, privadas ou de governo, que ajudavam a pensar e viabilizar os grandes projetos nacionais. Todas elas foram desmontadas e seus profissionais pulverizados estando atualmente em grande parte desocupados ou subutilizados.
A atividade de projeto e planejamento no Brasil foi perdendo espaço com o tempo, desde Brasília, tornando-se uma atividade dispensável, elitista, com resultados frustrantes para os profissionais ligados a área e desastrosos para a sociedade em geral.
Nós, profissionais do planejamento e projeto, somos formados árdua e longamente para servir à sociedade, mas estamos sendo cada vez mais alijados do nosso trabalho, impossibilitados de cumprir nosso compromisso social, enquanto técnicos.
Já a atividade da engenharia de obras exercida pelas grandes empreiteiras, que se locupletaram na época do milagre das grandes públicas, como a construção de Brasília, a Transamazônica, a ponte Rio Niterói, as hidrelétricas, e tantas outras, conseguiram sobreviverem bem, através da substituição dos seus objetivos e reciclagem das suas atividades fins.
Percebendo a escassez das verbas públicas para o setor, algumas foram para a construção civil na área habitacional, outras espertamente introduziram novos negócios no mercado como a concessão de rodovias, já construídas, a coleta do lixo urbano e tantas outras para-técnicas, mas sempre mantendo suas vinculações políticas, nem sempre éticas.
Voltando à análise da Medida Provisória. Assim, o que já era ruim com a Lei 8666/93, fica pior com a Medida Provisória 527.
A Lei 8666/93 em vigor já veio tumultuar esse processo de contratações, quando eliminou a necessidade do projeto executivo completo, na fase da licitação, substituindo-o pelo projeto básico, ficando o detalhamento posterior a cargo do vencedor.
Parece uma pequena diferença, mas não é. Tecnicamente há uma certa distancia entre ambos. O projeto executivo completo prevê a definição completa da obra a ser executada, em todas as suas áreas técnicas, com especificações, pormenores, cronogramas e custos, permitindo um orçamento completo e uma perfeita avaliação da obra a ser executada. Ele é condição prévia e insubstituível para a garantia da qualidade, durabilidade e do controle total da qualidade e do custo obra.
Por outro lado o projeto básico é uma etapa anterior ao projeto executivo, com um nível de informação técnica adiantada, porém incompleta nas suas escalas e detalhes construtivos, destinado apenas a qualificar e quantificar a obra de maneira estimativa e aproximada.
A sua conclusão e detalhamento ficam a cargo do vencedor da licitação, que nem sempre o faz com o necessário rigor técnico, podendo adaptá-lo ou alterá-lo em função de seus interesses comerciais, ocasionando seu desvirtuamento.
São conhecidas as artimanhas e os mecanismos que existem para eliminar, driblar ou encarecer as licitações das obras públicas. Vão desde o financiamento das campanhas eleitorais em troca de obras futuras, a invenção de projetos megalomaníacos ou desnecessários, a constante contratação direta para obras emergenciais, a informação privilegiada, a combinação de lances prévios, a armação de resultados, a pratica de aditivos intermináveis por projetos inexistentes ou incompletos.
Enfim, apesar de toda a legislação, há um esquema voltado para servir aos políticos corruptos de plantão e aos grandes empreiteiros desonestos, se se transformando numa praga cultural e social.
No geral as obras públicas são feitas a toque de caixa, de forma mais barata, mas não econômica, com cuspe e barbante, para ser remendada ou refeita logo em seguida, num circulo vicioso danoso e infernal. Além de se tornarem em elefante branco após os eventos ou motivos que levaram a construí-las.
Infelizmente vislumbramos que processo tende a se repetir agora com as obras da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016, como aconteceu com tantas outras grandes obras do gênero por esse Brasil afora, como o Pan realizado no Rio de Janeiro recentemente, tendo em vista o aumento das facilidades, vulgo flexibilização, propiciadas pela nova Medida Provisória.
Nós, enquanto profissionais e cidadãos, além de todas as entidades de classe livres temos o dever de se manifestar e atuar junto às autoridades contra mais esse abuso contra a atividade do projeto, planejamento e da construção pública, feita de forma responsável e ética e em defesa da sociedade brasileira.
sobre o autor
Edison Eloy de Souza é arquiteto (FAU USP, 1965), mestre em arquitetura, ex-professor da Unisantos, USJT, FAAP e UNIP (1976-2010) e presidente do SASP (1983-1986). Atualmente é titular de empresa própria (1976-2010).