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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
É sabido que a falta de infraestrutura e de segurança, por exemplo, são problemas crônicos nas cidades brasileiras. Os eventos esportivos no Rio de Janeiro incentivaram uma mudança nesse cenário, com iniciativas que ainda necessitam grandes ajustes

how to quote

JANOT, Luiz Fernando. Corruptos e corruptores da cidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 135.04, Vitruvius, out. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.135/4068>.


Alegoria da Justiça, 1553
Desenho de Georg Pencz


Uma recente pesquisa divulgada pela organização “Rio Como Vamos” indica que a cidade está despertando nos cariocas um forte sentimento de orgulho. Além de viver na cidade e poder desfrutar das suas belezas naturais e da alegria contagiante das ruas, esse orgulho decorre, também, das atuais condições de segurança e da retomada do crescimento econômico. Quando não mais se acreditava que esse estado de espírito voltasse a acontecer, eis que o Rio sacode a poeira e dá a volta por cima. As recentes transformações se devem, em parte, à perspectiva de realização dos grandes eventos esportivos internacionais e ao acerto da política de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora.

No entanto, apesar do otimismo coletivo, os cariocas sabem que os problemas crônicos de violência urbana não podem ser resolvidos num passe de mágica. Quem afirma é o próprio Secretário de Segurança quando diz que “não será um policial com um fuzil na entrada de uma favela que vai segurar [a violência], se lá dentro das comunidades as coisas não funcionarem.” É necessário, portanto, que sejam feitos investimentos maciços para assegurar a dignidade da população que vive nessas comunidades. Prioritariamente, deverão ser implantados nas áreas pacificadas os serviços públicos essenciais, isto é, aqueles que facilitem a acessibilidade, a mobilidade, o esgotamento sanitário, a distribuição de água, energia elétrica e iluminação pública, a coleta do lixo e a comercialização formal dos botijões de gás, da TV a cabo e da Internet. Simultaneamente, deve-se assegurar o controle da expansão domiciliar e da própria comunidade. Todo o cuidado é pouco para impedir que o fantasma da contravenção volte a se instalar nas comunidades pacificadas, principalmente por vivermos em uma época em que altos escalões de governo fazem da corrupção uma parte indissociável dos seus interesses políticos. Há muito que fazer para evitar o descrédito das conquistas realizadas em meio a esse pacto silencioso onde tudo acontece e nada se vê.

Por outro lado, é extraordinário observar as classes sociais menos favorecidas sendo contempladas por novas oportunidades de emprego e possibilidades de negócios após sobreviverem por anos a fio na informalidade. Vivemos, hoje, uma realidade bem diferente daquela que prevaleceu na década passada, quando inúmeras empresas e estabelecimentos bancários se transferiram da cidade, deixando para trás um rastro de decadência e abandono.  Em grande parte, essa perda de status econômico e social decorreu da inércia de governos estaduais medíocres que se utilizaram de estratégias inócuas para lidar com os complexos problemas cotidianos. A tão desejada revitalização do centro histórico, estigmatizado pela sujeira nas ruas, pelos vendedores ambulantes ocupando as calçadas e os pichadores comprometendo o valioso patrimônio cultural exige, do governo e da sociedade, providências exemplares para reverter esse quadro comprometedor da imagem da cidade.

Numa sociedade que relega a defesa dos valores culturais e a preservação dos espaços públicos a um plano secundário, é difícil constituir uma espacialidade urbana capaz de despertar o orgulho e elevar a auto-estima da população. Essa crítica se estende, também, às classes que praticam uma espécie de antropofagia cultural pelo avesso, restringindo o seu olhar apenas para a beleza dos ambientes públicos no exterior e para as formas pasteurizadas dos condomínios fechados e Shopping Centers. A miopia desses segmentos faz com que não vejam nexo em formas de expressão da vida urbana diferentes daquelas com que ideologicamente costumam se identificar. Trata-se de uma postura cultural limitada que obscurece a visão da cidade como uma representação híbrida e polifônica.

Desafios sempre estarão presentes na complexa vida da cidade. Somos habitantes de um mundo que a todo instante promove a sua autodestruição. Mas, para melhor compreender e superar as dificuldades é necessário tomar atitudes individuais e coletivas, ao invés de atribuir exclusivamente aos poderes públicos a responsabilidade por tudo o que acontece na cidade. No lugar da cooperação solidária, estamos nos deixando levar pela competição desleal que transforma a apatia e a corrupção em metástase do tecido social. Deixamos de lado a construção de um mundo mais justo para incorporar ao nosso cotidiano a voracidade competitiva que encontra no consumo desenfreado a sua razão de ser. Corruptos e corruptores dessa trama perversa devem ser identificados como criminosos da pior espécie e denunciados sem nenhum pudor. Reagir a eles é uma forma de exercer a nossa cidadania e praticar a urbanidade desejada para fazer do Rio uma cidade paradigmática, que seja um orgulho para os cariocas e para todos aqueles que desfrutam da sua ambiência acolhedora.

nota

NE
Publicação original do artigo: JANOT, Luiz Fernando. Corruptos e corruptores da cidade. O Globo, Rio de Janeiro, 06 ago. 2011.

sobre o autor

Luiz Fernando Janot é arquiteto urbanista e professor da FAU-UFRJ.

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