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my city ISSN 1982-9922

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José Miguel Wisnik analisa o caso do risco de desabamento do teto do Engenhão e como o poder público coordena os grandes projetos e fiscaliza as edificações.

how to quote

WISNIK, José Miguel. Engenharia do Engenhão. Minha Cidade, São Paulo, ano 13, n. 153.03, Vitruvius, abr. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/13.153/4730>.


Estádio Olímpico João Havelange, o “Engenhão”
Foto Nelson Kon


Todos sabemos que a realização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, bem como das Olimpíadas, no Brasil, põe à prova capacidades fundamentais como as de criar e de gerir, de potencializar os talentos e de administrar as condições de sua realização em benefício público. É por isso mesmo que o futebol está no centro da interrogação sobre os atravessados destinos da modernização brasileira. Corresponderemos à nossa inventividade lúdica e invejável de pentacampeões mundiais? Somos capazes de sustentar consequentemente a gestão das estruturas necessárias e de incorporá-las como um legado? As duas perguntas cairão como meteoros pré-datados sobre o nosso atraso atual, no qual se confundem o atraso histórico imemorial com o atraso da construção das obras e o da construção do time (que está mais atrasada do que a dos estádios). A ruptura visível na estrutura do Engenhão soa a essa altura do campeonato como o sintoma incômodo que põe tudo isso a nu, como a gafe de mau gosto que desvela a incompetência cósmica.

Os arcos que sustentam o teto do estádio inaugurado no Pan de 2007 não se acomodaram na estrutura como previa o projeto, e podem desabar. O laudo de uma empresa de consultoria alemã recomenda a interdição. Começa a brasileiríssima dança das denegações: Cesar Maia, prefeito na ocasião da obra, declara categoricamente que o problema não é de projeto nem de execução, mas de manutenção; o engenheiro responsável afirma que o laudo alemão é “brilhante”, mas parte de “premissas diferentes” das do projeto, razão pela qual apresenta um resultado que ele não compartilha, completando que iria tranquilo com a família, se fosse o caso, para assistir um jogo no Engenhão. Tudo se passa como se não tivesse existido o descarrilamento do bonde de Santa Teresa, nem o desabamento dos três prédios junto do Municipal, nem a tragédia da boate Kiss.

A cultura da irresponsabilidade – que consiste em não responder pelo que se faz – é corrente no Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos é costume que alguém pague pelos desmandos e pelos erros; no Japão, o engenheiro praticaria o haraquiri. Aqui, é de praxe que os envolvidos finjam que nada está acontecendo. Para completar, o contrato assinado, até onde entendi, libera o consórcio construtor de responsabilidade sobre problemas que se revelem após o término da construção, ficando tudo na conta da Prefeitura.

A opção brasileira para a realização dos novos estádios da Copa não foi a do convite a arquitetos autorais, como os do Ninho de Pássaro em Pequim, projetado por Herzog e de Meuron com participação do artista chinês Ai Weiwei. O novo estádio de Wembley, por sua vez, é da autoria de Norman Foster, importante arquiteto inglês e, curiosamente, contendo uma evidente citação do projeto não realizado de Oscar Niemeyer para o Maracanã, que era também baseado num imenso arco do qual penderiam finos cabos de aço sustentando a cobertura. O pouco conhecido projeto de Niemeyer apontava pioneiramente, nos anos de 1940, para os vários estádios atirantados contemporâneos, isto é, com a cobertura suspensa por cabos, como é o caso também do Stade de France, construído para a Copa de 1998. O Engenhão é uma versão pouco elegante e low-tech dessa tendência, onde a estrutura se baseia não em cabos mas em perfis tubulares largos e pesados, halterofilísticos, que, ao que parece, não aguentaram o levantamento de peso.

Não escolher arquitetos de renome, pertencentes ao star sistem da arquitetura espetacularizada, poderia ser visto como uma virtude, se não fosse pelo fato de que os projetos foram entregues na maioria a conglomerados internacionais de construtoras com empreiteiras, aparecendo os arquitetos como parte secundária do pacote dos negócios. No mesmo bolo, as duas maiores e principais cidades-símbolos do Brasil, Rio e São Paulo, comparecem vexaminosamente com um estádio baleado, herdado do Pan e com importante papel projetado para as Olímpiadas, o Engenhão, com o Maracanã atrasado e o Itaquerão corintiano, suposto estádio do jogo de abertura da Copa, travado por um imbróglio financeiro.

Construir uma seleção, por sua vez, é mais difícil do que construir vinte estádios. Não há espaço aqui para desenvolver esse tema. Só quero dizer que eu, que sou santista, que fui um entusiasta da permanência de Neymar no Brasil e que sou seu fã total, acho que ele tem que ir o quanto antes para o Barcelona, testar o seu tamanho real, temperar o seu talento no contato com marcações futebolísticas diferentes do cerco e do circo de mídia, de publicidade e de futebol precário que se criou em torno dele aqui.

nota

NE
O artigo foi originalmente publicado no jornal O Globo do dia 30 de março de 2013 e republicada no portal Vitruvius com a autorização do autor. 

sobre o autor

José Miguel Wisnik é professor de literatura brasileira na Universidade de São Paulo, ensaísta e músico. Publicou O som e o sentido – uma outra história das músicas (Companhia das Letras), Sem receita – ensaios e canções (PubliFolha) e Veneno remédio – o futebol e o Brasil (Companhia das Letras). É autor de CDs de canções, de trilhas para cinema, dança e teatro.

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