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my city ISSN 1982-9922

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O Teatro Oficina, expressão máxima da visão de mundo de Lina Bo Bardi, que funde os âmbitos projetual, histórico e corpóreo, precisa ser preservado por tudo que significa para a obra da arquiteta e para a cidade de São Paulo.

how to quote

VERGUEIRO, Frederico. (Re)existência de Lina Bo Bardi. Em defesa do Anhangabaú da FeliZcidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 158.02, Vitruvius, set. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.158/4862>.


Encontro de Zé Celso, Hans Ulrich Obrist e Gilbert and George no Teatro Oficina em 2012 na ocasião do lançamento do livro “Entrevistas Vol.6”, de Obrist
Foto Frederico Vergueiro


Nos últimos anos, foi possível notar um faminto interesse pelo trabalho da Arquiteta Lina Bo Bardi em âmbito internacional. Como tem sido ainda recorrente no Brasil, estamos aos poucos e tardiamente compreendendo a singularidade de sua obra, o quando ela nos informa sobre nós mesmos e o que ela tem a dizer para o mundo.

Desde sua morte há pouco mais de vinte anos, não tivemos por aqui o reconhecimento de seu trabalho em nenhuma de nossas exposições internacionais, como a sala especial da curadoria da Bienal de Arquitetura de Veneza de 2010, em que a curadora, a arquiteta japonesa Kazuyo Sejima, propôs uma reflexão sobre o patrimônio na arquitetura e colocou o trabalho de Lina como protagonista do debate. Não vimos nenhuma das grandes escolas de Arquitetura organizar sequer uma singela exposição como que a Architectural Association de Londres realizou em fevereiro do ano passado. Não vimos iniciativas tão criativas como a ocupação da Casa de Vidro pela exposição, com curadoria de Hans Ulrich Obrist, realizada alguns meses atrás.

Quase todos os seus últimos projetos construídos envolveram intervenções em alguma medida junto a edificações preexistentes. Sua maneira contundente de inserir a presença do presente em projetos como o Sesc Pompéia por exemplo, já foi alvo até de críticas, mas seu reconhecimento positivo tem sido cada vez mais inevitável graças à vitalidade e a qualidade destes ambientes.

Sua prática de projeto não está alienada de sua prática de conservação. Essa distinção entre projeto arquitetônico moderno, não histórico e atemporal em contradição a uma realidade construída histórica e aprisionada em seu próprio passado são – ou já deveriam ter sido – paradigmas superados da modernidade, do desenvolvimento cientifico e das práticas preservacionistas. Ambos são históricos e se relacionam com o presente de maneiras variadas.

Os parâmetros utilizados pelos órgãos de defesa do patrimônio, fundamentados no instrumento do tombamento, reproduzem a noção antiga e obsoleta do projeto arquitetônico clássico.

Os imóveis são compreendidos segundo o paradigma do projeto, ou seja, ao invés de submeter o edifício aos acontecimentos que ele abriga, o edifício é que se sobrepõe aos acontecimentos, submetendo-os ao seu tempo longo, lento, imutável, limitado e acabado.

O edifício não é compreendido sequer como objeto, ou seja, realidade material reconhecida pelo humano, que ao se deparar com sua materialidade, estabelece, através da consciência, uma relação de sentidos, sentimentos e saberes. Os edifícios, para a política de patrimônio no Brasil, são meros montes de pedras, amontoados segundo uma motivação histórica e um ego profissional.

Essa incoerência já ganhou o senso comum e não são raros os casos em que a sociedade recorre à ferramenta do tombamento para garantir a vitalidade de um bairro em particular, o funcionamento de um equipamento cultural ou de um estabelecimento historicamente relevante. O tombamento não é capaz de amparar nenhuma destas demandas.

As atividades estão ora subordinadas ao edifício, ora invisíveis. O problema da invisibilidade é muito claro, mas o problema da subordinação expõe a atividade com valor imaterial a uma proteção ilusória ou, pior ainda, letal para ela própria.

No caso do Teatro Oficina, os terrenos nas imediações são alvo de disputas entre a companhia, que pretende dar continuidade ao projeto de Lina Bo Bardi, e o proprietário que manifesta a intenção de executar um empreendimento imobiliário no local.

Em todos os pareceres dos processos de tombamento, são citadas ações e motivações históricas e artísticas que levaram a companhia a se estabelecer no bairro, ocupar o imóvel e operar as transformações que fazem daquele local hoje um exemplar único, maduro e avançado da revolução Moderna do Teatro e da Arquitetura Teatral. Segundo os recentes pareceres dos órgãos municipal e estadual de preservação do patrimônio, favoráveis a construção de empreendimentos do proprietário, fica evidente que o valor histórico das manifestações artísticas está somente a serviço da integridade física do edifício. No momento em que a prática artística é colocada em risco, seu valor reconhecido é suspenso e negado como garantia de sua vitalidade. No parecer do órgão estadual de preservação da década de 80, Flávio Império se refere à prática do Teatro para atribuir um sentido particular de mudança permanente ao edifício. É neste ponto que a lei, ao reconhecer este documento, não poderia mais ter dissociado o valor imaterial do valor material do Teatro Oficina. Império impregnou oficialmente o edifício de vida ao mesmo tempo em que eternizou o gesto dos artistas. Reconhece que aqueles gestos são capazes de operar transformações permanentes no espaço ao mesmo tempo em que o edifício é, e deve ser, capaz de absorver as ações do tempo.

A partir deste momento, o edifício pode então ser reconhecido, ai sim, como objeto, ou seja, não mais uma materialidade mensurável, mas uma consciência de sujeitos. Ele além de transmitir um fazer artificial, prescinde enquanto espaço arquitetônico e território geográfico, uma ocupação, um modo de usar, agir, sentir e dar sentido ao lugar. Uma janela, neste caso, não é uma suspensão material do opaco, é um empréstimo da paisagem para dentro do espaço que só pode ser operada pelo olhar, ou seja, pelos corpos que ocupam o espaço e de sua relação com o espaço além, a cidade.

A síndrome de inferioridade talvez impeça que alguns acreditem que em pleno solo brasileiro, Lina Bo Bardi tenha realizado a mais completa expressão de um novo paradigma arquitetônico, que se legitima cada vez mais ao ultrapassar as fronteiras nacionais.

O projeto arquitetônico não é mais o produto de uma concepção mental, abstrata e metafísica de uma espacialidade futura ideal em que os corpos estão subordinados a ela. Resultam sim de um acúmulo histórico de gestos somados com a intenção contundente de síntese do presente expressa pelo arquiteto através da técnica.

O Teatro Oficina é a expressão máxima dessa prática de projeto que tem uma natureza essencialmente histórica e corpórea. Mais visceral do que os outros projetos como o Sesc Pompéia e a Casa do Benin, em que a intervenção do presente se contrapõe a preexistências mais coesas e estáticas do passado, o Teatro Oficina é um edifício feito de tempos plurais sem uma hierarquia de valor.

Cada aspecto do prédio está intimamente ligado com algum acontecimento ou gesto relacionado à prática artística. Assim como o Teat(r)o pratica uma devoração cultural da arte –vida do Carnaval, do Candomblé, da Umbanda e das expressão populares presentes e históricas, a arquitetura de Lina é uma consolidação antropológica dos gestos humanos na cidade. Os corpos transformam e constroem o lugar ao ocuparem sistematicamente o espaço urbano. Lina não prevê um uso, reconhece os gestos e os eterniza para que eles permaneçam, cresçam e se transformem em simbiose com o espaço. Lina não delimita uma fronteira entre objeto e cidade, estabelece relações de continuidade, movimento e sentido, ou seja, narrativas.

O teto e a janela por onde entra a luz, nos reporta a ocasião do incêndio que destruiu parcialmente o imóvel. A arquitetura eterniza essa relação que se estabeleceu entre a prática artística e o tempo atmosférico. Dia e noite, sol e chuva.

Jardim e fonte nos remetem a uma peça encenada pelo grupo, mas a presença permanente no projeto estabelece um paradoxo constante entre dentro e fora, ou seja, não existe uma exterioridade urbana em oposição ao interior, a cidade não acaba dentro do teatro e o teatro não termina para fora de suas paredes.

O primeiro passo quando se passa pela porta é uma travessia da rua a rua, do palco da cidade para o palco do teatro. E no final desta rua, para onde ir? O Teatro Oficina é uma rua a procura de saída. Lina procurou e encontrou um caminho para essa rua passar. Um arquiteto qualquer veria ruas, quarteirões, esquinas, muros e um terreno vazio. Um arquiteto atento pode notar, assim como qualquer um pode ver, mas nunca nota, algo mais além desses muros. Encontrou o Vale do Anhangabaú. A Rua Japurá, uma rua também sem saída, é o próprio Vale do Ribeirão da Bexiga, afluente do canal do Anhangabaú e por isso do nome para o atual projeto de ocupação elaborado pela companhia a partir do projeto de Lina, o Anhangabaú da FeliZcidade. Ele ainda é um projeto sem forma, sobretudo um projeto de ocupação do vazio, que é o primeiro passo deste tipo de projeto que estamos falando. A questão é: como garantir que exista cidade neste terreno para garantirmos a continuidade do projeto de Lina Bo Bardi?

sobre o autor

Frederico Vergueiro é arquiteto pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

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