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my city ISSN 1982-9922

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português
Ana Lucia Duarte Lanna, presidente do Condephaat, responde às manifestações públicas de José Celso Martinez Correa, o Zé Celso, acerca do tombamento de área envoltória ao Teatro Oficina.

how to quote

LANNA, Ana. Patrimônio cultural, direitos e vontades. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 158.03, Vitruvius, set. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.158/4868>.


Teatro Oficina, São Paulo. Arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito
Foto Nelson Kon


O Conselho do Condephaat, reunido em 20 de maio de 2013, deliberou sobre todos os processos em tramitação que se referiam ao Teatro de Oficina e a sua área envoltória. Cabe ao Condephaat pronunciar-se sobre questões afetas ao patrimônio cultural, regulamentadas em legislação específica. De acordo com a legislação vigente até 2003, todo tombamento configura uma área envoltória de 300 metros. As intervenções em área envoltória são objeto de análise pelo Condephaat. As deliberações sobre as intervenções propostas são definidas a partir dos critérios que definem o tombamento e estabelecidas caso a caso. A área envoltória nunca é bem tombado.

As decisões geraram uma série de questionamentos por membros da Companhia de Teatro Uzyna Uzona, que ocupa o Teatro Oficina.

A Companhia de Teatro Uzyna Uzona reivindica a posse e ocupação do terreno vizinho ao Teatro Oficina, bem tombado pelo Condephaat, Iphan e Conpresp. Como explicitado na Audiência Pública realizada em 05 de setembro de 2013, a Companhia quer a desapropriação do terreno para a implantação, segundo a terminologia do grupo, do seu “projeto antropofágico” Anhangabaú FeliZcidade. A desapropriação do terreno e sua transformação em patrimônio público não deve, na perspectiva defendida pela companhia teatral, significar a implantação de mais um espaço cultural sujeito a agenda e programações. A proposta defendida pela Companhia Uzyna Uzona é que seja ela a mediadora e a gestora do espaço, recebendo e dialogando esteticamente com aqueles que queiram se apresentar no seu espaço. Propõem a desapropriação como ampliação de área pública cedida ao Teatro Oficina que definiria usos, apropriações, edificações, compartilhamentos.

Na luta por seus interesses particulares, integrantes e simpatizantes do grupo têm me atacado, ameaçado, intimidado através de textos e falas. O Conselho do Condephaat tem sido igualmente objeto de calúnias.

Considerando este cenário avaliei ser imprescindível esclarecer quais são os princípios que fundamentam as decisões do Condephaat, instituição pública, gestora de política de patrimônio cultural no Estado de São Paulo e que se caracteriza por inquestionável probidade e competência reiterada ao longo dos seus 45 anos de existência. O Conselho do Condephaat é composto por representantes de diversos setores da sociedade civil e do Estado, todos com notório saber em suas áreas de atuação.

As decisões do Condephaat são fundamentadas por pareceres técnicos e de conselheiros relatores. Os processos são analisados pela área técnica que emite parecer e, em seguida, analisado por conselheiro relator, necessariamente membro do conselho do Condephaat. O Conselheiro Relator emite, após análise do processo, parecer/voto. É este documento que é discutido e votado.

Parece-me fundamental esclarecer que as deliberações do Condephaat ocorrem a partir de votação colegiada e só tem validade se obtiverem maioria dos conselheiros presentes à seção. Contestações às decisões do Condephaat podem ser encaminhadas pelos interessados e são analisadas pelo Conselho. Todas as sessões do Condephaat são públicas, e os itens de discussão divulgados previamente no website da Secretaria da Cultura.

Trata-se de esclarecer que:

  • o Teatro Oficina é tombado pelo Condephaat como bem cultural de interesse histórico;
  • a área envoltória não é bem tombado;
  • o tombamento como instrumento legal não se refere a usos mas a materialidades;
  • tombamento e desapropriação são instrumentos distintos;
  • o reconhecimento de práticas sociais não pode ser expressão de privilégios.

O Condephaat e o Teatro Oficina

O Teatro Oficina e sua área envoltória têm seus processos analisados a partir dos princípios que regulam e legitimam a ação do Condephaat. Neste caso, como em todos os milhares de processos que tramitam pelo órgão, trata-se de cumprir os preceitos que regulam o funcionamento da coisa pública no estado de direito. É esta ação que impede a construção de privilégios que se distanciam das práticas democráticas.

Acreditamos aqui compartilhar de preocupação expressa pela arquiteta Lina Bo Bardi em sua manifestação em reunião do Condephaat de 08 de fevereiro de 1983, registrada em ata nº 542, Processo Condephaat 22368/82. Lina Bo Bardi chamou a atenção para "a complicação do ponto de vista jurídico/social, [criando] um precedente e qualquer organização que tenha a importância do Teatro Oficina, representante de um marco da historia cultural de São Paulo, poderia pretender o mesmo procedimento"... A arquiteta, assim, foi categórica ao afirmar que o "teatro Oficina devia se pautar por procedimentos legais, claros e decentes, sem criar privilégios".

O Condephaat compartilha desta preocupação, expressa com tamanha clareza pela arquiteta e pauta suas ações no sentido de evitar estas distorções no que diz respeito à sua área de atuação.

O tombamento do Teatro Oficina (processo 22368/82), realizado em 1982, refere-se “ao imóvel ocupado pela Companhia de Teatro Oficina como bem cultural de interesse histórico”. O parecer do conselheiro relator Prof Dr. Ulpiano Bezerra Toledo de Menezes definia que "a decisão de tombamento, evidentemente, tem que se basear nos méritos da coisa a ser tombada e não no uso que dela se possa fazer. Evidentemente, num caso como este, a continuidade de uso é mais do que desejável.É bom lembrar, ainda, que o tombamento não altera as relações de propriedade. Em suma: não se tombam usos". Continuava Ulpiano Menezes afirmando que "o tombamento é medida que incide sempre e exclusivamente em bens materiais, físicos. A noção de patrimônio cultural é bem mais abrangente (...) Somente podem ser tombados, porém os bens móveis e imóveis, de caráter material." O caráter histórico, afirma o relator, "deriva da possibilidade que certos objetos, ações ou agentes apresentam, de informar sobre os processos de constituição e transformação das sociedades. (...) a cultura material deve ser vista como histórica na medida em que se apresenta, para nós, como produto e vetor da ação social, isto é, como sistema de objetos capazes de nos remeter às condições da sociedade que os produziu ou ao seu papel na vida social. (...) O edifício do Teatro Oficina precisamente contem valiosa carga de informação apta a nos recuperar aspectos essenciais da trajetória recente do teatro brasileiro e paulista e do peso que ele teve em nossa vida cultural, isto é, das representações que uma parcela da sociedade fez dela toda". O parecer do tombamento reiterava a compreensão do então assessor do Condephaat, Flavio Império, que afirmava "o teatro Oficina passou por vários tipos de organização interna da relação palco platéia: atuante-espectador. Este fator constituiu-se em parte integrante de suas pesquisas: o ‘espaço’ da cena. Um dos elementos básicos de sua pesquisa de linguagem eminentemente teatral. Seu ‘tombamento’ não deveria, portanto, considerar o seu equipamento interno como ‘fixo’ congelado, o seu equipamento interno para não estrangular as novas ou futuras propostas de pesquisa do grupo".

O Secretário da Cultura João Carlos Gandra da Silva Martins acatou a decisão do Condephaat e assinou a resolução de tombamento nº 67, em 10 de dezembro de 1982, cujo artigo 1º estabelece "fica tombado como bem cultural de interesse histórico o imóvel sito a rua Jaceguai nº 520, antigo 70 e anteriormente nº 64 ocupado pelo teatro Oficina, elemento de suma importância para a documentação do surto de pesquisas de linguagem teatral que influencia ate hoje o teatro moderno no Brasil”.

O tombamento do Teatro Oficina pelo Condephaat não se refere ao valor arquitetônico do edifício. O edifício que hoje abriga as atividades da companhia teatral não existia em 1982.

A desapropriação do Teatro Oficina, ato diverso do tombamento, ocorreu em 1984 e em nada alterou a resolução de tombamento do Condephaat. Alterou apenas o proprietário do imóvel, que agora é o Estado de São Paulo.

Desde então o Condephaat tem analisado os processos referentes a intervenções no bem tombado e sua área envoltória obedecendo aos preceitos deste tombamento. Não há nenhum processo ou solicitação junto ao Condephaat para eventual alteração da resolução de tombamento.

É neste mesmo sentido que ocorreram as últimas deliberações de maio de 2013. A discussão ocorreu a partir da leitura e apreciação dos pareceres do Conselheiro Relator Egídio Carlos da Silva, datados de 29 de julho de 2011 e que integram os processos. As decisões do Conselho seguiram o voto do Conselheiro Relator deliberando que:

1. não cabe ao Condephaat pronunciar-se sobre possibilidade de desapropriação do terreno vizinho ao Teatro Oficina (processo 57791/2008). Tratar-se-ia de atribuição de outras instâncias de governo e não do órgão de preservação do patrimônio.

2. o projeto substitutivo apresentado pela SISAN em 2008 (processo 53330/2006), referente a construção de torres no terreno situado a Rua Jaceguai nº 530 pode ser aprovado, do ponto de vista das restrições estabelecidas pelo tombamento, condicionado à apresentação prévia do projeto de servidão.

3. a empreendedora deve transferir, em caráter permanente e irrevogável, uma faixa de 1,80 cm de largura em todo o comprimento do lote de forma a instituir uma servidão de passagem para a construção de adequada rota de fuga e proteção a incêndio, para uso do teatro.

O projeto apresentado pelo proprietário do terreno já foi aprovado pelo Conpresp em 2009.

Da mesma forma, todas as solicitações anteriores encaminhadas a este Conselho desde pelo menos 1997, referentes ao bem tombado e a sua área envoltória foram examinadas pelo Conselho e aprovadas: aquelas ocorridas no próprio Teatro, por conta de seu tombamento inscrito como bem histórico; e as de área envoltória por se compreender que não interferem nas razões do tombamento. Ao longo destes anos, o Condephaat reitera sua compreensão, expressa no parecer do Flavio Império, que o "tombamento" não deveria considerar "fixo" o equipamento interno [do teatro].

Por fim, cabe lembrar que o Estado de São Paulo desapropriou o bem tombado de forma a viabilizar as atividades do Teatro Oficina. Desde então responsabilizou-se pelo bem tombado ainda que o seu usuário nem sempre tenha atendido às exigências legais, sejam aquelas referentes a “Permissão de Uso a Título Precário”, seja no cumprimento das exigências de segurança do público que frequenta o imóvel (saída de incêndio).

Neste exato momento tramita na Secretaria da Cultura um processo atendendo à solicitação do grupo Usyna Uzona para contratação de projetos para a realização de obras no bem tombado. O Estado destinou mais de meio milhão de reais para a realização deste projeto.

Como estabelece a legislação, este projeto, quando elaborado, deverá ser analisado e obter a aprovação do Condephaat para a realização das obras, bem como dos demais órgãos de patrimônio junto aos quais o bem é tombado.

As leis que regulam e parametrizam nossas decisões resultam de processos e práticas sociais. Dinâmicas, as leis expressam os pactos possíveis que a sociedade institui. As instituições devem respeitar as leis e quando necessário, trabalhar para transformá-las. Mas confrontá-las, ignorá-las, desrespeitá-las significa inescapavelmente a desqualificação da democracia e sempre coloca em risco o estado de direito.

Quando a sociedade (múltipla, diversa, conflitante) reconhece a memória como um direito e confere ao patrimônio cultural seu efetivo papel de política pública evidencia-se o alcance e as fronteiras de seus instrumentos e ações. Impõe-se então, de forma contundente, a necessidade de articulação das políticas públicas. É este movimento que reconhece os limites, identifica fronteiras, constrói parcerias e amplia significados que fazem do patrimônio cultural uma efetiva política pública. É este o sentido de nossa prática.

notas

NA
O presente texto foi aprovado pelo Conselho do Condephaat em reunião de 09/09/2013.

NE
O portal Vitruvius publicou anteriormente o seguinte artigo sobre o tema: MARTINEZ CORREA, José Celso. Ana Lanna Feliciana. Teatro Oficina em risco. Minha Cidade, São Paulo, n. 14.158.01, Vitruvius, set. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.158/4858>.

sobre a autora

Ana Lucia Duarte Lanna é presidente do Condephaat.

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