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português
Guilherme Giufrida analisa a polêmica sobre a posição contrária do Ministério Público ao uso das faixas de ônibus por táxis. Atrás dessa discussão aparentemente pontual, há todo o debate sobre mobilidade urbana na cidade de São Paulo.
GIUFRIDA, Guilherme. A controvérsia sobre o uso dos corredores de ônibus. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 161.05, Vitruvius, dez. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.161/5000>.
No dia 17 de dezembro, o Ministério Público ordenou que a Prefeitura de São Paulo suspenda no prazo máximo de 45 dias a circulação de táxis nos corredores de ônibus da cidade.
Os corredores de ônibus foram implementados a partir de 2004 na gestão da prefeita Marta Suplicy em importantes vias radiais de São Paulo. Então se permitiu que os táxis também os utilizassem numa espécie de medida conciliatória que pudesse legitimar o projeto para os não usuários do transporte público e que os estimulasse a deixar o carro na garagem.
No editorial do dia 19 de dezembro de 2013, o jornal Folha de São Paulo critica a medida do MP, considerando o táxi a última “válvula de escape” para quando for necessária a rápida locomoção pela cidade diante de “urgências de toda sorte” (1). Segundo o jornal, ainda, os usuários de táxis nos corredores representam apenas 1% em relação aos usuários de ônibus. A coluna de Hélio Schwartsman (também publicada na Folha) apresenta uma posição contrária ao Editorial, escreve que deveriam sim ser suspensos os táxis nos corredores, mas defende que sejam vendidas licenças a mil reais por mês para que aquele que possa pagar, deseje e sinta necessidade possa circular com maior velocidade pela cidade, uma espécie de prévia ao necessário pedágio urbano que faria a prefeitura arrecadar quantia equivalente a metade do aumento de IPTU do próximo ano (2).
Os dois comentários pretendem resolver a questão de mobilidade afastando ainda mais o usuário comum das vias públicas. Se 1 passageiro no táxi representa em torno de 121 passageiros de ônibus (3), os usuários de táxi representam 1% dos usuários do corredor apenas no sentido numérico, mas no sentido espacial, por exemplo no corredor da Avenida Rebouças, a média é de 3,78 táxis para cada ônibus no corredor nos horários de maior trânsito, segundo estudo do MPF.
O editorial fala ainda que o táxi tornou-se o último recurso de moradores. Há de fato pessoas que deixaram de usar seus carros na rotina, substituindo-o pelo táxi, opção mais cara, mas muito mais rápida, principalmente pela vantagem dada pelo acesso aos corredores.Já foi feito o cálculo pela própria Folha de que para o morador de São Paulo que anda curtas distâncias diárias, cerca de 15Km no caso de um carro popular, o táxi torna-se mais barato do que o carro, devido principalmente aos custos de combustível, depreciação, manutenção e seguro.
Acontece que no Brasil do “espetáculo do crescimento” (4), o carro tornou-se um bem de consumo de novas classes sociais emergentes, principalmente devido a aumento da renda média, elevação do crédito, redução dos juros e incentivos fiscais a aquisição de veículos. Esses novos possuidores de carro, mesmo com o trânsito de uma cidade como São Paulo, reduziram o tempo de casa ao trabalho em cerca de 1/3 de quando usavam o transporte público (5). Apesar do enorme prejuízo para a coletividade, esses novos donos de veículos que passaram décadas impossibilitados de consumir este objeto de desejo e aspiração da sociedade de massas, agora se beneficiam do breve conforto do transporte individual.
Já quem já utiliza o carro há duas ou mais gerações multiplicou por dois o tempo exigido para ir e voltar do trabalho, justamente pela “invasão” desses veículos comprados pela nova classe média. Assim, retirar a vantagem do táxi prejudica principalmente quem podia utilizar este último recurso de se defender contra o trânsito da cidade, aqueles que andam distâncias de no máximo 15Km por dia, que vivem no centro expandido da cidade.
Reconheço a importância dos táxis para cumprir as falhas históricas e inadmissíveis do transporte coletivo da cidade, por exemplo no transporte noturno e no acesso a vias distantes de pontos de ônibus e metrô. Mas nas vias que já há corredor de ônibus este argumento não procede pois já há maneira de se locomover pela oferta de coletivos que circulam e que são muito afetados pelo atual beneficio dado ao táxi nessas vias.
O prefeito Haddad assumiu a árdua tarefa de convencer, articular e impor a cidade a urgência do transporte coletivo. Não há espaço para vagas nas vias, táxis com prioridades, não há espaço para praticar uma rotina com transporte individual em São Paulo. Para um problema radical e dessa envergadura cabe uma transformação democrática e aguda. É difícil acertar por onde começar sem analisar com tautologia, no caso da atual gestão foi pela ampliação dos corredores, há ainda a melhoria das condições dos ônibus, clareza nas informações, reestruturação e ampliação das linhas. Há também o metrô, sempre relembrado com a real solução mas com prazos de construção de uma década. A solução urgente que se apresenta é a valorização dos ônibus da cidade, aumentando a frota, melhorando as condições e o conforto para os passageiros, e liberando caminho para circularem por corredores e faixas exclusivas. Assim os usuários de carros e táxis fora dos corredores de ônibus poderão observar imobilizados as vantagens de flanar pela cidade nos ônibus.
notas
1
EDITORIAL. Táxi não é o vilão. Folha de S.Paulo, São Paulo, 19 dez. 2013, p. A2.
2
SCHWARTSMAN, Hélio. O lugar do táxi. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 dez. 2013, p. A2.
3
No caso da Rebouças, durante uma hora no pico, 250 passageiros de táxi impactam 30.328 usuários de ônibus, segundo o estudo do MPF. Fonte: Portal G1
4
Expressão do ex-presidente Lula, nome também da exposição sobre o crescimento recente das cidades brasileiras na última Bienal de Arquitetura de São Paulo.
5
Números baseados em entrevistas que fiz no último ano com moradores de São Paulo de várias classes sociais. Dados ainda não publicados.
sobre o autor
Guilherme Giufrida é economista e antropólogo. Foi assistente de curadoria da X Bienal de Arquitetura de São Paulo, ocorrida em 2013.