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A presença das UPPs em áreas conflagradas do Rio de Janeiro é importante vetor para a repressão ao crime organizado na cidade, mas o agravamento dos conflitos nessas localidades impõe outras medidas necessárias.
JANOT, Luiz Fernando. Sangue, suor e cerveja. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 175.06, Vitruvius, fev. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.175/5438>.
Mesmo vivendo em clima carnavalesco não há como deixar de lado a perplexidade diante dos crimes bárbaros praticados pelo mundo afora neste início de ano. São atos que demonstram um absoluto descaso pela vida humana. Infelizmente, a violência sempre esteve presente no cotidiano de nossas sociedades, independentemente do seu grau de desenvolvimento e de civilização. Basta lembrar que as nações europeias praticaram, por anos a fio, toda sorte de violência nos seus territórios colonizados.
Na medida em que essas colônias se tornavam independentes, a migração para os países europeus se acentuava em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Mas a receptividade não foi tão alvissareira quanto era esperada. Vivendo em condições precárias nos subúrbios e periferias das grandes cidades, muitos imigrantes e seus descendentes se tornaram vítimas e algozes da violência urbana que predomina nessas localidades.
No Brasil, os antecedentes não foram muito diferentes. Até o início do período republicano praticava-se uma violência escancarada contra as classes menos favorecidas, especialmente os escravos e os trabalhadores do campo. Até hoje se percebe o ranço dessa velha cultura escravagista em alguns meios sociais. Na verdade, a sociedade brasileira pouco se interessou em saber como viviam as populações mais pobres e de que jeito elas construíam as suas moradias.
Diante dessa total indiferença e da complacência do poder público, inúmeros terrenos devolutos, localizados em morros e margens de rios, foram sendo ocupados informalmente por esses segmentos da população. A imagem romantizada da pobreza ou da miséria nas favelas cariocas prevaleceu, durante muitos anos, como um valor indissociável da nossa cultura e do nosso modelo de organização social.
Com o passar do tempo, esses territórios foram sendo ocupados pelas facções do tráfico, que neles instalaram os seus pontos de venda e distribuição de drogas. Através do poder das armas, os chamados “donos do morro” estabeleceram o arbítrio e a prepotência no trato com aqueles que atravessavam seu caminho. O risco de matar e morrer passou a fazer parte do cotidiano desses jovens que fazem do comércio de drogas e do assalto à mão armada a sua única razão de viver.
A presença das Unidades de Polícia Pacificadora nessas áreas conflagradas representa, nos dias de hoje, um importante vetor para a repressão ao crime organizado na cidade do Rio de Janeiro. Mas diante do agravamento dos conflitos nessas localidades não há dúvida de que outras medidas deverão ser tomadas para assegurar a continuidade e o aperfeiçoamento desse projeto de policiamento.
A criação de um plano integrado de segurança pública que envolva os poderes executivo, legislativo e judiciário, no âmbito federal, estadual e municipal, se tornou indispensável e inadiável. A sociedade civil tem o dever e a obrigação de participar ativamente desse processo para reverter, em curto, médio e longo prazo, a violência urbana que vem deteriorando assustadoramente a qualidade de vida na cidade. A sensação de insegurança vivida atualmente pela população carioca supera qualquer argumento contrário baseado em dados estatísticos.
O aprimoramento das policias civil e militar e, sobretudo, a melhoria das condições de vida nessas comunidades deverão ser prioridades absolutas na elaboração dos orçamentos públicos. A urbanização das favelas e a melhoria das condições habitacionais é parte indissociável desse processo. Parcerias com a sociedade civil, especialmente em programas de formação cultural, profissional e empresarial, deverão ser adotadas como alternativa imediata para tentar afastar esses jovens da criminalidade.
Enquanto isto não acontece, só nos resta torcer para que o espírito de confraternização que pairou sobre o Rio na época da Copa do Mundo prevaleça durante as comemorações do Carnaval que ora se inicia. É tudo o que a nossa gente merece.
nota
NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Sangue, suor e cerveja. O Globo, Rio de Janeiro, 14 fev. 2014.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.