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português
A impermeabilização da alvenaria dos Arcos do Bixiga, desconsiderou a autenticidade do monumento conferida pela alvenaria de tijolos aparentes. Os grafites multicoloridos transformaram o monumento em mero cabide de manifestações pinturescas delirantes.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Os arcos do Jânio. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 175.08, Vitruvius, fev. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.175/5440>.
A qualidade artística dos chamados grafiteiros paulistanos varia da execrável a ótima e, dentro dessa sequência, a Prefeitura deveria selecionar unicamente aqueles bem qualificados. Realmente, dentre eles existem alguns dignos de participar com louvor dessa arte pública hoje na moda. A municipalidade poderia, com muito proveito na ambientação urbana, dar a eles certos muros de fecho e, sobretudo, empenas cegas de edifícios altos participantes da inteligibilidade da cidade. No entanto,jamais deveria permitir como suporte dessa arte bens tombados pelo Conpresp, como foi o caso desse muro dito “do Jânio”.
Essa estrutura é única em São Paulo, tanto pelo seu porte como pela sua função – ela não é unicamente um arrimo ao longo de um talude, foi também calculada como ponte, digamos “meia ponte” dividida ao longo de seu comprimento; também suportava as cargas verticais oriundas das construções em diferentes níveis demolidas por aquele citado prefeito. O professor e engenheiro Augusto Carlos de Vasconcelos chegou mesmo a estudar e selecionar essa construção em sua obra sobre viadutos de nossa cidade, dando a ela a devida importância.
Dizem os jornais que a “decoração” do referido muro foi permitida pelo Conpresp. Isso sendo verdade nos impele a protestar contra o procedimento daquele órgão, justamente o qualificador de monumento tombado àquela construção exemplar. A sua posição complacente não chegou nem a indagar sobre o que seria pintado entre os arcos. Agora, o desastre está lá provocando a repulsa de muitos, até dos indiferentes à nossa memória.
Houve ofensa e desrespeito concomitantes: a alvenaria foi impermeabilizada pelas tintas e desconsiderada a autenticidade do monumento. Autenticidade esta caracterizada pela alvenaria de tijolos aparentes, dispondo nichos sucessivos separados por arcos de pleno cinto e, assim, revelando aparência singular, onde a cor única da argila cozida domina necessariamente a superfície ritmada do bem tombado. Agora, o Conpresp aprova sobre a obra “protegida” uma cobertura pictórica multicolorida assumindo uma postura desconcertante. O monumento transformou-se em mero cabide de manifestações pinturescas delirantes. Pelo visto, perante a diversidade de manifestações, os artistas não se aconselharam entre si e nem receberam orientações. Aquela imensa cabeçorra ali exposta de pretenso negro, pintado por um jovem travestido de antropólogo, simboliza bem a insanidade reinante entre nós.
nota
NE – publicação original do artigo. LEMOS, Carlos A. C. Manifestações pitorescas delirantes. Folha de S. Paulo, 16 fev. 2015, p. A3. Na publicação original no grande jornal paulista ocorreram diversas modificações a revelia do autor que prejudicam o entendimento, em especial o adjetivo “pinturesco”, não só convertido em “pitoresco”, como também transformado em título inadequado. No original inexiste a referência a Hugo Chaves presente na publicação da Folha.
sobre o autor
Carlos Alberto Cerqueira Lemos é arquiteto e professor da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP.