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português
Nesse texto procura-se evidenciar o cenário atual da região do bairro do Brás, apresentando uma pequena referência histórica, para entendimento da questão.
BARIONI, Bárbara. O Brás, a ferrovia e o pedestre. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 190.05, Vitruvius, maio 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.190/6032>.
O Brás é um bairro localizado na zona leste da cidade de São Paulo, que no final do século 19 começa a receber obras relacionadas à linha férrea e a partir disso, sobretudo na primeira metade do século 20, se desenvolve ao seu redor. Seu desenvolvimento, relacionado à ferrovia atraiu para a região indústrias que utilizavam a via férrea para evacuar sua produção. Pode ser considerado um típico exemplo de desenvolvimento urbano orientado pelo transporte e pela infraestrutura dessa natureza (1).
Quando, em 1867, foi inaugurada a estação ferroviária no bairro, começaram os acidentes e atropelamentos na via férrea. A solução foi instalar uma imensa porteira, conhecida no passado pela imprensa e pela população como “Porteiras da Ingleza” em referência a ferrovia São Paulo Railway. Era controlada manualmente e a cada cinco minutos veículos e pedestres tinham que esperar a passagem do trem, a espera podia chegar à quase meia hora, em virtude das manobras do trens. Os pedestres e veículos se amontoavam, o que demonstra que desde seu surgimento a ferrovia representava um obstáculo. A porteira do Brás, que antes era sinônimo de segurança e do desenvolvimento trazido pelos trens, passa a ser vista como um dos entraves à necessidade de o paulistano se deslocar pelo Brás.
Com a passagem de uma economia industrial para uma economia voltada aos serviços, seu tecido, ocupado por armazéns, galpões e indústrias, perde suas funções e encontra-se descaracterizado e a linha férrea que foi responsável pela indução do crescimento da região, hoje se configura como uma barreira e um obstáculo ao pedestre, sendo responsável pela fragmentação do bairro. Em outras palavras a facilidade de transportes foi determinante ao desenvolvimento do bairro, mas a saída das indústrias deixou rastros de abandono.
Em 1949, foi inaugurado o viaduto do Gasômetro, que prestigiava apenas veículos, desprezando os pedestres. O novo viaduto, existente até hoje, desafogou um pouco o trânsito mas não acabou com os problemas da travessia das porteiras na avenida Rangel Pestana que só foi resolvido no ano de 1968 quando da inauguração do viaduto Alberto Marino.
A travessia da ferrovia deixa de ser um problema no que diz respeito ao trafego de veículos, no entanto, em relação ao pedestre o principal elemento articulador entre as porções do bairro divididas pela linha férrea seria a própria estação Integrada do Brás que é uma estação ferroviária de integração entre os trens da CPTM e do Metrô. O conjunto conta ainda com passarelas para pedestres, construídas em estrutura metálica que passam horizontalmente sobre os trilhos, sendo uma entre as estações Mooca e Brás e duas entre a Estação Brás e a Estação Luz.
É possível verificar no mapa as três passagens destinadas ao pedestre, sinalizadas com a cor azul, sendo a passarela que corresponde ao número 1 do mapa, saindo da Rua Rodrigues dos Santos e chegando pela lateral de um galpão na Rua Coronel Francisco Amaro.
A passarela número 2 também se encontra na lateral de uma edificação que margeia a linha férrea, ligando a Rua Coronel Francisco Amaro à Praça Agente Cícero, localizada em frente à Estação Brás da CPTM, antiga Estação Roosevelt, entre os viadutos Gasômetro e Alberto Marino.
E por último, a passagem de número 3 é parte da Rua Visconde de Parnaíba, que faz a ligação entre os dois pontos da mesma rua, e que fora interrompida pela ferrovia.
Os números 4 e 5 no mapa correspondem aos viadutos Gasômetro e Alberto Marino respectivamente. Em outras palavras em uma extensão de aproximadamente 2,5km existem apenas 3 passagens destinadas ao pedestre e duas para trafego de veículos.
Essas passarelas feitas de ferro, encontram-se enferrujadas e degradadas pelo tempo, e sua localização sempre escondida por uma edificação. Aqui então temos dois problemas ao pedestre, sendo o primeiro deles a localização das passarelas, escondidas pelas edificações que dificultam sua visualização, tornando – as inseguras, pois não existem os “olhos para a rua” que asseguram que os espaços públicos estejam sempre monitorados (2). O outro problema é o que Jan Gehl chama de desvio irritante e interrupção sem sentido, que aborrecem o pedestre e tornam mais difíceis as caminhadas (3). Para que uma caminhada seja confortável é necessário que o espaço da caminhada não possua muitas interrupções nem tampouco obstáculos.
Ou seja, com a finalidade de prevenir acidentes com pedestres, a solução foi segregar o trafego, conduzir o pedestre através de passarelas e subir altos muros ao longo da via, para não dar alternativa ao pedestre. Isso significou sujeitar o pedestre a escadas em ambos os lados da travessia, o que não resolve o problema de carrinhos de bebes, cadeirantes ou bicicletas (4).
A linha férrea também compromete a qualidade do espaço público pois, ora cria zonas de fronteira, caracterizadas por ruas sem saída, ora apresenta a passagem de uma porção do bairro à outra como um obstáculo, caracterizado pelas passarelas.
Considerações finais
O bairro do Brás tem sua formação e desenvolvimento intrinsecamente ligados à ferrovia, no entanto a falta de um planejamento urbano abrangente tornou inevitável que a linha férrea viesse futuramente a se constituir em uma barreira urbana em relação a ligação entre os bairros formados marginais a esta, cuja única possibilidade de ligação eram as porteiras existentes na época.
Com a implantação de viadutos sobre a linha férrea os danos dessa fronteira são minimizados no que diz respeito ao trafego de veículos, evidenciando a tendência rodoviarista da gestão pública responsável pela implantação. A falta de planejamento é então responsável pela ausência de coesão no tecido urbano da cidade de São Paulo.
É possível supor também, nos dias atuais, que a dificuldade de transposição da via férrea e escassas passagens existentes, são responsáveis por uma patente desarticulação de ambos os lados da ferrovia configurando um obstáculo para o desenvolvimento da região e do bairro em questão. Tais infraestruturas fragmentam o território, por desconectar o bairro, que possui poucos pontos para a travessia, principalmente de pedestres. Portanto, apesar do crescimento do bairro ter se dado ao longo e em função da ferrovia, essa foi responsáveis pelo isolamento e degradação de algumas porções da região, visto a dificuldade de transposição que a barreira representa aos pedestres e aos demais sistemas de transporte.
notas
1
Sobre a história do Brás, ver: TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. História dos bairros de São Paulo: o bairro do Brás. São Paulo, Oficinas da Gráfica Municipal, 1969; RODRIGUES, Maria Elizabet Paez. Radial Leste, Brás e Mooca: diretrizes para requalificação urbana. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2006.
2
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011.
3
GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013.
4
Idem, ibidem.
sobre a autora
Bárbara Barioni é arquiteta e mestranda no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.