Considerando o termo caminhabilidade, segundo Priscila Pacheco (1), traduzido do inglês walkability, um conceito de mobilidade, e segundo Roberto Ghidini (2), tendo a caminhada como o meio de deslocamento urbano mais sustentável, é preciso analisar as condicionantes que possibilitam e tornam convidativa a locomoção dos pedestres, considerando a possibilidade de acesso rápido e seguro para diferentes destinos tanto por pessoas sem restrições físicas quanto para idosos e portadores de deficiências.
Contextualização, delimitação e características da área de estudo
Segundo Rubia Graciela de Paula, localizada na região sudoeste da cidade de Londrina, a Gleba Palhano consistia em uma área rural que, com a expansão da mesma incialmente pela inauguração do Shopping Catuaí e posteriormente com a construção de condomínios fechados, sofreu especulação imobiliária na década de 1990, se tornando a região com a maior concentração de edifícios verticais, com usos predominantemente residenciais e avenidas ocupadas por comércios e serviços na maioria de suas extensões, além da predominância de padrões construtivos altos (3).
A região a ser analisada neste artigo contempla a área delimitada pelas Avenidas Madre Leônia Milito e Ayrton Senna da Silva e, as Ruas João Wyclif e Bento Munhoz da Rocha Neto margeando o Lago Igapó, ocupadas, predominantemente, por comércios e serviços. Entre este limite, se encontram vias secundárias, de predominância residencial, sendo estas as Ruas João Huss, Ernâni Lacerda de Atayde, Caracas e Antonio Pisicchio.
Como características marcantes nesta porção, podemos destacar: a topografia acentuada no sentido Norte-Sul dificultando o percurso dos pedestres; a superdimensão das quadras oferecendo o mínimo de permeabilidade possível, resultando em um aumento nos trajetos para chegar ao destino desejado; o predomínio de edifícios verticais com médias de 20 andares dividindo a paisagem com construções horizontais e terrenos vazios, e; iluminação distribuída por todo o comprimento das ruas e avenidas.
No caso das avenidas e ruas limítrofes, onde o fluxo é concentrado, principalmente, nos horários de pico devido aos comércios e serviços oferecidos que atraem pessoas para o bairro, a travessia de pedestres fica praticamente impossibilitada pelo acúmulo de veículos e, por este motivo, na Avenida Ayrton Senna da Silva, foram implantadas faixas de travessia para pedestres, onde é obrigatória a parada imediata dos veículos quando houver alguém em espera e na Rua João Wyclif, semáforos em todas as esquinas do cruzamento com a Rua Ernâni Lacerda de Atayde, contemplando faixas de pedestres. Em contrapartida, durante a noite, a circulação no local é feita, praticamente por carros, gerando uma certa ociosidade, mesmo com iluminação.
Já nas vias secundárias, onde a ocupação é predominantemente residencial, não foram implantadas faixas de travessia ou semáforos por serem vias locais e não contemplarem estes elementos, mas com o grande fluxo de veículos, congestionando as vias que dão acesso as demais áreas, os motoristas optam pela circulação nestas para fugir do caos e trânsito intenso nos horários de pico, dificultando a travessia dos pedestres.
Método aplicado
O método a ser aplicado para mensurar a caminhabilidade nas travessias da área prevista será a observação in loco e avaliação baseada em um estudo desenvolvido por pesquisadores da PUC-PR, coordenado por Evandro Cardoso dos Santos, utilizada nas cidades de Curitiba, Londrina, Maringá e Foz do Iguaçu, sendo que a mesma foi embasada no método desenvolvido por Chris Bradshaw (4). Esta consiste na elaboração de quesitos a serem observados e que recebem uma nota, sendo que a média final determina a qualidade da caminhabilidade na área.
Comparando os métodos apresentados já existentes com o que será proposto, podemos destacar como diferenças a intenção de uma maior objetividade nos quesitos a serem levantados, além da aplicação do método voltado para a questão da travessia, e não somente da circulação dos pedestres nos passeios públicos, como acontece nos citados acima.
Dentre os itens gerais propostos a serem analisados estão:
- condições dos passeios públicos, analisando as condições do piso e sua largura, a fim de determinar se é favorável a caminhabilidade no local;
- largura das faixas de travessia, determinando se atende ao fluxo do local;
- segregação entre os passeios públicos e as faixas de rolamento, visando concluir se são bem delimitados os espaços para pedestres e veículos;
- quantidade de faixas de travessia, com a finalidade de identificar a suficiência para a demanda de circulação na área;
- local em que as faixas de travessia estão inseridas, considerando a distância entre elas, se estão próximas às esquinas ou meio das quadras, e até mesmo a proximidade das rotatórias;
- existência de rampas ou nivelamento de piso entre os passeios públicos e as faixas de travessia, conferindo caminhabilidade tanto para pessoas sem restrições quanto para idosos e portadores de deficiências;
- respeito dos condutores dos veículos em relação às faixas de travessia ou locais comuns para travessia, analisando se os motoristas param quando há pedestres esperando para atravessar;
- condições dos canteiros, com a finalidade de analisar se possui pavimentação no espaço em que o pedestre transita para atravessar de um lado para o outro;
- sinalização e semáforos, para informação tanto dos pedestres quanto dos motoristas e a fim de permitir a travessia em cruzamentos de alto fluxo de veículos;
- segurança, determinando se há policiamento na área e visita de agente das CMTU supervisionando os condutores de veículos e protegendo a população que circula no local.
A cada um, será determinado, especificamente para este artigo, um parâmetro qualitativo transformado em quantitativo, ou seja, serão dadas notas de 1 a 10, de acordo com as observações realizadas in loco, e ao final de cada via analisada será feita uma média, gerando, consequentemente, uma única para a área total determinada.
Levantamento e resultados
Em relação ao item 1 e 10, foram identificadas semelhanças tanto entre as avenidas e ruas limítrofes, quanto nas vias secundárias, podendo-se concluir que as condições dos passeios públicos dos lotes que se encontram ocupados, sendo maioria, é de ótima qualidade, com dimensões próximas a 3 metros de passeio livre, mas em contrapartida, dos que se encontram vazios, quando há, a pavimentação é precária e as dimensões reduzem para uma média de 1.30 metros de área livre para o pedestre transitar, justificando a nota 6 em todos os casos, assim como não foi detectado nenhum tipo de segurança ou supervisão do local no dia em que foi realizado o levantamento, configurando, unanimemente, nota 1 a este item.
Iniciando com a Avenida Ayrton Senna da Silva, onde está concentrada a maior parte de comércios e serviços da área estudada, e, portanto, nos horários comerciais de entrada e saída o fluxo se torna mais intenso, foram identificadas faixas de travessia locadas por todo seu comprimento com larguras de 4 metros, atendendo ao mínimo determinado pelo Código de Trânsito Brasileiro (5), constante no Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito (6), e ao fluxo de pedestres. Sobre a segregação, ambos os sentidos das vias possuem estacionamento lateral e desnível de piso, e em um há locada ciclovia com segregação física através de prismas catadióptricos.
Já sobre os itens relacionados diretamente às faixas de travessia, foi aplicado o método de observação em cada uma destas, sendo possível destacar que o respeito ás faixas inseridas no mesmo local varia de acordo com o sentido das vias no caso das que se encontram próximas às rotatórias, ou seja, na faixa locada no sentido em que o motorista acaba de fazer o contorno, o tempo de espera do pedestre para atravessar é maior devido à dificuldade e inviabilidade de gerar congestionamento nesta área, facilitando acidentes, fato que desestimula os usuários locais que transitam com frequência a utilizar estas faixas por já terem detectado o problema. Já nas demais, inseridas próximas às esquinas, o respeito às faixas é maior, principalmente quando o trânsito se encontra lento pelos veículos estarem em baixa velocidade, caso contrário, foi observado, também, que quando o veículo se encontra em alta velocidade, o motorista não consegue parar e, portanto, o pedestre é obrigado a esperar. Só foram detectados estes dois locais de implantação das faixas em relação às quadras, sendo que ao considerar as dimensões elevadas das mesmas, conclui-se que seria necessário implantar o elemento também nos meios, reduzindo o percurso do usuário.
Como ponto positivo, todas as faixas contam com rampas de acesso tanto nas calçadas quanto no canteiro central, que também é pavimentado nos pontos que recebe fluxo dos pedestres. Ao todo, foram contabilizadas, nesta avenida, 6 faixas de travessia atendendo os dois sentidos das vias, todas com algum tipo de sinalização, sendo em avisos nas faixas de rolamento ou placas, mas sendo a primeira a mais utilizada, tipo que não informatiza o pedestre.
Derivada das notas individuais dadas, a média da caminhabilidade nesta avenida é de 6,5, variando entre razoável e boa.
Aplicando o método de observação na Rua João Wyclif, é visível que a segregação entre as faixas de rolamento e os passeios públicos ficam por conta, apenas, dos estacionamentos laterais permitidos em ambos os sentidos e desnível de pisos. Em relação às faixas de travessia, foram conferidas larguras de 4 metros, assim como na Avenida Ayrton Senna da Silva, locadas nas esquinas com a Avenida Madre Leônia, acompanhadas de semáforos, assim como nos cruzamentos com a Rua Ernâni Lacerda de Atayde, implantadas nas quatro esquinas, onde o tempo para travessia dos pedestres fica por conta dos sinais vermelhos, além de uma faixa em frente à uma escola, atendendo às determinações do Contran de 2007 para sinalizações em áreas escolares, onde o respeito dos motoristas com os que pretendem atravessar é constante. Em contrapartida, na porção da via sentido à Rua Bento Munhoz da Rocha Neto, não há nenhuma faixa, dificultando a travessia dos pedestres, assim como nos cruzamentos com as Ruas João Huss e Caracas, sendo que nesta, há uma rotatória prevista com marcação da faixa de rolamento, denunciando a consciência de um fluxo intenso nesta parte, fato que, automaticamente, reflete na população que se locomove a pé. Com a identificação de todas as faixas, totalizando em 4 ao longo desta via, pode-se ressaltar, também, que todas apresentam rampas nas calçadas, e até mesmo as esquinas que não apresentam as faixas. Apesar disto, um fato a ser ressaltado é a faixa central prevendo um canteiro, que serve como abrigo para os pedestres no momento de espera para atravessar de um lado para o outro, configurando uma área precária e improvisada, além de não proporcionar segurança ao usuário por ser uma segregação apenas visual das faixas de rolamento.
Para esta via, a média calculada foi de 5,9, configurando uma caminhabilidade de qualidade razoável.
Observando a Rua Bento Munhoz da Rocha Neto, por estar margeando o Lago Igapó, nesta porção um dos lados do passeio público atua, também, como pista de caminhada, estando segregada das faixas de rolamento por ciclovias e tachões do tipo “tartaruga”. Do outro lado, estão locados estacionamentos laterais com desnível em relação à calçada. A única faixa de travessia na porção desta via, inserida na área de estudo, possui menos de 4 metros, inferior a largura mínima determinada pelo Código de Trânsito Brasileiro, mas sendo suficiente para o fluxo na mesma por estar locada na esquina com a Avenida Ayrton Senna da Silva, sofrendo a mesma consequência citada anteriormente pelo fato da proximidade com a rotatória, além do fato da sinalização ficar por conta de uma placa muito próxima, mas apresentando rampa em ambas as calçadas e também nas esquinas. Como única faixa, a travessia dos pedestres fica dependente de não haver fluxo de veículos, o que pode acarretar em uma longa espera para acessar o lado contrário. Como esta configuração de via não necessita de canteiro central, este item não irá interferir nesta média.
Nesta via, o resultado encontrado foi de uma caminhabilidade de qualidade entre ruim e razoável, com média 4,5.
Na porção proposta para a Avenida Madre Leônia Milito, foram identificadas 2 faixas de travessia em ambos os sentidos, com larguras de 4 metros, apenas nas esquinas com a Rua João Wyclif, concluindo com obviedade a insuficiência deste número apresentado em relação aos fluxos intensos encontrados nesta via, sendo o único local do canteiro que apresenta pavimentação e rampas, complementando que este elemento não é encontrado em nenhum outro local das calçadas que abrangem a área de estudo nessa avenida.
A espera dos pedestres é dependente do tempo dos semáforos implantados juntamente às faixas existentes, compreendendo em um respeito forçado dos motoristas, já que nos demais pontos, os veículos não param quando há alguém com a intensão de atravessar. A segregação entre os passeios públicos e as faixas de rolamento também são feitas através dos estacionamentos laterais e desnivelamento. Em relação à sinalização, a quantidade de placas é precária e as marcações nos pisos se encontram deterioradas.
A média determinante para a caminhabilidade nesta via é de 4,1, resultando em uma qualidade ruim.
Já na Rua Ernâni Lacerda de Atayde, as faixas de travessia encontradas estão locadas apenas nas esquinas com a Rua João Wyclif, com larguras de 4 metros, acompanhadas de semáforos. Neste ponto, o canteiro central é iniciado após o termino de uma marcação no piso margeada por tachões do tipo “tartaruga” como uma forma de delimitar fisicamente o espaço para a espera do pedestre que está atravessando de um lado para o outro. Assim como na Avenida Madre Leônia Milito, a espera dos pedestres é dependente do tempo dos semáforos implantados juntamente às faixas existentes, compreendendo em um respeito forçado dos motoristas, já que nos demais pontos, os veículos não param quando há alguém com a intensão de atravessar, e a quantidade de faixa de pedestres ser insuficiente por não contemplar nenhuma outra parte de sua extensão na área de estudo, além do fato do canteiro não apresentar pavimentação em nenhum ponto, conferindo um desestímulo à caminhada no local, além de não apresentar também rampas, assim como ao longo das calçadas, onde cadeirantes dependem dos rebaixos de guia dos lotes. A segregação das faixas de rolamento e passeio público também fica por conta dos estacionamentos laterais em ambos os lados e do desnível de piso. Em relação às sinalizações, não foram encontradas placas, mas as marcações nos pisos se encontram em bom estado.
A média calculada neste caso foi de 4,3, configurando uma caminhabilidade com qualidade predominantemente ruim.
Por fim, as Ruas Caracas, João Huss e Antonio Pisicchio foram classificadas da mesma forma por apresentarem características e configurações semelhantes, abrigando ocupações predominantemente residenciais e atuando como vias locais, sofrendo aumento no fluxo de veículos previsto devido à intensão dos motoristas se esquivarem dos congestionamentos gerados na Avenida Ayrton Senna e na Rua João Wyclif. Devido ao fato de suas classificações não preverem implantação de canteiros centrais e faixas de travessias, os itens referentes aos mesmos, mesmo sendo maioria, não contribuirão para a média final dessas vias. A travessia dos pedestres depende do fluxo de veículos ou da gentileza dos motoristas, fato encontrado com frequência um pouco maior do que em relação às demais vias, devido ao fato de serem áreas residenciais, mas mesmo assim, carecem de revisões em suas configurações devido ao fato de a realidade não condizer mais com as classificações de trânsito. Os passeios públicos, nestas extensões, são segregados das faixas de rolamento através de estacionamentos laterais em ambos os sentidos e desnível de piso. Apesar das mesmas não apresentarem faixas, abrigam rampas em todas as suas esquinas e a sinalização no piso é de boa qualidade.
A média calculada foi de 6,1, configurando uma caminhabilidade razoável.
Finalizando o desenvolvimento da análise, foi calculada a média geral da caminhabilidade na área de estudo, resultando em 5,41 e concluindo como de qualidade razoável.
notas
1
PACHECO, Priscila. Seu bairro é caminhável? Porto Alegre, The City Fix Brasil, 6 set. 2013 <http://thecityfixbrasil.com/2013/09/06/seu-bairro-e-caminhavel>. Acessado em 30/05/2016.
2
GHIDINI, Roberto. A caminhabilidade: medida urbana sustentável. São Paulo, Mobilize – mobilidade urbana sustentável, 2011 <www.mobilize.org.br/midias/pesquisas/a-caminhabilidade-medida-urbana-sustentavel.pdf>.
3
PAULA, Rubia Graciela de. A verticalização na Gleba Palhano – Londrina PR: uma análise da produção e consumo da habitação. Orientadora Tânia Maria Fresca. Monografia de bacharelado. Londrina, Departamento de Geociências UEL, 2006. Ver também: LOURENÇO DA SILVA, Andresa; SIQUEIRA DE CARVALHO, Márcia. Ecoville e Gleba Palhano. Uma análise da produção do espaço urbano a partir dos edifícios de alto padrão. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 154.02, Vitruvius, mar. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.154/4685>.
4
Sobre Evandro Cardoso dos Santos e Chris Bradshaw, ver: GHIDINI, Roberto. Op. cit.
5
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Código de Trânsito Brasileiro – CTB, que trata da coordenação do Sistema Nacional de Trânsito <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei 9.503-1997?OpenDocument>.
6
CONTRAN. Sinalização horizontal / Contran-Denatran. Brasília, Conselho Nacional de Trânsito, 2007. (Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito).
sobre as autoras
Débora Kartungas Polli, Juana Gabriela Alves da Silva e Veridiana Bozelli Gonzalez Moraes são alunas do 5º ano de Arquitetura e Urbanismo da Unifil – Centro Universitário Filadélfia, em Londrina PR, com orientação do professor Ivan Prado Junior.