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As recentes intervenções no Monumento às Bandeiras e na estátua do Borba Gato, em São Paulo, levantam questões a respeito dos valores atribuídos às Bandeiras e suas contradições. O artigo trata de problematizar as diversas leituras possíveis sobre o tema.
OKSMAN, Silvio. Os monumentos às bandeiras. Uma nova perspectiva. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 196.02, Vitruvius, nov. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.196/6268>.
No dia 30 de setembro logo após o Monumento às Bandeiras e a estátua do Borba Gato terem sido pintados, Moacir dos Anjos escreveu na sua página do Facebook “viva o vandalismo contra monumentos que celebram matadores de índios!”. As reações na rede social foram inúmeras, muitas de apoio e tantas outras de repudio, dizendo que tal discurso se aproximava as destruições de obras feitas pelo Estado Islâmico.
Os jornais e televisão noticiavam o vandalismo e a depredação de dois monumentos da cidade e chamaram a tinta de pichação. Evidentemente não se tratava de pichadores, mas de uma manifestação violenta não apenas contra os monumentos em si, mas também contra aquilo que eles representam na sua origem. Os bandeirantes, como hoje já sabemos, eram bárbaros, violentos e promoveram uma matança brutal contra os índios. No início do século 20 foram alçados a condição de heróis, desbravadores. Foi assim que aprendemos nos livros da escola – para aqueles que se manifestam sobre a escola sem partido, vejam que sempre houve ideologia nos livros didáticos.
Mas estes monumentos com o passar do tempo ganharam outros significados. O “empurra-empurra” não é somente uma ode as bandeiras, já faz parte do cenário da cidade e a relação com os Bandeirantes, apesar de presente, não é o único valor reconhecido na obra de Victor Brecheret.
Se hoje podemos olhar para esta obra e entender que há outras abordagens possíveis para a história das Bandeiras, que não aquela que se contou até pouco tempo, a questão que se coloca é de como recontar a história, lembrando também dos derrotados. Como fazer para que todas as camadas da história apareçam? Afinal de contas, eliminar os monumentos significa, também, contar apenas parte da história.
Caso estes monumentos não existissem, talvez o resultado deste ataque de sexta-feira fosse menos contundente.
Parece, portanto, que o que se coloca é a possibilidade de revisão, de novos olhares. A ideia de lugares de memória traz consigo esta questão. São lugares que contam as histórias difíceis, que mexem em questões que por vezes pareciam resolvidas, mas não estão.
O recente tombamento do DOI CODI aponta nesta direção. Reconhece a importância de preservar o edifício onde pessoas foram barbaramente torturadas e assassinadas não pode ser confundido com qualquer intenção de promover o governo militar. A preservação dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial idem.
A maneira como se apresenta estes monumentos à sociedade é que deve ser pensada com cuidado. O projeto do Memorial da Resistência, no Dops, no Bom Retiro, transformou as antigas celas em espaço expositivo. Todos com nova pintura e iluminação cênica. Um apagamento proposital de uma situação dramática. Ouso arriscar que este tipo de ação leva, no longo prazo, à possibilidade de um deputado federal fazer um discurso em homenagem à um dos piores torturadores da história do nosso pais, se dirigindo a uma de suas vitimas.
Do ponto de vista da preservação do monumento pode-se argumentar que mesmo sendo pequenos, há desgastes a cada vez que se faz uma limpeza mais profunda, mas não é disto que se trata. Não há problemas significativos de perda de materialidade, a tinta foi retirada logo no dia seguinte. A provocação permanece, ou seja, o objetivo foi alcançado. Melhor seria se a tinta tivesse permanecido por um pouco mais de tempo.
Desde junho de 2013 a sociedade paulista mudou seu olhar para a cidade. Sim, a cidade deve ser palco para manifestações das mais diversas e talvez seja a melhor possibilidade de mostrar questões que ficaram adormecidas, mas que têm que ser revistas.
Mais do que eliminar o Monumento às Bandeiras e o Borba Gato, talvez tenhamos que pensar de que forma poderíamos resignificá-los e resgatar esta outra história, que começa a ser reescrita, sob um novo ponto de vista.
sobre o autor
Silvio Oksman, arquiteto mestre e doutorando pela FAU USP, professor da Escola da Cidade, conselheiro do Condephaat, sócio do escritório Metrópole Arquitetos onde desenvolve projetos variados com ênfase na questão da preservação do patrimônio cultural.