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Fábula de Pindorama mostra um reino fictício com suas aldeias fictícias, onde governantes e governados não se preocupavam em nada além de seus próprios umbigos. Depois de muito tempo, chegou ao poder um camarada que queria mudar o destino de sua aldeia.
STEPHAN, Ítalo Itamar Caixeiro; SANTANA, Marcela Maciel. Fábula de Pindorama. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 211.03, Vitruvius, fev. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.211/6888>.
Há muito tempo, em Coropó, que era uma das tantas aldeias do reino de Pindorama, aconteceu uma grande manifestação pública contra a administração do alcaide. O povo estava muito descontente, principalmente, com a falta de emprego e com problemas de saúde. Havia gente carregando enormes faixas de protesto e batendo panelas. Nessa grande manifestação, o povo queria invadir a sede da prefeitura e linchar o alcaide. Os policiais tentavam impedir atos mais violentos, até que não conseguiram evitar que a grade do jardim da prefeitura fosse arrancada e jogada ao chão. Desesperado, o alcaide resolveu aparecer no balcão do segundo pavimento, antes que invadissem o prédio, e tentou acalmar a horda para poder falar. Quando conseguiu acalmar um pouco a situação, depois da chuva de palavrões, tomates e ovos podres, bradou:
− Vou dar para vocês empregos de subassistente administrativo, quatro horas diárias! Jogou vários formulários para cadastro e houve uma pequena confusão para alguns conseguirem os seus futuros salariozinhos.
Uns poucos se calaram e foram embora do protesto. Mais calmo, o alcaide continuou:
− Vou liberar as regras de construção e vocês poderão construir onde e como quiserem! Vou regularizar as obras!
− Isso mesmo! A construção civil é o nosso carro chefe da economia! Bradavam os construtores gananciosos.
Então, mais uns se satisfizeram e, calados, partiram. Animado, o alcaide continuou:
− Vou dar para vocês alguns atestados médicos para que sejam encostados na Previdência Social! É só preencher os papéis e me entregar! Jogou vários e houve uma grande confusão para as dezenas de pessoas conseguirem os atestados.
Continuando, o alcaide prometeu distribuir fichas de vacinação, bolsas de estudos, cestas básicas, vales-transportes, sacos de cimento, tijolos gasolina para taxistas (tudo por intermédio de edis e deputados correligionários), consultas médicas na capital (por meio de deputados co-partidários). Depois de tantos agrados, a manifestação acabou por falta de gente, e uns poucos que ficaram até aplaudiram o alcaide. Somente uns cidadãos chatos reclamaram que não era assim que se governava uma aldeia. Cobravam do alcaide ações incompreensíveis para ele e seus assessores, como planejamento, gestão urbana, bem comum ou ações de longo prazo. Esses foram tocados com cassetetes pelos policiais.
Os empregos oferecidos não exigiam experiência, nem mesmo a presença do funcionário na repartição. Só de motoristas havia doze para apenas dois veículos; na recepção tinha treze porteiros para apenas uma mesa. Assim também sucedia com os inúmeros encostados satisfeitos, que só precisavam fingir de doidos ou se automutilarem para prorrogar as licenças nas avaliações de rotina.
A aldeia crescia com as obras ocupando passeios, margens de córregos e encostas. As casas populares eram construídas no bairro Onde Judas Perdeu as Botas, enquanto vários lotes dos bacanas permaneciam vazios.
Assim a população de Coropó foi levando a vidinha mais ou menos, com cada um resolvendo seu interesse particular e ganhando uns mimos do alcaide. O alcaide da vez e os alcaides seguintes não atraíram indústrias, não melhoraram nada na aldeia. A aldeia foi ficando cada vez mais pobre, endividada, com vários problemas ambientais (enchentes, desabamentos, falta de saneamento, escassez de água), enquanto os mandatários acumulava
Esses mimos e oferendas não aconteciam apenas em Coropó, havia em todas as aldeias do reino de Pindorama, que ficava cada vez mais pobre, sem desenvolvimento, sem esperança, além dos muitos problemas ambientais criados com o processo equivocado de urbanização.
Até que, muitos, muitos anos depois, numa aldeia chamada de Pataxó, um alcaide e seu vice foram cassados; o presidente da Câmara morreu e o vice-presidente da Casa Legislativa subiu ao cargo de mandatário do condado. Teria três anos de governo. Era uma pessoa estudada – engenheiro civil concursado pelo Departamento Real de Estradas. Tinha umas ideias esquisitas para a maioria, mas abriu-se para ele uma janela de oportunidades. Era considerado um tanto visionário para muitos aldeões, mas era honesto. Cercou-se de secretários competentes e decidia tudo em consulta aos aldeões.
Depois que assumiu o cargo, ganhou muitos inimigos, acabou com os empregos de cabide, acionou a justiça para acabar com os inúmeros encostados sem justificativa. Quase foi assassinado. Recebeu uma prefeitura endividada com a Previdência Social, nem mais sede própria tinha, nem prédios, nem equipamentos. Mas aplicou bem o pouco dinheiro da receita de Pataxó e, aos poucos, sanou as dívidas. Resolveu ouvir seus assessores:
− Alcaide, faça planos e projetos! Há recursos do Reino para isso, só que ninguém os busca!
O alcaide ia sempre à sede do reino, levando vários planos e projetos. Conseguiu, aos poucos, recursos para executá-los. Conseguiu coletar e tratar os esgotos, restaurou a antiga Estação de Trem; recuperou praças, promoveu eventos culturais com artistas locais; forneceu assistência técnica aos produtores rurais, capacitou os técnicos da prefeitura. Começou a reflorestar grandes áreas e a recuperar nascentes e matas ciliares. Implantou casas populares em lotes no meio das casas já existentes; exigiu e cobrou que os donos dos terrenos vazios os ocupassem ou os vendessem.
Antes de concluir seu mandato, conseguiu atrair várias pequenas indústrias para o município e, com isso empregos de verdade foram criados. Enxugou a máquina administrativa, criou conselhos municipais que o ajudaram a governar. Conseguiu trazer cursos superiores e técnicos e pagava bem os professores. No entanto, passou por várias crises com manifestações da população:
− Queremos nossos empregos de volta! Diziam os que não gostavam de trabalhar.
− Precisamos nos “encostar”, pois não temos condições de trabalhar! Bradavam os mal acostumados com a prática ilegal.
− Queremos construir mais, mas com as regras que o senhor impôs, só vai aumentar o desemprego na aldeia! Diziam os construtores que pagavam mal os seus empregados, que construíam em qualquer lugar e só pensavam em obter mais lucros com seus predinhos.
− Precisamos vacinar a população! Diziam os edis que antes distribuíam vacinas sob uma disfarçada chantagem eleitoral!
O alcaide tinha muitos apoiadores e muitos adversários. Breve chegaria uma nova eleição em Pataxó. O alcaide engenheiro iria tentar a reeleição. Achava importante dar sequência aos planos de melhorar a aldeia. Mas havia uma forte oposição conservadora que queria os seus bons tempos de volta. A disputa seria muito difícil, com muitas intrigas, acusações falsas, promessas falsas, dossiês e conchavos para derrubar o alcaide. A ética não seria considerada pelos inimigos políticos e o risco de retrocesso pairava como nuvens muito escuras e relâmpagos no horizonte. Quem seria o escolhido pela população para governar Pataxó?
sobre os autores
Ítalo Itamar Caixeiro Stephan é professor da graduação e do mestrado do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa MG. Mestre em Urban and Rural Planning (TUNS-Canadá) e doutor em Planejamento Urbano (FAU USP), conselheiro estadual do CAU-MG.
Marcela Maciel Santana, arquiteta e mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFV), doutoranda em Patrimônios de Influência Portuguesa pela Universidade de Coimbra-Portugal.