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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O Theatro da Paz foi uma casa de espetáculos da cidade de Limeira-SP, responsável por sediar diversos eventos, mas que com o passar dos anos deixou de ser compatível com os padrões estéticos da sociedade e foi demolido restando apenas a sua memória.

english
The Theatro da Paz was a house of spectacles in the city of Limeira-SP, responsible for hosting various events, but over the years it was no longer compatible with the aesthetic standards of society and was demolished leaving only his memory.

español
El Theatro da Paz fue una casa de espectáculos de la ciudad de Limeira-SP, responsable de seducir diversos eventos, pero con el paso de los años dejó de ser compatible con los estándares estéticos de la sociedad y fue demolido restando apenas su memoria.

how to quote

SILVA, Mayara Begname de Castro Duarte; DIAS, Danilo Rafael. Theatro da Paz de Limeira. Recuperação da memória arquitetônica. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 213.01, Vitruvius, abr. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.213/6939>.


Fachada principal do Theatro da Paz, detalhe
Foto divulgação [Museu Municipal de Limeira]


A formação da cidade é algo importante, pois influencia no seu desenvolvimento e das pessoas que ali habitam, sua paisagem é um reflexo da evolução por qual ela passa e os traços construídos ao longo do tempo registram épocas importantes da memória local que fortalecem a identidade e a cultura da região.

O antigo edifício do Theatro da Paz (1) é uma das construções que fizeram parte da cidade de Limeira (2) e foi responsável por sediar diversos eventos de cultura e lazer, além de ter sido o símbolo do fim da Guerra do Paraguai e o retorno de alguns combatentes para a cidade. A preservação dessas características e memórias são fundamentais, pois reforçam a ligação entre a arquitetura e as pessoas.

Desenvolvimento

A história da cidade de Limeira tem sua formação no século 19 às margens do Ribeirão Tatu e o seu desenvolvimento progressivo nas décadas seguintes concretizaram sua estruturação.

As relações de comércio e trabalho foram definindo o traçado inicial da cidade, o que fez com que alguns eixos ganhassem destaque na dinâmica da cidade, como a Rua do Comércio, Senador Vergueiro e Rua da Quitanda, que abrigaram importantes pontos comerciais além de serem vias de acesso ao Largo da Victória espaço de lazer que abrigou o Theatro da Paz.

Theatro da Paz inserido no Largo da Victória de Limeira
Foto divulgação [Museu Municipal de Limeira]

A história da construção deste teatro está ligada diretamente a Guerra do Paraguai, pois esta contou com diversos soldados brasileiros inclusive da cidade de Limeira.

Segundo Reynaldo Kuntz Busch (3), em Limeira, personalidades importantes como a do Comendador Nicolau José de Campos Vergueiro foram determinantes neste contexto, criando fundos de assistência aos combatentes que eram enviados e aos que se alistavam para atuar na guerra. Além disso, a Fazenda Ibicaba, importante núcleo do café na região, abrigou treinamentos militares, bem como foi sede da produção de alguns armamentos bélicos.

Com o fim da Guerra e o retorno de alguns combatentes foi criada uma associação civil para a construção do Theatro da Paz, iniciada alguns anos após a Guerra do Paraguai, seria o símbolo do fim dos conflitos e o início da paz perene aos limeirenses (4).

Como dependia de arrecadações para financiar a obra, sua construção foi lenta e passou por diversas fases, sendo inaugurada pelo último presidente desta associação civil, o Coronel Antônio Mariano da Silva Gordinho, mesmo inacabada, pois faltava partes do acabamento externo, algo que só foi executado ao longo dos anos seguintes.

Fachada principal do Theatro da Paz
Foto divulgação [Museu Municipal de Limeira]

Nas primeiras sessões que aconteceram ali, as cadeiras usadas para assistir os espetáculos, eram trazidas pelos próprios espectadores. “Por meio de subscrições populares, benefícios concedidos por companhias dramáticas e de aluguéis para espetáculos e reuniões, ficou concluído em 1885” (5).

Entretanto, conforme consta na publicação de 11 de janeiro de 1895 do jornal Correio Paulistano, a estreia do teatro ocorreu no dia 15 de janeiro de 1895, o que indica ter sido essa a real época de conclusão das obras externas no teatro, celebrada com uma reinauguração. “Está marcado para 15 do corrente a inauguração do theatro da Paz, constando na cidade que a companhia Moreira de Vasconcellos será escolhida para abrilhantar essa cerimônia” (6)

O Theatro da Paz era considerado, na época, um dos melhores teatros do interior de São Paulo, doado à Santa Casa de Misericórdia para esta obter renda por meio dos aluguéis da casa de espetáculos (7).

Aconteciam ali diversos tipos de espetáculos. A partir da década de 1920 passou a sediar o cinema mudo acompanhado por sessões de piano e orquestra, além das exibições de faroeste mudo e jogos de futebol.

“Como era bom passear nos corredores do Theatro da Paz e ouvir as apresentações da saudosa orquestra. Ela tinha como flautista, Tonico Esteves, José de Campos Camargo, professor do Cel. Flamínio no violoncelo, Almerinda Botelho a pianista, o professor Otávio Nunes no violino e José Zaccarias, nos instrumentos de sopro. As pessoas idosas frequentavam o espaço, mais pelas Maviosas (Valsas), executadas nos eventos cinematográficos” (8)

Disposição interna do Theatro da Paz
Foto divulgação [Museu Municipal de Limeira]

Evento em frente ao Theatro da Paz
Foto divulgação [Museu Municipal de Limeira]

Por volta de 1938, foi realizada uma campanha pela mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, para demolir o Theatro da Paz e construir um novo em seu local, estando à frente deste movimento os Drs. Waldemar Marcadante, clínico e Wladimir do Amaral, cirurgião.

“NOVO THEATRO – Ao que estamos informados, muito em breve Limeira possuirá um novo e grandioso theatro em substituição ao antigo Theatro da Paz, localizado na praça Toledo Barros.

A Santa Casa da Misericórdia terá entrado em acordo com a firma Esteves Junior e Cia, arrendatários do theatro actual que será completamente demolido, para dar lugar a uma obra de arte compatível com o progresso da nossa terra.

Desaparecerá, pois, uma casa de diversões que, ao tempo de sua construção teria sido um grande cometimento para os limeirenses de então.

A guísa de curiosidade, transcrevemos, de um almanaque provincial, as seguintes referências sobre o actual theatro: “ Levantado no Largo da Victória, para comemorar o triunfo das armas brasileiras e a terminação da guerra do Paraguay em 1870, não se acha ainda concluído na parte interna. O cidadão Antonio Mariano da Silva Gordinho, por meio de subscrições, aluguéis para espetáculos e benefícios concedidos por companhias dramáticas, vae a pouco e pouco fazendo o que mais necessário é” (9).

Fase de demolição do Theatro da Paz
Foto divulgação [Museu Municipal de Limeira]

Pouco tempo depois, em 6 de agosto de 1939, foi publicada no jornal Correio Paulistano a confirmação do início da demolição do prédio do Theatro da Paz para a construção de um novo, sob a direção dos engenheiros Linderberg Alves e Assumpção, escritório conhecido no movimento Art Decó predominante da época.

Antes da nova construção, foi à concorrência pública a construção do que na época chamaram de “luxuoso theatro” em substituição do antigo. E no período de um ano finalizou-se a construção do novo prédio em seu lugar, chamado Theatro Victória e uma nova paisagem passou a configurar aquele local.

“Inaugura-se, em 26 ou 31 do corrente, o Theatro Victoria, de propriedade da Santa Casa e cuja construcção confiada à firma Lindemberg Alves & Assumpção, já se acha em phase final. É um edifício grandioso, satisfazendo aos requisitos imprescindíveis da ciência e da arte, do bello e do confortável, e realçando, em férrico ambiente um maravilhoso conjunto de factores de admiração. Seu nome suggestivo, escolhido em concurso popular divulgado pela imprensa e pelo radio, com prêmios valioso distribuídos mediante sorteio publicado, acha-se artisticamente estampado à frente do pomposo prédio, em substituição ao antigo nome do tradicional Theatro da Paz. Não se acha organizado o programa; sabemos, todavia, que vários oradores se farão ouvir e que, para maior brilho das festividades, limeirenses ilustres, domiciliados em S.Paulo e em varias cidades do Estado, virão assistir a inauguração do Theatro Victoria” (10).

Com a construção do novo teatro, o patrimônio e a renda obtida pela Santa Casa da Misericórdia, proprietária do imóvel, foi aumentada consideravelmente.

Construção

De estilo neoclassicista, os elementos que compunham a fachada do teatro permitem analisá-lo em três grandes faixas horizontais: a do primeiro andar, onde se localizavam as quatros entradas, tinha na porta central adornos com motivos fitomórficos, que por sua posição e detalhamento a caracteriza como a entrada principal. Já, no canto externo direito deste mesmo andar, ficava a bilheteria; logo acima, no segundo andar, as cinco janelas também adornadas com motivos fitomórficos, continham nas três centrais guarda-corpos feitos de ferro retorcido, sendo que as pilastras sob pedestais, dividiam a fachada em cinco eixos verticais, com capitéis que se assemelham ao de ordem jônica em uma releitura mais moderna da usual clássica; a terceira faixa, seria o que se compreende pelo entablamento e frontão da construção, que possui de forma ascendente: arquitrave em dois níveis; friso corrido com a inscrição “Theatro da Paz” no centro; frontão contornado por filetes e gotas e no tímpano gravuras que se sobressaem em forma de mensagem. Os anjos segurando a coroa de flores ao redor da estrela, muito se assemelha ao antigo Brasão da República do Brasil, símbolo usado nas moedas do início do século 20 e logo abaixo aos pés dos anjos uma série de instrumentos musicais seriam uma alegoria à arte divina da música, a partitura do Guarany, de Carlos Gomes, importante compositor da ópera brasileira. Acima do telhado saltam-se colunas que sustentam, em três pontos equidistantes do frontão, liras, instrumento clássico de cordas muito utilizado na antiguidade.

Internamente apresentava plateia, camarotes de primeira e segunda e galeria, escalonados em três andares (11).

Reconstituição da fachada do Theatro da Paz
Imagem divulgação [Arquivo pessoal]

Reconstituição do Theatro da Paz com base na análise de fotos
Imagem divulgação [Arquivo pessoal]

Reconstituição da perspectiva do Theatro da Paz de Limeira
Imagem divulgação [Arquivo pessoal]

Conclusão

O resgaste dessa memória, que um dia compôs a paisagem construída da cidade de Limeira SP, restitui características importantes, evidenciando que as atividades e práticas culturais, desenvolvidas na época, foram mantidas na vida cotidiana dos cidadãos e apesar de adequadas ao contexto atual, se mantem fundamentais na estruturação da identidade do povo que ali habita.

Com o passar do tempo e a evolução dos processos, dos materiais e das ideias, cria-se o hábito de sempre buscar uma construção nova e moderna para se adequar a sociedade e ser compatível ao contexto em que se insere, mas deve-se lembrar que restaurar e preservar pode manter um prédio vivo e atual, contemporâneo e compatível, independente de quantos anos ele esteja construído. Resgatar essa memória hoje e perceber a importância que este edifício trouxe à época, torna o ato de conservar uma atitude a ser defendida, pois existem milhares de prédios como esse, ricos em história, ricos em memórias.

notas

NA – Texto apresentado no evento 17° Congresso Nacional de Iniciação Científica - SEMESP em 25 de novembro de 2017.

1
Sobre o teatro, ver: BERTO, João Paulo. Theatro da Paz. Disponível em: <https://memoriasdelimeira.wordpress.com/author/memoriasdelimeira/page/2/>.

2
Sobre aspectos sociais e espaciais da cidade de Limeira, ver: MANFREDINI, Eduardo Alberto. A cidade em movimento: dinâmica sócio-espacial em Limeira, SP. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitiba, v. 1, n. 2, jul./dez. 2009, p. 163-178; QUEIROZ, Alessandra Natali. Limeira: trajetória social e urbana. Minha Cidade, São Paulo, ano 09, n. 108.03, Vitruvius, jul. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.108/1841>.

3
BUSCH, Reynaldo Kuntz. História de Limeira. 3ª edição. Limeira, Sociedade Pró-Memória de Limeira, 2007.

4
GAZETA DE LIMEIRA. Suplemento Histórico: 1826-1980. Limeira, Limeira Artes Gráficas, 1980.

5
Idem, ibidem.

6
CORREIO PAULISTANO. São Paulo, 1938/1939. Disponível no banco de dados da Biblioteca Nacional <http://memoria.bn.br>.

7
BUSCH, Reynaldo Kuntz. Op. cit.

8
Revista Povo, 2014.

9
CORREIO PAULISTANO. São Paulo, 1938/1939 (op. cit.).

10
Idem, ibidem.

11
BUSCH, Reynaldo Kuntz. Op. cit., p. 277.

sobre os autores

Mayara Begname de Castro Duarte Silva, graduanda em Arquitetura e Urbanismo nas Faculdades Integradas Einstein de Limeira – FIEL.

Danilo Rafael Dias, graduando em Arquitetura e Urbanismo nas Faculdades Integradas Einstein de Limeira – FIEL.

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