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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O texto discute processos urbanos por meio de paralelos entre diferentes contextos de Shenzhen (China) e Ribeirão Preto (Brasil) retomando a ideia de Henri Lefebvre, que defende a investigação de processos de urbanização nas diferentes escalas espaciais.

english
The text discusses urban processes through parallels between different contexts of Shenzhen (China) and Ribeirão Preto (Brazil) returning to the idea of Henri Lefebvre, who advocates the investigation of urbanization processes at different spatial scales.

español
El texto discute procesos urbanos por medio de paralelos entre diferentes contextos de Shenzhen (China) y Ribeirão Preto (Brasil) retomando la idea de Henri Lefebvre, que defiende la investigación de procesos de urbanización en las diferentes escalas.

how to quote

MORAIS, Lívia. Paralelos urbanos entre Shenzhen, China, e Ribeirão Preto, Brasil. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 213.05, Vitruvius, abr. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.213/6954>.


Vista a partir do lado leste da fazenda Olhos d’Água, ao fundo torres de apartamentos na Avenida João Fiúza
Foto da autora


Este texto trata de processos urbanos emergentes globais que, não diferente, podem ser identificados no Brasil, mesmo diante da compreensão do urbano dentro de um processo de globalização não homogêneo e que se estrutura a partir de hierarquias e lógicas econômicas distintas. Os exemplos aqui citados revelam que a ausência de reconhecimento de novos processos urbanos e definições convencionais de urbano/rural deixam de analisar situações que não se enquadram em nenhuma das duas categorias. Os limites físicos entre zona urbana e zona rural são ainda marcados de acordo com objetivos fiscais que geram classificações sem considerar características territoriais e sociais das áreas analisadas, medida que provoca dificuldades para implantação de políticas públicas e investimentos. Nesse sentido, retomamos o trabalho de Henri Lefebvre, para quem o estudo das formas urbanas deve ser substituído pela investigação de processos de urbanização em todas as escalas espaciais (1).

Podemos considerar que a dimensão não-urbana sempre foi, de algum modo, conectada às aglomerações urbanas. São paisagens efêmeras como acampamentos de mineração ou campos de petróleo que têm por finalidade servir às cidades. Houve, portanto, uma evolução por meio de redes dinâmicas de conexões econômicas e sociais para os centros de concentração urbana. O crescimento destas aglomerações, especialmente na contemporaneidade, leva à formação de desenvolvimentos polinucleares e à processos de fragmentação que demandam análises e teorizações específicas, além de novos vocabulários, que mostrem as variações do processo de urbanização. Nesse sentido, Neil Brenner, coordenador do Urban Theory Lab da Harvard Graduate School of Design, argumenta que as geografias da urbanização não podem mais ser conceituadas exclusivamente com referência às cidades, regiões metropolitanas ou mesmo megalópoles, mas hoje englobam diversos padrões por meio da paisagem sócio-espacial planetária, de Manhattan ao Matterhorn, do Delta do Rio das Pérolas para Monte Everest, do vale do rio Nilo até o oceano Pacífico (2).

Delta do Rio das Pérolas em 2018
Imagem divulgação [Google Earth]

Delta do Rio das Pérolas em 1984
Imagem divulgação [Google Earth]

Páginas 712 e 713 do livro Project on the City I: Great Leap Forward com paisagem Photoshop
Foto da autora

De modo semelhante, alguns trabalhos da Architecture Media Organization – AMO (o think tank do escritório de arquitetura OMA, de Rem Koolhaas) buscam desenvolver uma nova estrutura conceitual e vocabulários para fenômenos que não podem mais ser descritos dentro das tradicionais categorias de arquitetura, paisagem e planejamento urbano. Durante seu período como professor em Harvard, Koolhaas coordenou quatro estudos que formam o The Harvard Project on the City. O primeiro deles, Project on the City I: Great Leap Forward, começou a ser desenvolvido em 1996 e pesquisava os processos urbanos no Delta do Rio das Pérolas, região do sudeste asiático que, na época, tinha população de doze milhões de habitantes formada por cinco grandes cidades. De acordo com a pesquisa, a expectativa de crescimento populacional para 2020 era de 36 milhões de habitantes – número que foi ultrapassado já em 2015 com uma população de 42 milhões (3), considerando as nove principais cidades da região. Tal processo é tido como a expansão urbana mais rápida das últimas décadas e transformou, a partir de meados dos anos 1970, o que eram terras agrícolas em centro de produção de uma megalópole global. A velocidade de desenvolvimento deve-se, especialmente, pela presença de duas zonas especiais econômicas (4), onde o capitalismo se estabeleceu sem restrições, gerando uma nova condição urbana chinesa.

Great Leap Forward (5) é dividido em estudos interrelacionados que tentam fornecer uma visão inicial das condições urbanas emergentes do Delta do Rio das Pérolas. A introdução, escrita por Koolhaas, antecipa algumas situações e sinaliza fenômenos urbanos emergentes – “A disciplina não possui terminologia adequada para discutir fenômenos cruciais em seu domínio, nem estrutura conceitual para descrever, interpretar e entender tais forças que podem redefiní-la e revitalizá-la” (6). Por conta das particularidades encontradas, a pesquisa desenvolveu 71 termos copyrighted – um glossário – iniciando uma estrutura conceitual para tentar interpretar a condição urbana contemporânea.

Em Shenzhen, por exemplo, um campo de arroz faz fronteira com a cidade adensada por torres – a paisagem rural coexiste com urbano, como em visões futurísticas delineadas pelo Photoshop, termo copyright que define a capacidade de combinações múltiplas em um tipo de acumulação de objetos. Do mesmo modo funciona a Utopia of Golf que define a substituição de parques e praças por campos de golfe. Outros copyrights são apresentados para explicar diversas situações urbanas na região. Zone, como zona e não cidade, termo vago utilizado pela liderança comunista e que é denominado local de nascimento da Chinese Suburbia, a essência da urbanização, híbrido de cidade e campo. Shenzhen Speed apresenta manuais de arquitetura com “receitas” para tornar o processo de projeto e construção mais rápido, como acontece em Shenzhen. More Is More determina qualquer edifício como genérico, já que os programas são temporários e redefinidos rapidamente pelas forças do mercado para acomodarem usos múltiplos. Thinning explica o modo de ocupação da maior área possível com a menor concentração de elementos necessários para gerar uma condição urbana definida apenas pela implantação de campos de golfe ou grandes áreas verdes ladeadas por palmeiras - uma destruição da paisagem para simular a ideia de urbano. Nesse sentido, o termo Scape define a condição pós-urbana como nem cidade nem paisagem, é a presença da metrópole e da agricultura remota como possível imagem do futuro.

Traçando paralelos com o Brasil, identificamos processos urbanos emergentes semelhantes. Para tanto, apresentamos o caso da fazenda Olhos d’Água, no distrito de Bonfim Paulista, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo – e que se repete em tantas cidades brasileiras. A zona sul da cidade, considerada área nobre pelo mercado imobiliário, passa por ciclos de expansão desde meados da década de 1990 quando do desenvolvimento da Avenida João Fiúza e seus vários condomínios verticais de alto padrão. O recente prolongamento da avenida sob a Rodovia Antônio Duarte Nogueira liga o Anel Viário Sul à região da Fazenda Olhos D'água. Parte desta fazenda, já loteada, dá lugar à condomínios horizontais e verticais, alguns já em construção, vizinhos aos campos de cana de açúcar em plena operação, conforme pudemos observar em visita à área - realizada em novembro de 2017.

Expansão da zona sul de Ribeirão Preto, 1986
Google Earth, editado pela autora

Expansão da zona sul de Ribeirão Preto, 1996
Google Earth, editado pela autora

Expansão da zona sul de Ribeirão Preto, 2006
Google Earth, editado pela autora

Expansão da zona sul de Ribeirão Preto, 2016
Google Earth, editado pela autora

 

Percebemos em Shenzhen e Ribeirão Preto processos urbanos que não se enquadram no binômio urbano/rural. Em Shenzhen há paisagens com torres de apartamentos e campos de arroz lado a lado. No caso brasileiro, são torres de apartamento, condomínios de casas em espaços tematizados (7) e plantações de cana de açúcar – projetos de desenho urbano genéricos que não consideram a mudança social como questão primordial, ao contrário, a ideia de espetáculo tem função dupla de promover o consumo de alto padrão de massa. Do mesmo modo, os termos copyrighted de Koolhaas podem ser identificados em Olhos d’Água para tentar interpretar a condição urbana contemporânea.

A acumulação múltipla de objetos do termo Photoshop define a surreal combinação de elementos e paisagens que nem mesmo as fotografias captadas no local conseguem transmitir. De fato, o bairro, em sua condição atual, se configura como Zone, zona e não cidade – onde se nota a ausência de tudo, mas especialmente da vida das ruas que dificilmente acontecerá, mesmo com a área totalmente ocupada, por conta dos vários muros já presentes. Aqui o termo Thinning ilustra uma das situações urbanas mais peculiares: se na Ásia, é feita uma simulação da ideia de urbano com a implantação de palmeiras e campos de golfe, aqui, para aprovação de um projeto como condomínio horizontal de casas (e não loteamento), foram implantadas pequenas casas idênticas para simular a condição condomínio de casas – que possivelmente serão demolidas após a comercialização dos lotes – e que resultam em uma paisagem inusitada. O termo Scape resume tudo isso e define o que não é cidade nem paisagem natural, é a nova condição pós-urbana, a justaposição entre arquitetura e paisagem.

Fazenda Olhos d’Água e entorno com condomínios [Google Earth, editado pela autora]

Hoje, a área da fazenda é definida como zona urbana controlada (de acordo com a lei municipal 2157/2007 que dispõe sobre parcelamento do solo). No entanto, na proposta para revisão do plano diretor, protocolado em 2017 (8), a área passaria a ser considerada zona urbana. A fazenda Olhos d’Água, ainda com mais de duzentos hectares – maior que bairros como City Ribeirão e Jardim Canadá - mantém o cultivo da cana de açúcar, mas é de se esperar que, em um futuro breve, a fazenda também seja loteada, ampliando uma condição já existente de espalhamento urbano e esvaziamento das áreas centrais, parte de um cenário mundial de processos de urbanização com a extensão desigual de um tecido urbano composto por diversos padrões de investimento e uso do solo. Para Lefebvre, a urbanização completa substitui a fase urbana anterior marcada pela cidade industrial. Nesta nova etapa, a urbanização não é mais resultado da industrialização, mas é o próprio fenômeno produtivo e por isso tende a tornar-se global. É o que o autor chama de fim da cidade (9) que acaba por se tornar objeto de consumo. No entanto, mesmo com o fim da cidade, o urbano continua a existir, em outra condição, agora disperso pelo globo. A questão colocada por Lefebvre permanece importante, mas necessita ser discutida e ampliada à luz das condições do século 21, especialmente pela disciplina arquitetônica de modo crítico, político e compreendendo os processos urbanos emergentes.

Thinning e a simulação da ideia de urbano
Foto da autora

Thinning: as pequenas casas idênticas e a vizinha fazenda Olhos d’Água [Google Earth]

Zone e não cidade
Foto da autora

Photoshop
Foto da autora

Photoshop, a colagem de elementos e paisagens
Foto da autora

O lado oeste da fazenda Olhos d’Água com condomínios de casas murados
Foto da autora

Vista a partir do lado leste da fazenda Olhos d’Água, ao fundo torres de apartamentos na Avenida João Fiúza
Foto da autora

Vista a partir do lado leste da fazenda Olhos d’Água: o fim da rua, a fazenda e as pequenas casas idênticas ao fundo
Foto da autora

notas

1
LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte, UFMG, 1999, p. 51.

2
Neil Brenner em palestra na Melbourne School of Design: Towards a New Epistemology of the Urban, realizada em 17 de março de 2015.

3
Dados do Banco Mundial. Disponível em <www.worldbank.org/en/news/press-release/2015/01/26/world-bank-report-provides-new-data-to-help-ensure-urban-growth-benefits-the-poor>.

4
As cidades de Shenzhen e Zhuhai foram definidas como as primeiras zonas econômicas especiais da China (SEZ) por Deng Xiaoping em 1980. As zonas econômicas especiais foram implementadas pelo governo comunista como um laboratório para experimentação com uma economia de livre mercado. Essas zonas, que operam sob uma premissa econômica diferente do país, enfatizam as exportações e servem como ambiente propício para investimentos estrangeiros por meio de incentivos fiscais. Quando as zonas econômicas especiais foram estabelecidas pela primeira vez, a maioria dos novos negócios implantados em Shenzhen e Zhuhai foram empresas de Hong Kong e Macau, atraídas, entre outros fatores, pela mão de obra com baixos salários e o ambiente industrial livre de impostos.

5
Mao Zedong lançou o Great Leap Forward (1958-1962), um programa para o desenvolvimento simultâneo da agricultura e indústria, na intenção de transformar a economia agrária em socialista. Seria o primeiro passo para a industrialização do interior e a autonomia das cidades. Seguindo a teoria Marxista de cancelar as diferenças entre cidade e interior, a medida considerava a abolição das cidades em favor de um urbanismo de campo com indústrias misturadas com agricultura e áreas residenciais. O Great Leap Forward terminou com a fome de 1959, conhecida como Great Chinese Famine e os anos seguintes foram de recuperação econômica e estabilização das cidades. É tido como um programa marcado por trabalho forçado e violência, assim como o recente processo de urbanização: agressivo, desastroso, com efeitos negativos e grandes quantidades de investimento que não produziram melhorias – uma ironia de Koolhaas, um segundo Great Leap Forward.

6
CHUNG, Chuihua Judy; INABA, Jeffrey; KOOLHAAS, Rem; LEONG, Sze Tsung. Project on the city 1: Great Leap Forward. Londres, Taschen, 2001, p. 27.

7
CUTHBERT, Alexander. Understanding cities. Londres, Routledge, 2011, p. 241.

8
Disponível in <www.ribeiraopreto.sp.gov.br/splan/planod/i28planod.php>.

9
LEFEBVRE, Henri. Writings on Cities. Malden, Blackwell, 1996, p. 148.

sobre a autora

Lívia Morais é doutoranda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Mestre pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP). Arquiteta e Urbanista graduada pela Universidade de São Paulo (EESC-USP). Realiza pesquisas nos seguintes temas: habitação multifamiliar, processos de projeto, teoria de arquitetura, arquitetura e urbanismo contemporâneos.

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