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Cidades vazias, o esvaziamento do carnaval no Rio de Janeiro e uma certa dose de leninismo, é claro, são as fontes do artigo de Carlos Fernando Andrade.
ANDRADE, Carlos Fernando. Um passo atrás, dois adiante. Sobre o esvaziamento das cidades, em especial do Rio de Janeiro. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 223.01, Vitruvius, fev. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.223/7249>.
Não é passo de tango, mas frase de Lenin. Aconselha a que, em face de derrota iminente, organize-se o recuo, antes que se dê o barata-voa.
No futebol, se atrasa a bola; já alguns economistas preconizam downsizing, pelo qual, empresas emagrecem. Mas fazer o que, das cidades em casos extremos?
Não me refiro àquelas que somem sob as lavas do Vesúvio ou a lama da Vale. Núcleos de mineração, em condições normais, desaparecerão quando exaurida a jazida, gerando cidades fantasmas ou monumentos nacionais, dependendo de quem chega primeiro, se as almas penadas, arrastando correntes, ou correntes de turistas, arrastando sacolas.
Cidades existem porque se precisam delas. Em algum momento e lugar. Jamais sem motivo. No Brasil, chegaram de navio e vieram cumprir, em princípio, função militar, Cabo Frio, por exemplo: terceira cidade criada por ordem real, neste costão atlântico português.
O Rio, segunda da lista, só passou de estágio, porque teve baía e porto para centralizar o envio do açúcar. Assumiu nova função: o comércio.
E, quando cessam as funções, as cidades vão aos poucos sumindo, como fotografia que perde o tom. Esgotou a jazida; balsa parou quando construíram a ponte; deu mosca de chifre na laranja; o médium era estuprador... são tantas as causas para uma cidade adormecer, embora nenhuma esclareça que a bola atrasada é apito final, pois sempre lhe sobrará uma vendinha para vela, fósforo e um dedinho de prosa.
Trocam-se mercadorias e ideias. Cidade é teimosia.
Pior são os municípios, isto é, as porções territoriais que lhes dão forma jurídica. Aqui, desde a Constituinte republicana estadual, de 1891, que ceifou nove deles, só fizeram brotar.
Vejam o Rio! Que insiste em se ver como segunda cidade do país, comparando-se à primeira. Há quem ainda creia na ilusão de um tal Eixo Rio – São Paulo, que, visto de lá, será apenas mais um segmento que une a megacidade às milhares de pontas da galáxia nacional.
Tomando as palavras de Maria Adélia de Souza, da USP, em seu “A Identidade da Metrópole”, São Paulo ao “tornar-se um centro hegemônico do processo de acumulação no Brasil tem facilitado uma certa depauperação relativa de outras regiões do País”. Ou seja: Força na fraqueza... alheia.
Porém, creio que hoje, o conjunto das três maiores capitais nordestinas representaria, de fato, a segunda megalópole nacional, ainda que em consolidação. E, aí sim, como eixo, somam mais gente que o Rio.
A companhia aérea já se refere a Fortaleza como hub; Recife é um grande centro regional com especialidades, como a hospitalar; Salvador, além das 365 igrejas, foi benzido pela petroquímica.
Já o nosso polo, de Itaguaí ou de Itaboraí, serviu, apenas, para rimar com Sapucaí, sobrando-nos assim, o maior carnaval do mundo.
Mesmo disso, soubemos há pouco, São Paulo, em dois ou três anos, partindo do zero, tem mais blocos de rua que o Rio, que os inventou, e apoiará suas escolas de samba, com verbas muito mais robustas que os caraminguás com que Crivella consola as daqui, enquanto cerceia blocos. Breve, na sua cidade: ruas e camarotes vazios.
Em processos de retração urbana, além de ser difícil estabelecer políticas de recuo organizado – a tal bola atrasada – o que mais se observa, caneladas a parte, é bola pra fora e gol contra.
Ideias brilhantes que geram novas ocupações, como o Plano da Barra da Tijuca, maior que Brasília, ou Porto Maravilha, vizinho ao Centro, já esvaziado, só despem um canto para vestir outro. Ainda que com manto de prata e cristal.
Cada vez que se despreza um ativo, como o Porto do Rio, que sem ter retroporto à altura, se vê ocupado por lançamentos imobiliários, ou ao se desorganizar o Carnaval, de rua ou de passarela, não importa, aprofunda-se o buraco.
Dizem que dinheiro não aceita desaforo. Nem os deuses da avenida.
Evoé.
sobre o autor
Carlos Fernando Andrade é arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela FAU UFRJ.