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Como as mudanças nas formas de produção, comunicação e informação vem alterando as dinâmicas urbanas da cidade de Suzano nas últimas décadas, indo de uma cidade relativamente autônoma para uma inserida nas dinâmicas metropolitanas e, por que não, globais.
NAGANO, Wellington Tohoru. Suzano, do local ao global. Minha Cidade, São Paulo, ano 20, n. 232.04, Vitruvius, nov. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/20.232/7535>.
Nas últimas décadas, a acentuada evolução dos meios de comunicação e produção vem transformando as dinâmicas urbanas, diminuindo a dependência do meio físico (ferrovia, rodovia, espaços públicos, etc.) para o virtual, baseada na comunicação via internet e na informação em tempo real. Paralelamente ocorrem alterações nas formas de produção, pela evolução da robótica, da terceirização e a pulverização da cadeia de suprimentos.
Estas transformações alteram o conceito das relações entre empregador-operário elaborada por Zygmunt Bauman (1), na qual prevalecia o interesse recíproco: o primeiro dependia da habilidade do operário para obtenção do lucro e o último oferecia a mão-de-obra em troca de remuneração.
Esta reciprocidade começou na Revolução Industrial, quando o aumento da produtividade no campo forçou o êxodo de camponeses para a cidade, aceitando trabalhar em condições insalubres em fábricas (2) e morar em cortiços (3). A crescente insatisfação operária com estas condições e o surgimento dos sindicatos fizeram que as classes mais ricas buscassem no Estado a mediação dos conflitos entre eles, tanto por meio de legislações para proteção dos operários, quanto de forma mais incisiva, usando a força policial contra as greves, por exemplo.
O Estado não regulava apenas às relações fabris, mas a organização do espaço da cidade industrial, por meio de criação de parques, praças, entre outros, como forma de oferecer recreação, memória da natureza e salubridade para aqueles que tinham saído do campo para a cidade. Era interessante para as classes mais ricas que os pobres tivessem momentos de recreação, descanso e moradia adequada para evitar levantes populares.
Conforme a evolução dos meios comunicacionais e de produção, as relações entre as duas classes foram se alterando. A proximidade do patrão com a empresa tornou-se dispensável a partir do momento na qual poderia controlar as atividades à distância. O operário, que conseguia direitos e benefícios graças à sua mão-de-obra, foi substituído pela robótica e terceirização, diminuindo sua importância.
Para os mais ricos, as redes comunicacionais permitem que eles vivam no ciberespaço (4), local sem suporte territorial, em constante movimento, na qual a base física é apenas a transição para a próxima etapa de sua mobilidade. Aos mais pobres, este ciberespaço é distante e inacessível, pois eles não são mais úteis aos mais ricos, restando ficar entre eles na base física e depende da proteção do Estado a proteção, todavia, o mesmo é pressionado pelos mais ricos a diminuir sua importância, pois a mediação dele não é mais necessária.
Ao viverem no ciberespaço, as classes mais ricas preferem conviver entre os iguais, pois acreditam que estar com pessoas que compartilham as mesmas visões, preferências e opiniões tornam as mais seguras. Viver com o diferente, o estranho ou mais pobre é desnecessário, por não dependerem mais deles.
Este desejo de estar entre iguais é percebida pelo mercado imobiliário, ao lançar empreendimentos voltados para públicos seletivos, como shoppings, centros empresariais e condomínios, todos com rígido controle de acesso e de segurança, como forma de garantir a proteção e evitar que os diferentes entrem nestes lugares. Diante disto, os espaços públicos perdem a heterogeneidade, pois não é mais utilizado pelos mais ricos e tornam-se o local dos iguais, dos pobres e dos excluídos dos avanços dos sistemas de informações globais (5).
Suzano, do local para dinâmica global
Distante a 45km do centro de São Paulo, a origem de Suzano remonta ao século 17, quando era caminho dos tropeiros entre Mogi das Cruzes e Santos. A cidade atual formou em 1875, quando foi inaugurada a Estrada de Ferro Central do Brasil – EFCB e a Parada Piedade – atual estação Suzano, para reabastecimento de lenha dos trens (6).
Funcionários da EFCB viram a oportunidade de criar um loteamento, de traçado ortogonal, ao redor da parada. Com vinte quadras e sessenta lotes, o loteamento possuía uma praça no quadrilátero formado pelas ruas General Francisco Glicério, Benjamin Constant, Felício de Camargo e Monsenhor Nuno. A praça, atual João Pessoa, não foi construída neste lugar, sendo realocada para uma quadra mais próxima da estação.
Entre 1920 e 1940, imigrantes japoneses vieram para Suzano trabalhar no plantio de hortaliças, flores e morango, tornando-a conhecida como “Cidade das Flores” e “Cidade do Morango”, com festas anuais celebradas na Praça João Pessoa. A reforma da Estrada São Paulo-Rio de Janeiro, em 1920, possibilitou que a produção agrícola fosse enviada à São Paulo. As trocas ocasionais com a capital e o relativo isolamento faziam que a cidade não estivesse integrada nas dinâmicas metropolitanas, criando uma autonomia própria.
A urbanização acelerou a partir da década de 1960, quando rodovias e vias expressas foram inauguradas, como a Marginal Tietê (7), a instalação de multinacionais europeias e japonesas e o aumento das viagens de trem, devido à eletrificação da linha pela EFCB, em 1958. O baixo custo da terra em Suzano compensava a precariedade do serviço e a distância em relação à capital.
Conforme Suzano urbanizava e se desenvolvia com a industrialização, o consumo crescia, surgindo empresas familiares em que o proprietário de uma livraria, por exemplo, participava de toda a cadeia de negócios.
Nota-se que a inserção nas dinâmicas metropolitanas ocorreu pelo aumento da oferta dos serviços de trem, dos ônibus intermunicipais e a melhoria das vias que ligam à capital, diminuindo o tempo entre as cidades. Não eram mais produtos agrícolas que movimentavam o eixo Suzano-São Paulo, mas pessoas, pois o alto custo de vida paulistano fazia que moradores buscassem municípios com terras mais baratas. Este fenômeno pode ser comparado quando é analisado que a população de Suzano cresceu de 100 mil habitantes em 1980 para 150 mil (8) habitantes dez anos depois, crescimento médio de 4,3% ao ano, contra 1,89% da Região Metropolitana de São Paulo (9).
O crescimento populacional Suzano não foi acompanhado pela capacidade da cidade em absorver os novos moradores, surgindo bairros em áreas não propícias para a urbanização, como as regiões de mananciais nas Zonas Sul e Norte, locais sem planejamento, regulação urbanística e infraestrutura.
Metropolização periférica
Observa-se que as dinâmicas econômicas, urbanas e sociais são transformadas conforme a evolução dos meios de comunicação e de produção, com o objetivo de aumentar a velocidade da informação e a produtividade, respectivamente. Se antes o operário era essencial para a fábrica, a robotização tornou-o dispensável.
Em Suzano, este período de mudança das relações fabris intensificou na década de 1990, como resultado da abertura comercial brasileira para produtos estrangeiros e com custos menores. Sem capacidade de competir, diversas indústrias fecharam ou adotaram novos métodos de produção (robotização ou terceirização) para sobreviverem.
Em movimento oposto, o setor de serviços cresceu na oferta empregos e de renda, mas alterou seu funcionamento, buscando maior eficiência e ganhos de escala como forma de continuarem competitivos. A abertura do shopping, em 2000, diminuiu a importância das lojas situadas na Rua General Francisco Glicério, principal via comercial, passando concorrer com as do centro comercial, que ofereciam estacionamento, segurança e melhor variedade que as lojas de rua. A principal livraria local fechou diante da concorrência da livraria de um grupo nacional instalada no shopping, que possuía custos menores devido ao tamanho da escala dos negócios.
Atualmente, a expansão urbana em Suzano ocorre por dois fatores relacionados: a expansão do crédito imobiliário a partir do plano federal Minha Casa, Minha Vida e da presença de chácaras dentro da área urbanizada. Estas chácaras, em sua maioria, pertencem à imigrantes japoneses e são seus meios de sustento. Seus descendentes, com escolaridade melhor, não possuem interesse em assumir os negócios familiares, por possuírem colocações melhores em suas profissões. Sem interesse dos herdeiros, por estarem na Terceira Idade e pela concorrência com empresas mais estruturadas, os proprietários passaram a vender as chácaras para empreendimentos imobiliários, sobretudo condomínios.
Estes empreendimentos são destinados para classe média baixa, mostrando que não são apenas os mais ricos que desejam ficar entre seus iguais. A perda da heterogeneidade de classes é um dos fatores para a diminuição da importância dos espaços públicos, como ruas e praças. A Praça João Pessoa não tem mais a diversidade social e dinâmica do passado, apesar de ser segura, é estigmatizada como lugar perigoso, pela presença de moradores de ruas e pessoas de baixa renda.
E até a dinâmica do shopping está alterando, devido ao aumento do e-commerce e dos serviços de streaming. A livraria instalada no shopping passou a concorrer com livrarias virtuais, que possibilitam comprar qualquer livro, a qualquer momento e em qualquer lugar. A eficiência de venda e o controle dos custos que fez a livraria da rede nacional fechar a congênere local são os mesmos motivos que os sites de e-commerce fazem com ela. Estas mudanças são globais, indo desde serviço de táxi até lojas de departamento.
Hoje, Suzano está inserida nas redes globais de produção e comunicação, porém dependente de outras cidades, principalmente com a capital, como mostram os números da pesquisa Origem e Destino do Metrô. Entre 2007 e 2017, a população da região Leste, onde Suzano está inserida, aumentou 4,9%, passou de 1.378.000 para 1.444.000. No mesmo período, os empregos na região caíram 1%, de 462.000 para 457.000 vagas, resultando que as viagens para a capital aumentassem 17% (10).
Suzano é metáfora de um processo que também ocorre em diversas cidades do mundo, na qual os meios comunicacionais e de produção vem alterando as dinâmicas das cidades. Este processo é nítido quando é observado os espaços públicos das cidades, tornando cada vez mais o local dos iguais, sem a pluralidade, diálogo e convivência entre estranhos e os diferentes. O desafio dos gestores e dos agentes que atuam no território é conciliar as forças globais com as demandas locais, principalmente em sociedades desiguais, em que problemas do século 19 (moradia, saneamento, etc.) ainda não foram resolvidas no século 21. Apesar de todas as transformações, o espaço público continua como um dos locais de comunicação, como ocorreu nas manifestações públicas nos últimos anos.
notas
1
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro, Zahar, 2001.
2
Ver: MARX, Karl. O capital: critica da economia política. São Paulo, Civilização Brasileira, 1980.
3
Ver: Cidade da noite apavorante. In: HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 2013, p. 17-51.
4
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro, Zahar, 2009.
5
Idem, ibidem.
6
AZEVEDO, Suami. Retratos de Suzano, canto meu recanto. Suzano, Orion, 2000.
7
MEYER, Regina Maria Prosperi; GROSTEIN, Marta Dora; BIDERMAN, Ciro. São Paulo metrópole. São Paulo, Edusp/Imesp, 2004.
8
FUNDAÇÃO SEADE. Perfil dos municípios paulistas <http://www.perfil.seade.gov.br/>.
9
MEYER, Regina Maria Prosperi; GROSTEIN, Marta Dora; BIDERMAN, Ciro. Op. cit.
10
COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO (METRÔ). Pesquisa origem e destino <https://bit.ly/2Kmjn4q>.
sobre o autor
Wellington Tohoru Nagano possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (Universidade São Judas Tadeu, 2011) e mestrado em Arquitetura e Urbanismo (USP, 2018). Atua como arquiteto na Secretaria do Verde e Meio Ambiente da cidade de São Paulo e como docente na Universidade São Judas Tadeu.