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my city ISSN 1982-9922

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CASTILHO, José Roberto Fernandes. A imagem do Pátio do Colégio é protegida por direitos autorais? Direitos de imagem sobre um sítio histórico de São Paulo. Minha Cidade, São Paulo, ano 21, n. 244.01, Vitruvius, nov. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.244/7935>.


Pátio do Colégio em 1818. Tela de Wasth Rodrigues a partir de desenho de Thomas Ender
Imagem divulgação


Em 2019, uma associação de educação e assistência social que leva o nome do Padre Manuel da Nóbrega promoveu ação de obrigação de fazer com indenização de danos morais por uso indevido de imagem contra cervejaria que usara gravura do Pátio do Colégio em rótulo de cerveja. Disse a associação que tinha por finalidade zelar pelo patrimônio da Companhia de Jesus e que, no caso, estava havendo a utilização da imagem, com intenção de lucro, do conjunto arquitetônico sem autorização dela, que seria a proprietária. Além da retirada imediata de circulação do produto, requereu condenação da cervejaria no pagamento de danos morais no valor de cem mil reais e a “restituição do lucro”, considerando o uso indevido da imagem, “em percentual não inferior a 5% do valor da venda”. A ação foi julgada improcedente nas duas instâncias.

Levantou a magistrada dois óbices legais à pretensão da entidade. Em primeiro lugar, a associação não é titular dos direitos autorais do conjunto arquitetônico conforme alega. Sabe-se que sobre uma edificação coexistem dois direitos: o direito “material” do proprietário e o direito “intelectual” do arquiteto autor do projeto. Cada um deles tem, pois, titular diverso e, entre si, nem sempre apresentam convivência harmônica.

Disse a juíza: “A parte autora não é a criadora do projeto arquitetônico do prédio ou sucessora legal do arquiteto responsável, tampouco alega ser. Não há prova, ademais, de formalização de convenção para transmissão de direitos patrimoniais autorais. Por outro lado, o prazo de proteção da obra arquitetônica, a despeito de ausência de prova nesse sentido, escoou há tempos, já que é de conhecimento notório que o Pátio do Colégio, situado no centro histórico de São Paulo, é o local em que levantada a primeira construção da cidade recém-fundada. A autora não detém, pois, os direitos morais autorais que pretende discutir, tampouco os materiais, inclusive rechaçados pelo transcurso do tempo, motivo pelo qual, pela teoria da asserção [ou seja, à luz das afirmações do autor], seu pedido improcede”. Como a todo direito corresponde uma ação que o assegura, se não há direito não há ação, ou seja, ela não poderá vingar.

Local em que os jesuítas teriam fundado a cidade, o Pátio do Colégio – ou, como grafa a autora – “Pateo do Collegio” – é uma Zona Especial de Preservação Cultural – Zepec que data de meados do século 16, tendo o conjunto passado por sucessivas transformações, tanto construções quanto reformas, desabamentos e demolições, recebendo também vários usos no transcurso do tempo. Na noite de 13 de março de 1896, por exemplo, a cobertura da nave da antiga igreja dos jesuítas (que ainda permanecia de pé) desabou com estrondo em decorrência de fortes chuvas e da idade do edifício cuja construção se iniciara em séculos anteriores. Com esse desabamento, a área da igreja foi totalmente integrada ao Palácio do Governo do Estado que já funcionava no prédio anexo desde 1765 e onde permaneceu até 1932, quando foi para os Campos Elíseos e o prédio foi ocupado pela Secretaria da Educação. No começo dos anos 1950, o palácio foi demolido logo depois, no quarto centenário da cidade, o espaço foi devolvido aos jesuítas. É hoje um “complexo histórico-cultural-religioso”, como diz a inicial, que não se caracteriza como bem público.

Palácio do Governo com a “antiga Igreja do Colégio”, ou seja, antes de 1896
Imagem divulgação

Portanto, não haverá mesmo, no caso, a figura do autor do projeto arquitetônico com direitos a proteger, isto é, não há de se falar em autoria do conjunto arquitetônico, ideia que se perdeu por completo, que se diluiu e dissolveu: trata-se de um local histórico, certamente, cujas edificações (igreja e anexo) foram sendo feitas e refeitas ao longo do tempo, como um palimpsesto. Até seu nome mudou e, no século 19, era Largo do Palácio. É importante dizer que o que existe lá hoje é uma reconstrução que se encerrou em 1979, conservando-se apenas, em vitrine, uma parede de taipa de pilão do prédio original do século 17 O que existe, portanto, é uma réplica, um simulacro das formas que teriam tido colégio e a igreja em tempos antigos.

De outro lado, também aplicou a magistrada o art. 48 da Lei nº 9.610/98 – nossa lei geral de direitos autorais – segundo a qual as obras situadas permanentemente em logradouros público podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais. É a chamada “liberdade de panorama” – tema que vem sendo muito discutido porque os direitos autorais do arquiteto têm assento constitucional, ou seja, haveria um conflito entre o art. 48, citado e o art. 5º/XXVII da Constituição Federal. Parece haver uma desarmonia clara entre os dois comandos diante de uma obra arquitetônica com autoria conhecida, o que não ocorre no Pátio do Colégio.

Já o Tribunal de Justiça de São Paulo, em março de 2020, confirmou a decisão aduzindo: “a demanda foi proposta para proteção de suposta violação de direito autoral por meio do uso da imagem do Pátio do Colégio em rótulo de cerveja em edição que presta homenagem à cidade de São Paulo. Pese o esforço argumentativo da parte apelante, o fato é que não se opõe à conclusão da sentença de que não é detentora de direito autoral e, ainda se fosse, o período de proteção teria se escoado”.

Em havendo autoria conhecida, o prazo de proteção é de setenta anos a partir do início do ano seguinte ao da morte do autor. Depois disso a obra cai no chamado “domínio público”, situação em que não é mais protegida no que tange aos direitos patrimoniais. O art. 41 da lei autoral acima citada diz: “Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil”. Porém é fato que muitas obras arquitetônicas antigas não têm um autor único, certo e determinado mas tiveram vários autores ao longo do tempo, muitas vezes anônimos, numa cadeia autoral de extensão incerta. O caso mais conhecido será o do Duomo di Milano, cuja construção se iniciou em 1386 e só se encerrou em 1863, mais de quatrocentos anos depois.

A ausência de autoria conhecida e o decurso do tempo, além da liberdade de representação do espaço público, todos esses motivos, além de alguns outros, afastaram, por completo, a pretensão da associação, autora da ação que se comenta. Ela não tem os direitos autorais que alega ter. Mas o processo não se encerrou porque pende recurso aos Tribunais Superiores (feito 1062618-31.2018.8.26.0002).

O demolido Palácio do Governo no Pátio do Colégio em 1931
Imagem divulgação

sobre o autor

José Roberto Fernandes Castilho é professor de Direito Urbanístico e de Direito da Arquitetura da FCT Unesp.

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