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português
A partir do caso da revitalização de uma via pública urbana, o artigo destaca a necessidade de se reavaliar o padrão das infraestruturas urbanas e de se investir em planos e projetos de infraestrutura verde,compatíveis com os desafios do século 21.
english
Based on the case of the revitalization of a urban public street, the article highlights the need to reevaluate the urban infrastructures standard and to invest in green infrastructure plans and projects, this is compatible with the challenges of the 21st
español
A partir del caso de la revitalización de una vía pública urbana, destacase la necesidad de reevaluarse el patrón de las infraestructuras urbanas y de invertirse en planos y proyectos de infraestructura verde, compatibles con los desafíos del siglo 21.
RUDOLPHO, Lucas da Silva; GALLO APONTE, William Ivan. O “novo” que nasceu ultrapassado. Reflexões sobre a revitalização de uma via pública urbana. Minha Cidade, São Paulo, ano 21, n. 244.02, Vitruvius, nov. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.244/7941>.
O momento de crise em que vivemos, de surtos de doenças e necessidade de isolamento social, perda de biodiversidade, mudanças climáticas, escassez de água e energia, poluição do ar e das águas, e problemas de mobilidade urbana, reforçam a necessidade por mudanças na forma de pensar, planejar e projetar os espaços urbanos e, especificamente, as infraestruturas viárias urbanas.
Nesse cenário, foi entregue no mês de julho de 2020 para a população de Luiz Alves, pequena cidade catarinense localizada à 130km da capital Florianópolis, a obra de revitalização da sua principal via comercial.
Inaugurada com discursos demagógicos – “uma rua projetada para o século 21” e “um novo cartão postal da cidade” –, a rua revitalizada renasceu ultrapassada, mesmo apresentando algumas melhorias em relação à sua condição anterior.
Como pesquisadores da área de planejamento territorial e paisagístico e de direito público administrativo brasileiro, sem interesses políticos – exceto aqueles relacionados à luta por cidades mais sustentáveis e democráticas –, entendemos que tipos de revitalização viária como esta estão muito longe de poder ser considerados “projetos para o século 21”, pois:
a) "usa e abusa" de infraestrutura cinza monofuncional, a qual tenta controlar a natureza com materiais inertes, pouco ou nada permeáveis, como concreto e asfalto, em uma área sujeita à alagamentos;
b) utiliza como única solução de projeto para resolver problemas de drenagem urbana, técnicas de engenharia do final do século 19 (sistemas canalizados), que objetivam se livrar das águas das chuvas o mais rápido possível, transferindo o problema para outros lugares;
c) privilegia o uso do transporte motorizado individual, com amplas vagas de estacionamento destinadas exclusivamente para acomodar veículos particulares;
d) destinado prioritariamente à circulação e estacionamento de veículos particulares, não contempla ciclovias e ciclofaixas, tornando o espaço público menos democrático;
e) adota floreiras (com um único tipo de espécie vegetal ao longo de toda a extensão viária) ao invés de canteiros no solo com arborização nativa diversa, desperdiçando os múltiplos benefícios que as árvores no solo poderiam oferecer para as pessoas e para a biodiversidade,como: proteção contra os ventos; atenuação da poluição sonora; absorção da poluição atmosférica; sombreamento; diminuição das ilhas de calor e das temperaturas internas das edificações, com consequente redução do consumo de energia elétrica; filtragem das águas das chuvas e da poluição difusa proveniente das calçadas e vias pavimentadas (como resíduos de combustíveis, óleos, borrachas de pneus e outras partículas poluentes); redução do escoamento superficial e dos impactos das enxurradas e alagamentos; criação de habitats e corredores ecológicos para a fauna, entre outros; e
f) desperdiça a oportunidade de implantar redes de distribuição de energia elétrica e telefonia subterrânea, as quais poderiam fornecer maior segurança, redução das interrupções, menores custos com manutenção, melhoria estética da paisagem urbana, e a possibilidade de inserção de espécies arbóreas nativas de médio e grande porte, sem gerar conflito com as fiações.
Tipos de infraestrutura viária como esta, cinza, monofuncional e que tenta dominar a natureza, têm se mostrado insustentáveis, sobretudo sob o ponto de vista socioambiental e econômico, além de ser pouco diversos (biologicamente e esteticamente) e resilientes para suportar os impactos trazidos pelas mudanças climáticas (como frequentes ondas de calor, secas e chuvas cada vez mais intensas e prolongadas, escassez de água, inundações, deslizamentos de terra, ciclones, tufões e tornados) que já estão ocorrendo em todo o mundo(1).
Os efeitos desse excesso de infraestrutura cinza afetam não somente a saúde da natureza, mas também a saúde das pessoas. Estudos mostram que os índices de doenças físicas e mentais como obesidade, pressão alta, ansiedade, depressão, síndrome do pânico e câncer, aumentam à medida que as cidades crescem e se tornam mais cinzentas e globalizadas. As causas são várias, como falta de contato diário com a natureza; alimentação inadequada; e sedentarismo, causado, dentre outros motivos, pela cultura do automóvel e pela dependência do seu uso em estruturas urbanas que distanciam áreas de trabalho, lazer e moradia (2).
Diante desse quadro, é necessário que a administração pública municipal avalie os impactos dos seus projetos e decisões, considerando os princípios da prevenção e da precaução ambiental, social, econômica e cultural, considerados fundamentais para o planejamento e execução de políticas públicas municipais, dentre elas, as de infraestrutura urbana (3); e que reavalie o padrão das infraestruturas que vêm sendo implementadas no Município, investindo em planos e projetos de infraestrutura verde (4) – com arborização viária, pavimentos permeáveis, jardins de chuva, canteiros pluviais, biovaletas, ruas verdes, entre outras tipologias multifuncionais, que mimetizam os processos naturais –, compatíveis com os desafios do século 21, período de alterações climáticas e eventos extremos, de enormes riscos, vulnerabilidades e incertezas.
notas
1
De acordo com o relatório Counting the cost 2019: a year of climate breakdown, divulgado pela ONG britânica Christian Aid, fenômenos meteorológicos extremos alimentados pelas mudanças climáticas atingiram todos os continentes do mundo em 2019, resultando na morte e no deslocamento de milhões de pessoas, e em perdas econômicas de 140 bilhões de dólares. KRAMER, Katherine; WARE, Joe. Counting the cost 2019: a year of climate breakdown. Londres, Christian Aid, dez. 2019 <https://bit.ly/32ZvyNY>.
2
HERZOG, Cecília Polacow. Cidades para todos: (re)aprendendo a conviver com a natureza. Rio de Janeiro, Mauad X/Inverde, 2013.
3
Segundo Juarez Freitas (2015), a administração pública deve ser “preventiva, precavida e eficaz(não apenas economicamente eficiente), eis que comprometida com resultados compatíveis com os indicadores de qualidade de vida, em horizonte de longa duração”. FREITAS, Juarez. As políticas públicas e o direito fundamental à boa administração. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, v. 35, n. 1, Fortaleza, jan./jun. 2015, p. 199 <https://bit.ly/36NasDt>.
4
A infraestrutura verde consiste em uma rede interconectada de áreas naturais e outros espaços abertos tratados paisagisticamente que visam mimetizar os processos e ciclos naturais, desempenhando funções infraestruturais relacionados à drenagem urbana, conforto ambiental, purificação da água e do ar, conservação da biodiversidade, mobilidade, lazer, imagem local, entre outros. Ver: CORMIER, Nathaniel S.; PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. Infraestrutura verde: uma estratégia paisagística para a água urbana. Paisagem e Ambiente: ensaios, n. 25, São Paulo, jun. 2008, p. 127-142.
sobre os autores
Lucas da Silva Rudolpho é arquiteto paisagista e urbanista, graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Regional de Blumenau (Furb) e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é doutorando no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
William Ivan Gallo Aponte é Advogado, graduado em Direito pela Universidade Externado da Colômbia. Atualmente é mestrando no Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e professor pesquisador da Universidade Externado da Colômbia.