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português
Análise histórica da Cinelândia, baseada nos acontecimentos políticos, econômicos, sociais e nas alterações morfológicas mais relevantes, que resultaram em sua configuração atual e nos modos como é apropriada e utilizada pela sociedade.
english
Cinelândia's historical analysis, based on political, economic, social events and the most relevant morphological changes, which resulted in its current configuration and in the ways it is appropriated and used by society.
español
El análisis histórico de Cinelândia, basado en eventos políticos, económicos, sociales y los cambios morfológicos más relevantes, lo que resultó en su configuración actual y en las formas en que la sociedad se apropia y utiliza.
RIBEIRO, Fernanda de Azevedo. A Cinelândia através do tempo. Minha Cidade, São Paulo, ano 21, n. 245.02, Vitruvius, dez. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.245/7972>.
A Cinelândia é uma área do centro histórico do Rio de Janeiro que se mantém desde sua origem como um dos mais importantes espaços políticos e culturais da cidade e do país. Compreende o entorno da Praça Floriano Peixoto, onde se concentra o conjunto arquitetônico e cultural mais importante da cidade, do qual fazem parte o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Artes, o Centro Cultural da Justiça Federal, o Palácio Pedro Ernesto (Câmara dos Vereadores) e o Cine Odeon.
A formação do espaço através do tempo
A forma urbana da Cinelândia conhecida atualmente começa a se delinear no início do século 20, a partir da Praça Ferreira Viana, atual Floriano Peixoto, com a formação do novo centro político-administrativo do Governo Federal no Período Republicano. Os outros que o antecederam foram o Largo do Paço, atual Praça XV, no Período Colonial e o Campo de Santana, no Período Imperial. A formação dos dois últimos aconteceu de forma lenta e gradual. O centro republicano formou-se rapidamente como resultado de intervenções drásticas, complementares e simultâneas realizadas pelos governos municipal e federal (1).
As maiores transformações no centro da cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal, tiveram início no governo do presidente Rodrigues Alves (1902-1906), que nomeou o engenheiro Francisco Pereira Passos para prefeito, conferindo-lhe amplos poderes para a modernização do porto e a remodelação da cidade, inspiradas nas realizações de Haussmann para a modernização de Paris na segunda metade do século 19 (2).
Entre as intervenções realizadas pelo Governo Federal, a abertura da Avenida Central, atual Rio Branco, foi uma das mais importantes, transformando radicalmente o centro da cidade e ligando o porto ao novo centro republicano.
A Praça Ferreira Viana tornou-se o principal espaço da cidade, onde foram implantados edifícios significativos, símbolos do poder político, econômico e das elites sociais. Entre eles, o Palácio Monroe, a Escola de Belas Artes, o Teatro Municipal, o Supremo Tribunal Federal e a Biblioteca Nacional.
Na década de 1910, o país enfrentou uma crise econômica após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Mas isso não impediu que o presidente Epitácio Pessoa decidisse celebrar, em 1922, o Centenário da Independência política do Brasil em relação à metrópole portuguesa com a realização da Exposição do Centenário da Independência, a primeira exposição internacional sul americana sediada junto ao centro republicano.
Carlos Sampaio foi nomeado prefeito (1920-1922) e a cidade foi preparada para as comemorações, através da execução de um plano de obras. O arrasamento do Morro do Castelo foi uma das mais importantes. Na área resultante foram construídos os pavilhões da Exposição – inaugurada em 7 de setembro de 1922 e encerrada em julho de 1923.
O centro republicano recebeu um novo símbolo do poder político. O edifício sede do Conselho Municipal (Palácio Pedro Ernesto), em substituição ao anterior, demolido em 1918. A inauguração, em 1923, fez parte do programa das comemorações do centenário. A ambiência local foi modificada pela substituição de tipologias do antigo edifício pelo novo projeto de escala monumental, que passou a dialogar de maneira mais harmônica com os edifícios monumentais do entorno e resultou em um novo projeto de alinhamento que modificou o desenho da Praça Floriano.
O surgimento da Cinelândia
O crescimento acelerado da cidade a partir da década de 1910, estimulado pelas transformações urbanísticas, sociais, culturais e econômicas ocasionadas pela abertura da Avenida Central na década anterior, atraíram para o local uma diversidade de investimentos, sobretudo no setor de entretenimento, negócios e comércio, processo no qual a atuação do empresário espanhol Francisco Serrador teve papel importante. Ele atuou atraindo, mobilizando e incentivando empresários a investirem em seu projeto – de recriar em uma escala de bairro um modelo de urbanização observado nos Estados Unidos – e em toda a área, tornando possível que nesse espaço se concentrassem atividades específicas, dotando-o de novos usos e significações para a sociedade, que foram se consolidando até o fim da década de 1920.
A idealização da Cinelândia tem início em 1917, quando Serrador compra parte do terreno resultante da demolição do convento da Ajuda (1911) no entorno da Praça Floriano e prédios adjacentes, com a intenção de construir edifícios modernos, “dotados de cinemas, lojas, cafés, confeitarias, restaurantes, escritórios, em meio a novas atrações, como rinques de patinação” (3), objetivando recriar a Broadway de Nova Iorque nos anos de 1920. Serrador pensava em introduzir os primeiros arranha-céus na cidade e seu projeto inicial foi bastante ousado e ambicioso para a época. Previa um quarteirão com 3 teatros, 4 cinemas com 800 lugares cada, um hotel, 17 lojas, um rinque de patinação, um moderno parque de diversões, 9 ruas de acesso a ele, fonte luminosa, sala para escritórios e um imenso terraço ocupando toda a extensão dos prédios, para bares e restaurantes. A planta ficava exposta nas principais salas de cinema da Avenida Central. Apesar de ter sido considerado louco por tais ideias, seu sonho se concretizou em dimensões mais modestas: quatro cinemas, pequenas lojas em volta, salas de escritório e algumas lojas, por não ter encontrado investidores que acreditassem no projeto original (4).
A partir da década de 1930 outros teatros, cinemas, bares e restaurantes se concentraram nas proximidades, passando a praça e região a serem conhecidas como Cinelândia. O centro político e cultural, da cidade e do país, adquiriu outra representatividade como centro de lazer, no qual a indústria cinematográfica internacional teve significativa influência no modo de vida da população, ditando comportamentos e modismos reproduzidos e exibidos pela sociedade nos espaços públicos.
Até meados da década de 1950 a Cinelândia se manteve como pólo de lazer e cultura da cidade. Um dos fatores responsáveis pela intensa vitalidade local está associada ao aparecimento dos “arranha-céus” de múltiplos usos, que passavam a satisfazer também as necessidades de moradia.
A decadência
A área começou a entrar em decadência devido a diversos fatores, relacionados às transformações políticas, econômicas, sociais e urbanas. Estas últimas ligadas ao aparecimento e desenvolvimento de novas centralidades em outras áreas da cidade, como Copacabana, Tijuca, Catete e Méier, que passaram a oferecer os mesmos tipos de entretenimento, além de cultura e serviços, antes encontrados apenas no Centro da cidade. A entrada da televisão nas residências também contribuiu para a diminuição da frequência nos cinemas e para a deterioração desses espaços, por não precisarem mais atender de uma vez um grande número de pessoas.
Muitos cinemas fecharam e o desaparecimento de estabelecimentos comerciais tradicionais mais requintados, como cafés e casas de chá, frequentados por um público mais selecionado, em substituição por outros tipos de comércio – como tabacarias, bancos e bares –, levou a uma mudança do tipo de público que acabou modificando a relação da população com o local e com os espaços públicos.
A mudança da Capital Federal para Brasília, em 1960, representou mais uma contribuição ao processo de decadência do centro que, até aquele momento, já vinha sendo afetado pelo esvaziamento econômico e populacional provocado pelo surgimento das novas centralidades.
Nas décadas de 1960 e 1970, a cidade experimentou um movimento de intensa verticalização no centro e nos bairros correspondentes às novas centralidades, estimulado pelo período de desenvolvimento conhecido como “milagre econômico brasileiro”. Segundo Roberto Magalhães (5), esse processo foi realizado “às custas da demolição de grande parte do acervo arquitetônico do passado” e gerou debates sobre sua validade, envolvendo profissionais ligados à preservação, que se dividiam entre a corrente ligada ao modernismo e a ligada à preservação do patrimônio. No final da década de 1970, reações de inconformismo “contribuíram para a emergência de novos valores urbanísticos na cidade, mais ligados às ideias de preservação”.
Ainda assim, foi demolido o Palácio Monroe em 1976. O primeiro edifício oficial da Praça Floriano, inaugurado após a abertura da Avenida Central. Nesse período, o sistema metroviário estava sendo implantado na cidade e a estação da Cinelândia foi a segunda a ser construída, em meio a polêmica da demolição do edifício, localizado no traçado da linha, que foi desviada em vão para poupa-lo. Foi substituído pela Praça Mahatma Gandhi, liberando a vista para o Aterro do Flamengo. Mas a praça da Cinelândia sofreu perdas significativas em sua ambiência, onde foram desfiguradas sua qualidade estética dos tempos áureos, sua história e sua identidade.
Nas décadas de 1980 e 1990 se acentua o processo de decadência do centro da cidade com o agravamento das crises econômica, social e urbana. A deterioração dos espaços públicos foi causada: pela diminuição dos investimentos do poder público em manutenção, pela invasão de veículos devido à falta de locais para estacionamento e por sua ocupação pelo comércio ambulante e moradores de rua. Junto à falta de segurança, esses fatores representaram uma ameaça à imagem e identidade de áreas públicas como a Cinelândia, transformando a relação da população com esses espaços, que passaram a se configurar na maior parte do tempo em locais de passagem.
A ameaça da perda também econômica – já que a qualidade cultural da área possui um imenso potencial para o desenvolvimento de atividades relacionadas ao lazer, turismo e comércio –, resultou em ações a partir do início da década de 1980, como a do Corredor Cultural, responsável pela proteção do acervo arquitetônico, histórico e ambiental do Centro e que, especificamente na área da Cinelândia, impediu ações que a descaracterizassem ainda mais.
A retomada do espaço
Nos anos 2000, ocorreu uma mudança da qualidade do público, aumentando a frequência de estudantes, artistas e políticos, após investimentos em projetos que sinalizavam para a reversão do quadro de decadência, como a reforma do Cine Odeon, a construção da garagem subterrânea sob a Praça Mahatma Gandhi, a inauguração do Centro Cultural da Justiça Federal, a revitalização do Amarelinho e o crescimento das atividades ligadas à cultura.
A evolução da área se deu através do crescimento e adensamento do espaço construído, substituição das edificações e reformas do espaço público, que resultou em um grande mosaico constituído de peças de diferentes períodos, que comprometeu sua estética e ambiência. Atualmente a circulação de pessoas e o tipo de público são determinados pelos dias da semana e horários em relação às diferentes atividades ali desenvolvidas.
Apesar das medidas de preservação e revitalização, esse conjunto e seu entorno vêm sendo ameaçados pela falta de conservação e manutenção dos edifícios e espaços públicos. Os investimentos do Poder Público são ainda insuficientes e colaboram para a deterioração progressiva desse espaço. São necessárias ações para incentivar atividades que atraiam mais frequentadores e valorizem seu potencial econômico, cultural e turístico, ainda pouco explorado.
notas
1
SISSON, Rachel. Espaço e poder: os três centros do Rio de Janeiro e a chegada da Corte Portuguesa. Rio de Janeiro, Arco, 2008, p.84
2
MARANHÃO, Ricardo. Cinelândia: retorno ao fascínio do passado. Rio de Janeiro, Letra Capital, 2003, p. 30-31.
3
Idem, ibidem, p. 43.
4
MÁXIMO, João. Cinelândia: breve história de um sonho. Rio de Janeiro, Salamandra, 1997, p. 75.
5
MAGALHÃES, Roberto Anderson M. Preservação e requalificação do centro do Rio nas décadas de 1980 e 1990: A construção de um objetivo difuso. São Paulo, Unesp, 2002, p. 1.
sobre as autoras
Fernanda de Azevedo Ribeiro é arquiteta e urbanista pela UFF, Mestre e Doutoranda pelo PPGAU/UFF – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.