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my city ISSN 1982-9922

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O artigo busca narrar impressões sobre cinco obras religiosas modernistas de Brasília sob o olhar de uma arquiteta brasiliense ateia e como tais obras são apreendidas no olhar do local.

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REBELO, Marina. A arquitetura religiosa modernista de Brasília sob o olhar de uma arquiteta brasiliense ateia. Minha Cidade, São Paulo, ano 22, n. 258.01, Vitruvius, jan. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/22.258/8407>.


Catedral Metropolitana Nossa Senhora de Aparecida, Brasília, 1958. Projeto de Oscar Niemeyer e vitrais de Marianne Peretti
Foto Victor Hugo Mori


A história de Brasília foi constituída em cima de duas narrativas, a do imaginário da Terra Prometida e a da cidade construída sob as diretrizes de cidade moderna e planejada. Tendo em vista esse contexto, Brasília, capital de um país laico, foi inaugurada em 21 de abril de 1960, após aproximados quatro anos de construção. A cidade, símbolo do desenho urbano modernista, é objeto constante de elogios e críticas, mas trarei neste artigo a minha visão referente a cinco obras religiosas importantes da capital: a Catedral Militar Rainha da Paz, a Catedral Metropolitana Nossa Senhora de Aparecida, o Santuário São João Bosco, a Igreja Nossa Senhora de Fátima e a Ermida Dom Bosco.

Filha de arquitetos mineiros, desde que nasci, aqui em Brasília, vivenciei os espaços urbanos e obras arquitetônicas como forma de lazer aos fins de semana. Nossos roteiros eram diversos, mas quando recebíamos visitas, e como recebíamos visitas, o roteiro era um só: Eixo Monumental, Palácio da Alvorada, Unidade de Vizinhança e Ermida Dom Bosco. Era recorrente, também, durante a visita a Ermida, no pôr do sol, citar a história que Dom Bosco teria profetizado a existência dessa cidade ainda no século 19 e que tinha uma igreja na cidade com seu nome, lógico que todos pediam para conhece-la no dia seguinte.

Como ateia, é interessante perceber como esses grandes marcos na paisagem de Brasília são ao mesmo tempo máximas da arquitetura religiosa cristã e símbolos da arquitetura modernista brasileira da nova capital do nosso país laico.

Catedral Militar Rainha da Paz, Brasília, anos 1990. Arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Webysther [Wikimedia Commons]

Na parte alta do Eixo Monumental está locada a Catedral Militar Rainha da Paz, localmente conhecida somente por Rainha da Paz. Trata-se de um projeto de Oscar Niemeyer da década de 1990, o partido arquitetônico faz referência a uma tenda militar. A edificação pousa no terreno de forma singela ao mesmo tempo que é imponente com a grande cruz de concreto que marca a entrada e o eixo de simetria da obra. Na fachada posterior, virada para o Eixo, três grandes vitrais em forma de chama iluminam a igreja durante o dia e a noite, quando as luzes são acesas, parecem pegar fogo.

Na parte baixa no Eixo Monumental, abrindo a Esplanada dos Ministérios, está a Catedral Metropolitana Nossa Senhora de Aparecida, conhecida popularmente por Catedral, é, também, de autoria de Oscar Niemeyer e teve sua obra iniciada em 1958. A Catedral é um espaço interessante de se observar, muitos visitantes não entram, tirando fotos somente do exoesqueleto do edifício moderno, que nasceu de um único elemento: colunas curvas de seção variável. Os poucos visitantes que entram têm a grata surpresa que os espera após o túnel escuro, trata-se da visão do que eu especulo ser o paraíso para os fiéis, para mim é mais um belo exemplo da arquitetura de Niemeyer, arquiteto ateu e comunista, que concebeu, inicialmente, a Catedral para ser um templo ecumênico (1).

Catedral Metropolitana Nossa Senhora de Aparecida, Brasília, 1958. Projeto de Oscar Niemeyer e vitrais de Marianne Peretti
Foto Victor Hugo Mori

O interior da Catedral é de fato deslumbrante, eu não admito que alguém venha me visitar e vá embora sem antes aprecia-la. O interior, de pé direito monumental, além de presenteado pelos vitrais de Marianne Peretti, conta com as paredes côncavas de mármore branco. Estas paredes são um ponto turístico a parte, o número de pessoas que forma fila para verificar que dá mesmo para falar em uma ponta da Catedral e outra pessoa te ouvir a mais de 20 metros, como se você estivesse falando no ouvido dela, é grande. Já do lado de fora o que mais chama a atenção dos turistas não são as estátuas dos Evangelistas e sim a feira permanente, dos fins de semana, de flores secas, essa tem que ir.

Fora do Eixo Monumental, mas ainda próximo, temos o Santuário São João Bosco, na 702 Sul. É uma obra brutalista da década de 1970, com projeto de autoria do arquiteto Carlos Alberto Naves. A edificação se assemelha a Catedral em dois aspectos: a exterioridade física da estrutura e os vitrais. Seu sistema estrutural – anéis de tração e compressão, lajes e pilares – é conceitualmente um grande galpão quadrado de 40 metros com 16 metros de altura, são 80 pilares cujos vãos abrigam os belíssimos vitrais monumentais.

Santuário São João Bosco, Brasília, anos 1970. Projeto de Carlos Alberto Naves e vitrais de Humbert Van Doorne
Foto Enio Prado [Wikimedia Commons]

Sempre me cativou a surpresa nesse prédio. Quem vê de fora não imagina que aquela edificação de concreto aparente, escondida pelas árvores da W3 Sul, abriga uma arquitetura modernista tão magnífica. Ao adentrar nos deparamos com a luz, natural oriunda dos vitrais e artificial provida pelo grande lustre de 3,5 metros de altura e 9 mil elementos de vidro. Muitos associam a arquitetura do Santuário a das catedrais góticas, onde a verticalização está associada a transcendência e elevação do ser, para mim o Santuário nos faz ver como a arquitetura pode impactar a cidade e o dia a dia do local.

Apesar de apreciar a arquitetura do Santuário, para mim o especial mesmo são os vitrais. Os vitrais do Santuário Dom Bosco são de autoria de Humbert Van Doorne, pesam 12 toneladas com mais de 2 mil metros quadrados e são predominantemente da cor azul, com alguns tons de roxo e rosa. O valor artístico da obra ainda é agravado com a irregularidade natural dos vitrais, já que algumas peças são de vidro soprado, mostrando o poder que o homem tem de tocar um terceiro através da arte.

Igreja Nossa Senhora de Fátima, Brasília, 1958. Projeto de Oscar Niemeyer e painel de azulejos de Athos Bulcão
Foto Kiko Ferreira [Wikimedia Commons]

Seguindo pela W3 Sul, chegaremos na altura da 7, lá pegaremos o retorno e adentraremos no comércio local da 306/307 Sul, ao virar à direita vamos nos deparar a frente com a Igrejinha. A Igreja Nossa Senhora de Fátima, locada na entrequadra da 307/308 Sul, é conhecida por todos por esse singelo nome pois trata-se de uma pequena igreja, muitos a consideram uma capela. A Igrejinha, inaugurada em 1958, faz parte do conjunto urbano tombado a nível distrital (2) conhecido como Unidade de Vizinhança, tal conjunto representa aquilo que por muitos é tido como o modelo de urbanidade e viver pensado por Lúcio Costa para a cidade.

Novamente, temos a estrutura como partido arquitetônico e mais um projeto de Oscar Niemeyer. A cobertura da Igrejinha é uma laje em forma de triângulo isósceles, estruturada por cinco vigas simétricas apoiadas em 3 pilares similares de 8 metros de altura, pilares estes que se assemelham a trapézios com trecho inicial em arco de circunferência. O espaço da igreja está recuado, criando espaços públicos de sombra, de convivência e permanência do lado externo a igreja, ao mesmo tempo que ainda pertencentes a ela. No interior não temos vitrais, mas belas pinturas de Francisco Galeno, aluno de Alfredo Volpi. Volpi foi o artista que pintou os afrescos da igreja que foram cobertos com pintura na década de 1960. As fachadas da igreja também são presenteadas por outra obra, azulejos do artista Athos Bulcão.

O mais interessante da edificação é que ela tem capacidade para 60 pessoas, mas celebra missas e cerimônias para centenas, justamente porque ela representa, ao mesmo tempo que um ponto turístico internacionalmente conhecido, um símbolo de localidade e encontro entre vizinhos e brasilienses. É lindo de ver as pessoas ocupando o entorno adjacente.

Mas além da edificação, outro ponto de igual importância e de parada obrigatória é a carrocinha de cachorro-quente que fica na entrada da SQS 307, popularmente conhecida como ‘Dog da Igrejinha’, é o cachorro-quente mais famoso da cidade. Eu, mesmo não morando na Asa Sul, sempre passo lá.

Ermida Dom Bosco, Brasília, 1957. Arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Vitoria Silva [Wikimedia Commons]

Finalizando o roteiro – não tão – religioso, temos a Ermida Dom Bosco, ou somente Ermida para os íntimos. Pela localização, no final do Lago Sul, a Ermida é lugar que converge vários públicos, àqueles que moram no Altiplano Leste, Lago Sul e Paranoá e vão curtir o lago, àqueles que chegam de lancha e atracam no deck e àqueles que querem visitar a capela dedicada ao ‘padroeiro da cidade’. Construída em 1957, a capela modernista, de autoria de Oscar Niemeyer, virou coadjuvante com a implementação do Parque Ecológico Dom Bosco. O Parque é uma área, às margens do lago, de preservação da fauna e flora do Cerrado com 131 hectares.

Utilizamos o local para realização de trilhas ecológicas e piqueniques, para andar de skate e entrar no Lago Paranoá e, claro, para apreciar o pôr do sol, olhando em direção ao Palácio da Alvorada que fica na margem à frente. O final de tarde na Ermida é um clássico brasiliense, fora do Plano Piloto.

Brasília é a imagem do meu quintal, não é laico e nem popular, mas é meu.

notas

1
IZAR, Gabriela. Espacialidade e constituição do sujeito: estudo de três catedrais. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, 2003.

2
Decreto nº 30.303, de 27 de abril de 2009.

sobre a autora

Marina Nascimento Rebelo é arquiteta e urbanista, mestranda em Patrimônio e Preservação pela FAU UnB.

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