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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O artigo propõe uma análise da produção arquitetônica contemporânea e como ela tem incluído o local, investigando quais as relações com a comunidade que elas têm estabelecido, por uma revisão a partir da crítica de arte contemporânea.

english
The article proposes an analysis of contemporary architectural production and how it has included the place, investigating what relationships with the community they have established, through a review based on contemporary art criticism.

español
El artículo propone un análisis de la producción arquitectónica contemporánea y cómo ha incluido el lugar, indagando qué relaciones con la comunidad han establecido a través de una revisión basada en la crítica de arte contemporáneo.

how to quote

FARACO, André Frota Contreras. Arquitetura contemporânea e comunidade. O Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou de Renzo Piano e a prática do Al Borde em Puerto Cabuyal. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 266.03, Vitruvius, set. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.266/8620>.


Escola de Puerto Cabuyal, Manabí, Ecuador, 2009. Arquitetos Pascual Gangotena, David Barragan, Marialuisa Borja e Esteban Benavides / Al Borde
Elaboração André Frota Contreras Faraco, 2022


Com a crescente homogeneização a níveis local e global impulsionada pelas políticas neoliberais e a promoção da cidade por meio da publicidade, a arquitetura tem servido como “cenário para mercadorias maravilhosas e como a mais bela das mercadorias”, mas que precisa de um toque local para embasar seus edifícios (1).

Em contraponto, emergiu a arte site-specific, que coloca o lugar como protagonista. O site não é só um lugar, é uma história, uma causa, um grupo. Somente práticas culturais que transformam encontros locais em compromissos de longa duração e intimidades passageiras em marcas sociais permanentes são capazes de impedir que a sequência de lugares que habitamos durante a vida não se torne generalizada em serialização indiferenciada (2).

Assim, este artigo propõe uma análise da produção arquitetônica contemporânea e como ela tem incluído o local, investigando quais as relações com a comunidade (3) que elas têm estabelecido (4), por uma revisão a partir da crítica de arte contemporânea, num viés investigativo possibilitado pelo conceito de campo ampliado da arquitetura — englobando a paisagem, a natureza, o site, o urbanismo e a arte (5). Para isso, estudou-se os casos do projeto para o Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou, na Nova Caledônia, do arquiteto Renzo Piano, e a prática do escritório Al Borde em Puerto Cabuyal no Equador.

Renzo Piano é hábil: mediante o refinamento no uso dos materiais, auxilia a consolidar seus edifícios em locais específicos; mediante a sofisticação da engenharia, associa seus projetos ao mundo contemporâneo global. Piano é guiado por sua noção de peça: um componente estrutural repetido de um edifício deixado à vista que dá uma noção de construção em seu conjunto e ajuda o usuário a dimensionar o edifício em relação ao local, conferindo clareza tectônica, podendo até ter significado metafórico (6).

Em 1991, o arquiteto participou do concurso promovido pelo governo da Nova Caledônia (7), para um centro da cultura Kanak, povo nativo explorado e escravizado, denominado Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou, buscando também amenizar conflitos étnicos presentes no país (8). Piano concebeu o espaço em dez pavilhões com paredes curvas feitas de ripas de madeira, numa estrutura sofisticada e tecnológica, dispostos como uma aldeia; os pavilhões remetem às cabanas, às palmeiras, às velas de barcos e ao tradicional artesanato local (9). Porém, a sofisticação tecnológica das estruturas do Centro concluído em 1998 é executada em material importado, e essa desconexão expõe a tensão entre a identidade local e global (10).

Pavilhão do Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou, Nova Caledônia, 1998. Arquiteto Renzo Piano
Elaboração André Frota Contreras Faraco, 2022

O Al Borde (11) busca se conectar à realidade local. Sua prática é motivada pela interface com as comunidades, integrando as pessoas no processo de projeto por meio de ações colaborativas. A incorporação dos elementos existentes no contexto de um projeto é ferramenta imprescindível para a equipe.

O trabalho do Al Borde ganhou destaque na prática com a população caiçara de Puerto Cabuayal, Equador. O escritório foi convidado a projetar uma escola em 2009. Os primeiros desafios do projeto foram o orçamento enxuto e a escolha dos materiais: a equipe planejava o uso de materiais reciclados, porém, a população vive da pesca, do cultivo da terra e do escambo, ou seja, não produz resíduos. Por fim, utilizaram-se materiais que a população já usava, como madeira, bambu e palha da região. Restringiu-se aos arquitetos a concepção do espaço (12).

O escritório foi convidado novamente pela população em 2011 e 2013. A equipe testemunhou os resultados do envolvimento nos projetos anteriores, deparando-se com uma casa construída por um pescador concebida a partir das experiências com o escritório. Dessa maneira, o escritório decidiu trabalhar com a população local como uma escola de arquitetura, ensinando-a abordagens para projetos arquitetônicos. Eles desenvolveram oito oficinas com dezesseis moradores (13).

Revisão a partir da ocupação e recuperação de espaços

Para compreender a maneira que o ser humano vivencia e percebe as realidades no processo mental de espacialização, há uma disputa para ocupar o espaço mental, com a introdução de elementos que produzem reequilíbrio das relações mentais e provocam efeito sobre o comportamento humano. A leitura do espaço e os processos entrelaçados que conectam os sistemas nervosos encontram limitações sociais, como a noção da propriedade privada e as fronteiras e divisões de territórios. Estes fatos são fundamentais para traçar diretrizes de ocupação do espaço, que terá que lutar contra imagens artificiais (que constituem os meios de expressão da visão de um lugar mais difundido por meio do marketing), que são os cenários espetaculares à serviço do capitalismo global (14).

As transformações da realidade social requerem a transformação de espaços cuja distribuição foi projetada por decisão político-econômica, que tem produzido cidades desiguais (15). O Centro Cultural de Piano, ao invés de ocupar e recuperar um espaço de celebração da cultura nativa Kanak, reforça, como uma imagem artificial, a realidade social: da mesma maneira que o povo Kanak foi explorado e escravizado no passado pelo colonialismo europeu sendo colocado à margem da sociedade e cultura ocidental, a solução para um Centro Cultural que seria para celebração de sua cultura vem de um arquiteto europeu num projeto concebido sem nenhuma participação do povo Kanak, com materiais e soluções importadas. Ou seja, acirram-se os conflitos culturais e étnicos e frisa-se as divisas entre o povo colonizado e o colonizador, com um espaço projetado pelo uso da força político-econômica.

Não se defende aqui o isolamento dos territórios, mas são importantes a autonomia territorial e a crescente dinamização de uma comunidade sobre suas trocas com os outros territórios. Com isso, a prática do Al Borde em Puerto Cabuyal, apesar de haver a integração com a população local, mantém a condição de isolamento do local, uma vez que se limitou apenas ao ensino de um ofício por parte do escritório.

Revisão a partir da estética relacional

O trabalho de arte deve funcionar como um dispositivo relacional, proporcionando modos de interação social — uma experiência estética relacional. Essa prática demonstra uma preocupação com a democracia, uma vez que são as atividades que se tornam formas. Portanto, a produção de gestos é mais importante que a produção de coisas materiais (16). O interesse é encontrar soluções para melhor habitar o mundo.Em contraponto, Bishop elucida que para manter uma sociedade democrática em pleno funcionamento, deve-se sustentar as relações de conflito e o debate (17).

Dessa maneira, a prática da estética relacional acaba produzindo comunidades cujos membros identificam-se uns com os outros porque têm algo em comum, com aproximação apenas entre iguais. E aí está a sua ingenuidade, como é o caso da prática do Al Borde, que, apesar de integrar as pessoas no processo de projeto, ela se restringe ao participantes locais. Portanto, leva a considerar que não há relação de conflito. Restringe-se a uma melhoria na maneira de habitar e utilizar os espaços fechados da comunidade, não havendo uma transformação social, uma vez que a comunidade continuou na sua situação de isolamento, mantendo-se à margem da sociedade equatoriana.

Revisão a partir do trabalho com a comunidade

Nos anos 1990, houve uma quebra na implicação de que os arquitetos e designers são os elos entre arte e espaços urbanos, emergindo um protagonismo e autoridade da comunidade, cujo engajamento é parte importante da linguagem estética. Este novo tipo de arte pública tem aspiração política de democratização, envolvendo o público na produção, com a finalidade de que a arte possa estar integrada ao cotidiano (18).

A partir disso, há um deslocamento por parte dos projetos dos artistas, que não se referem só ao local (sites), mas também a questões que são de interesse comum para eles e para as comunidades. Ao invés de uma abordagem das condições físicas, o objetivo passa a ser o engajamento das preocupações daqueles que ocupam um determinado local entendido como um grupo de pessoas que compartilham algum senso de comunidade (19).

Comunidades podem ser classificadas da seguinte maneira: comunidade mítica, onde a diversidade e a diferença são enfatizadas apenas na medida em que podem ser superadas por um princípio ou tema comum de unificação; comunidade situada, em que há o emparelhamento com organizações já existentes, e o artista define o tema e escolhe a comunidade que se encaixa dentro do seu projeto, de maneira que o papel da comunidade é quase incidental; comunidade ocasional, que a organização comunitária é recém-constituída e tornada operacional através da coordenação do próprio trabalho de arte, havendo uma grande dependência do projeto de arte, limitando severamente o tempo de vida, o significado e a relevância social da comunidade; comunidade em formação, em que o trabalho de arte serviu como meio para a organização comunitária, criando alianças de vizinhanças e de voluntários, contribuindo para a sustentabilidade da comunidade (20).

Sobre a atuação do Al Borde em Puerto Cabuyal, não há evidência de uma formação de comunidade. Apesar da população local estar excluída sistematicamente de processos políticos e culturais, não se formou qualquer tipo de coalizão para combater processos de exclusão e viabilizasse a luta pelos direitos sociais e reconhecimento social. Não foi possível identificar quais os membros da população local participaram do trabalho. Portanto, não é possível enquadrar esta atuação dentro dos critérios analisados. Em segundo lugar, há uma contradição por parte do engajamento do Al Borde, já que o escritório foi convidado a atuar nos três momentos em que estiveram presentes no local. Pode-se entender que não houve um projeto estratégico, inviabilizando qualquer tipo de formação da comunidade no engajamento num processo de criação de suas próprias representações culturais. A atuação do Al Borde em Puerto Cabuyal é limitada ao contexto local ligado às realidades físicas: o uso de materiais e técnicas construtivas encontrados na região.

Não é possível afirmar que a atuação do Al Borde é um trabalho com a comunidade, mas partilha dos mesmos problemas, pois pode inadvertidamente contribuir na colonização da diferença. No caso, parece que contribui para a condição do escritório ser o detentor do saber e da população não saber. Algumas maneiras pelas quais os trabalhos abordam problemas sociais ou se envolvem economicamente, politicamente e culturalmente com grupos marginalizados enfatizam a primazia da transformação pessoal como medida de sucesso, naturalizando as condições sociais de pobreza e marginalização (21). Vê-se que houve entusiasmo por parte do Al Borde ao encontrar uma casa de um morador local que foi construída com base nas experiências praticadas nos primeiros contatos do escritório. Isso parece denotar que, ingenuamente, o escritório acredite justamente na transformação pessoal.

Ao facilitar a produção de autorretratos comunitários de cunho empoderador, aquele que trabalha com a comunidade pode legitimar a presunção de que a causa dos problemas sociais repousa em indivíduos culturalmente privados, e não com as condições sistêmicas e estruturais dos mercados de trabalho capitalistas, da hierarquia social estratificada e da distribuição desigual da riqueza (22).

Considerações

Na medida que o espaço do capital tende à homogeneidade, um novo espaço não pode nascer a menos que as diferenças fiquem acentuadas; o exponencial crescimento e transformação do capitalismo eliminou as distinções das diferenças culturais locais, e a particularidade dos lugares está sendo continuamente homogeneizada, generalizada e mercantilizada para acomodar melhor a expansão do capitalismo via abstração do espaço. Fica claro que a arquitetura de Piano na Nova Caledônia, como uma tentativa de amenizar conflitos étnicos presentes no país e eliminação das diferenças, viabiliza um cenário de atração de negócios para o mercado e de acomodação do país periférico como ponto de expansão do capitalismo.

Nesse contexto, fica evidente que há um certo romantismo tanto na consideração de um local relacionando apenas as suas realidades físicas que sempre existiram e não possibilitar a introdução de novas formas, quanto na defesa do potencial libertador que pode proporcionar a desterritorialização do local.

Mas o trabalho com comunidade também pode funcionar como uma espécie de engenharia social atenuante para desmobilizar as tensões da comunidade e desviar a insatisfação legítima que certos grupos sentem em relação à distribuição dos recursos sociais, culturais e econômicos existentes. Portanto, a atuação do Al Borde em Puerto Cabuyal, além de manter a condição de isolamento da população local, por não mobilizá-la em busca de seus direitos, pode ser considerada um atenuante com a produção de relações harmoniosas, não havendo transformação social dos envolvidos. O que torna cada vez mais difícil o controle da generalização da vida e da serialização indiferenciada.

notas

1
FOSTER, Hal. Complexo arte-arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2015.

2
KWON, Miwon. One place after another — site-specific art and locational identity. Cambridge, Massachusetts Institute of Technology, 2002.

3
É imprescindível frisar que o termo comunidade adotado neste trabalho está associado a grupos sociais desprivilegiados que foram excluídos sistematicamente dos processos políticos e culturais que afetam, podendo definir coalizões de pessoas que buscam combater tais processos de exclusão e repressão exigindo coletivamente direitos iguais, maior reconhecimento social, apoio econômico e poder político, conforme KWON, Miwon. Op. cit.

4
Este trabalho reúne as questões levantadas nos debates acerca da arquitetura e arte contemporâneas ao longo do curso da disciplina Arte Espaço Cidade, cursada em 2018 no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos da Universidade de São Paulo.

5
VIDLER, Anthony. O campo ampliado da arquitetura. In SYKES, A.K. (org.). O campo ampliado da arquitetura. São Paulo, Cosac & Naify, 2013, p. 243–251.

6
FOSTER, Hal. Op. cit.

7
Arquipélago na Oceania colonizado, principalmente, por franceses.

8
LANGDON, David. Clássicos da Arquitetura: Centro Cultural Jean-Marie Tjibau/ Renzo Piano. Archdaily, São Paulo, 2016 <https://bit.ly/2Tf3lyO>.

9
FOSTER, Hal. Op. cit.

10
LANGDON, David. Op. cit.

11
Escritório de arquitetura sediado em Quito, Equador. São os responsáveis pelo escritório: Pascual Gangotena, David Barragan, Marialuisa Borja e Esteban Benavides.

12
KLOPPENBURG, Joanna. Al Borde Arquitectos on Practcing Life Through Architecture. Architizer, Nova York, 2016 <https://bit.ly/3MYYdZg>.

13
Idem, ibidem.

14
GELLER, F [2014]. Reclaiming Spaces. In HERBST, Steirischer; MALZACHER, Florian (org.). Truth is concrete: a handbook for artistic strategies in real politics. 2nd edition. Berlin, Sternberg Press, 2014.

15
Idem, ibidem.

16
Idem, ibidem.

17
BISHOP, Claire. Antagonismo e estética relacional. Tatuí, v. 12, Recife, jan. 2012, p. 109–132 <https://bit.ly/3FbfKeI>.

18
KWON, Miwon. Op. cit.

19
Idem, ibidem.

20
Idem, ibidem.

21
Idem, ibidem.

22
Idem, ibidem.

sobre o autor

André Frota Contreras Faraco é arquiteto e urbanista (Unimep) e mestrando em Arquitetura e Urbanismo (IAU USP). Pesquisador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos de Linguagem em Arquitetura e Cidade, membro do Icomos Brasil e presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santa Bárbara d’Oeste (fev. 2021–mar. 2022).

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