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português
Este artigo traz à luz as reais chances de competitividade entre entes públicos e privados, posto a intenção estatal de se posicionar como desenvolvedor imobiliário através de suas legislações, em especial do consórcio imobiliário.
english
This paper brings to light the real chances of competitiveness between public and private entities, given the state's intention to position itself as a estate developer through its legislation, especially the real estate consortium.
español
Este artículo trae a la luz las posibilidades reales de competitividad entre entidades públicas y privadas, dada la intención del Estado de posicionarse como un promotor inmobiliario a través de su legislación, en especial el consorcio inmobiliario.
STEPHANO, Natasha; LOURO E SILVA, Hugo. O Estado como desenvolvedor imobiliário. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 266.02, Vitruvius, set. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.266/8621>.
Após pesquisa para desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso na pós graduação lato sensu em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie sobre os terrenos que receberam notificação do município de São Paulo avaliados como adequados para receber o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios — Peuc, através do denominado Consórcio Imobiliário no Plano Diretor Estratégico de 2014 (1), a pesquisadora identificou alguns pontos de debate pertinentes ao contexto do periódico Minha Cidade.
Com o intuito de gerar alternativas comerciais através de instrumentos de política urbana para estimular interações dos proprietários de terrenos a realizarem parcerias com a Prefeitura Municipal de São Paulo, ao invés de entes privados tradicionais.
O trabalho inicial se concentrou em analisar a não utilização dos instrumentos de política urbana no município de São Paulo de forma ativa e discorreu sobre uma análise mais aprofundada da região da Santa Cecília, um dos bairros centrais do município de São Paulo que apresenta grandes dificuldades para revitalização, principalmente na região da denominada “Cracolândia”.
Para além dessas questões, esse artigo traz à luz as reais chances de competitividade entre esses entes públicos e privados, posto a intenção estatal de se posicionar como desenvolvedor imobiliário genuíno através de suas legislações recentes.
O Instrumento
O Peuc criado através do Plano Diretor Estratégico de 2014 — PDE 2014 é, em suma, uma ferramenta para garantir o acesso ao poder público a terrenos urbanos de propriedade privada, criando instrumentos para, em tese, combater o que se refere a especulação imobiliária.
Destacados na lei que sua utilidade é para imóveis que não estejam cumprindo sua função social, ou seja, imóveis não edificados, subutilizados e não utilizados no município, desde logo no início do texto da lei, estabelece que essa classificação deve ser feita com base em critérios que permitam enquadrar o imóvel em uma das três situações discriminadas no Estatuto da Cidade, a saber, os
Como previsto no Estatuto da Cidade a ferramenta de pressão financeira utilizada pelo poder público — em esfera municipal — para que os proprietários se movimentem comercialmente para desenvolvimento imobiliário dessas áreas é a aplicação de um Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana — IPTU, progressivo no tempo e a desapropriação através de Sanção Pública.
Após notificação pela Prefeitura, o proprietário do imóvel tem o prazo de até um ano para apresentar um projeto para imóvel à municipalidade e até dois anos para iniciar as obras, além de cinco anos para ter concluído as obras desse projeto apresentado. Em complemento, no caso dos imóveis classificados como não utilizados, o proprietário terá o prazo de até um ano para dar uso ao imóvel.
Após cinco anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo, a Prefeitura poderá realizar desapropriação através de sanção, ou seja, uma desapropriação mediante pagamento em títulos de dívida pública, precificando ao valor de aquisição no valor venal do imóvel e não abatendo a eventual dívida de IPTU desse período, onde
“Esses títulos requerem prévia aprovação pelo Senado Federal e poderão ser resgatados em dez prestações anuais e sucessivas, a partir do momento em que se der a desapropriação. Portanto, a Desapropriação Mediante Pagamento em Títulos da Dívida Pública é diferente das outras formas de desapropriação, na qual o pagamento ocorre através de “prévia e justa indenização em dinheiro” (3).
Estes instrumentos de política urbana para cumprimento da função social da propriedade urbana, também se encontram devidamente regulamentado pelo Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei n. 16.050, art. 90–102), pelos Planos Regionais, pela Lei n. 15.234/10, pelo Decreto n. 55.638, de 30 de outubro de 2014, Decreto n. 56.589, de 10 de novembro de 2015, além do Decreto n. 57.562, de 22 de dezembro de 2016.
A estratégia
A estratégia adotada pela legislação vigente estabelece como prioridade a notificação de imóveis ociosos que estão situados nos seguintes perímetros: Operação Urbana Centro — OUC, Zonas de Especial Interesse Social — Zeis n. 2, 3 e 5, áreas em Eixos de Estruturação da Transformação Urbana — ZEU, nos perímetros das Operações Urbanas Consorciadas, incluindo os perímetros expandidos, nos perímetros das Subprefeituras da Sé e da Mooca, nas Macro áreas de Urbanização Consolidada e de Qualificação da Urbanização, na Macro área de Redução da Vulnerabilidade Urbana, exclusivamente para glebas ou lotes com área superior a 20.000m² , em todas as áreas do perímetro urbano, nas quais não incide o IPTU, ressalvadas as áreas efetivamente utilizadas para a exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial e as exceções previstas nos artigos. 92 e 94 do PDE 2014, em complemento,
“A identificação de imóveis ociosos, notificados ou não, é um indicador eficaz para se identificar regiões da cidade propícias ao reordenamento territorial. Assim, acaba por motivar a elaboração de estudos para os Projetos de Intervenção Urbana — PIU, vocacionados justamente ao‘maior aproveitamento da terra urbana e o consequente aumento nas densidades construtivas e demográficas, implantação de novas atividades econômicas, emprego, atendimento às necessidades de habitação e de equipamentos sociais para a população’, como prevê o artigo 134 do PDE. Deste modo é possível a construção de um procedimento sustentável administrativamente, efetivo, capaz de garantir que gradativamente nenhum imóvel na cidade de São Paulo esteja isento de cumprir sua função social, encerrando um perverso ciclo de (re)produção do espaço urbano” (4).
Sob o ponto de vista do desenvolvimento imobiliário, o solo urbano é um ativo finito nas grandes metrópoles, especialmente nas regiões centrais e com maior infraestrutura, assim a busca por uma reurbanização e instrumentos que possam gerar maior e melhor aproveitamento do espaço torna-se um desafio constante.
A denominada região central do município de São Paulo já possui uma infraestrutura desenvolvida, apesar disso apresenta vazios urbanos como consequência direta do modo de expansão da cidade por loteamentos descontínuos, sendo possível identificar esses vazios formados por terrenos de pequeno, médio e até de grande porte.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo, na publicação Capacidades, pondera que
“Um dos grandes desafios das cidades é planejar seu crescimento com sustentabilidade para que as pessoas tenham suas necessidades básicas atendidas e possam viver com qualidade de vida. Para que possamos atingir esses objetivos, não basta ter recursos em abundância e bons projetos, mas, também, instrumentos modernos que ajudem na promoção do desenvolvimento urbano. Mas estudos realizados por vários grupos de pesquisa sobre a implementação dos Planos Diretores Participativos mostraram que os instrumentos, apesar de previstos em muitas leis municipais são, de fato, pouco regulamentados e aplicados. Exemplo disso é o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios — Peuc, praticamente ainda inexplorado pela grande maioria dos municípios” (5).
A eleição dessa região para análise se deve pelas potencialidades que apresenta tendo características de importância histórica convivendo com a ocupação de estamentos sociais mais desfavorecidos em termos econômicos e, ainda, com interesse recente pela produção imobiliária de iniciativa privada, conforme Louro e Silva (6).
O consórcio
Além dos aqui descritos, um outro instrumento previsto no PDE 2014 pelo artigo 102, permite que a Prefeitura realize Consórcios Imobiliários para fins de viabilizar financeiramente o aproveitamento dos imóveis sujeitos ao PEUC, sejam eles notificados ou não. Ainda, a saber,
“§ 2º O proprietário que transferir seu imóvel à Prefeitura para a realização de consórcio imobiliário receberá, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas com valor correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras de urbanização e edificação. Ou a Prefeitura pode parcelar o imóvel e o proprietário receber parcelas do terreno com valor correspondente ao valor do imóvel antes das obras realizadas” (7).
Esse instituto tal como coloca o PDE 2014, propõe-se de modo abrangente, isto é, não faz qualquer distinção quanto ao direcionamento do imóvel para uso residencial ou não residencial, tampouco se para Habitação de Interesse Social — HIS, Habitação de Mercado Popular — HMP ou qualquer outra destinação. Apesar disto, vale saber a existência da Lei n. 16.377, de 2 de fevereiro de 2016, que busca criar dentro da figura do consórcio imobiliário um recorte específico para o segmento de uso residencial e ainda mais restrito a HIS, sabendo que
“Ela estabelece como prioridade a produção de HIS (Habitação de Interesse Social), de forma a colaborar também com a redução do “déficit” de moradia para a população com renda de até três salários-mínimos. Outras tipologias (inclusive o não-residencial) são admitidas nos consócios, mas apenas na parcela que caberá ao proprietário, como forma de ressarcimento pelo terreno. Além disso, a Lei estabelece um processo de chamamento público, quando então os interessados farão suas ofertas de consórcio, e a Prefeitura definirá de maneira transparente e criteriosa aquelas que são mais vantajosas e viáveis para a política urbana municipal” (8).
Sabendo que recentemente a produção de HIS e HMP desenvolvida pela iniciativa privada tem grande destaque no número de unidades habitacionais produzidas por esse ente (9), o ambiente concorrencial por acesso ao solo urbano para a produção imobiliária se apresenta tencionada.
De um lado, o ente privado detém opções de acesso a capital necessárias para essa atividade de capital ostensivo. De outro, o ente público detém a legislação acima descrita para criar o ambiente necessário para o desenvolvimento imobiliário através da produção estatal.
A prática
As primeiras notificações foram feitas em 2014, após o levantamento elaborado pela Prefeitura. Desde então até a presente data desse artigo, foram notificados aproximadamente 1.800 imóveis, segundo o último relatório disponibilizado pela Prefeitura.
“Em 2013, a Prefeitura criou o Departamento de Controle da Função Social da Propriedade — DCFSP, que se tornou responsável, dentre outras ações, pela identificação dos imóveis ociosos, aplicação dos instrumentos indutores da função social e acompanhamento do cumprimento das obrigações pelos proprietários. A criação de um departamento específico busca garantir que aplicação do Peuc em São Paulo ocorra de forma criteriosa e sistemática, isto porque além das raras experiências de aplicação deste instrumento em outras cidades brasileiras, seu objetivo final não é a punição, mas sim a indução do uso adequado do imóvel pelo seu proprietário” (10).
Baseado na lista de imóveis notificados em virtude do descumprimento da função social da propriedade, a situação dos 1.746 imóveis notificados se apresenta da seguinte forma: 1.138 imóveis estão esperando cumprimento de obrigações, 360 apresentaram alvará de execução ou equivalente, 163 cumpriram obrigações (comprovaram uso, finalizaram obra, deferimento de petição), 78 notificações foram canceladas através de deferimento de petição e recurso, sete notificações foram canceladas judicialmente.
Em outros números, 65,18% dos imóveis estão esperando cumprimento das obrigações, 20,62% apresentaram alvará de execução ou equivalente, 9,34% cumpriram obrigações (comprovaram uso, finalizaram obra ou obtiveram deferimento de petição), 4,86% tiveram notificações canceladas judicialmente ou obtiveram deferimento de petição e recursos.
A partir dos dados coletados na planilha da lista de imóveis notificados, podemos observar que a participação mais ativa na notificação dos imóveis ocorreu nos anos de 2015 com 39% e 2016 com 32%.
Em suma, passados sete anos das primeiras notificações, empiricamente observamos que a grande maioria dos imóveis continuam com as mesmas atividades subutilizadas.
Esta análise dos resultados nos indica que pode parecer não ser suficiente apenas a existência dos instrumentos legais.
Considerações
Após análise e reflexão sobre o tema dos instrumentos de política urbana contidos no PDE 2014, é possível concluir que eles tiveram um grande avanço na sua aplicação na cidade de São Paulo ao longo dos anos, porém ainda existe um grande potencial a ser explorado.
Nesse sentido, seria importante que a municipalidade criasse mecanismos de incentivo aos proprietários dos imóveis para aplicação de tais instrumentos, sobretudo para pessoas com baixa inserção no mercado imobiliário formal e pouca expertise para a estruturação de operações imobiliárias, além daquele desenvolvimento com baixo poder aquisitivo para contratar equipes profissionais com experiência no segmento, como desembaraços jurídicos, estruturação de negócios e aprovação de projetos técnicos adequados.
A maior parte dos imóveis que incidem o Peuc são imóveis de pequeno e médio porte. Além disso, a região apresenta fortes restrições, como baixo coeficiente de aproveitamento, gabarito de altura desfavorável e envoltórias de tombamentos. Todos estes fatores refletem no baixo valor agregado para estimular a criação de novos empreendimentos nessa região.
Isso se torna ainda mais visível quando analisamos os dados apresentados na planilha de imóveis notificado, especialmente na região da Santa Cecília que apresenta uma quantidade enorme de estacionamentos como imóveis notificados, pode-se observar que os imóveis que apresentaram projetos e tiveram alvará de aprovação e execução emitidos, foram para projetos Não Residenciais — nR de pequeno porte, o que demonstra a não atratividade dos instrumentos para incentivar produção de habitação na região central de São Paulo.
Vale ressaltar que apesar da emissão dos alvarás, os estacionamentos continuam em funcionamento, o que nos faz refletir se essa estratégia seria apenas para driblar o pagamento do IPTU progressivo ou sobre real interesse em ativar os imóveis para cumprimento da função social.
Refletindo de como o consórcio imobiliário seja utilizado de forma efetiva, é necessário aumentar a atratividade do instrumento, apresentando alternativas que se justificam através dos ganhos que a cidade terá com a reinserção sustentável do imóvel no meio urbano, econômica e ambientalmente.
O caminho para a melhoria de cenário produtivo urbano passa pela equalização entre as atividades dos entes públicos e privados que abarcam, respectivamente, a representação dos interesses da sociedade e, de outro, a capacidade de produção.
notas
1
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Lei Municipal n. 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e revoga a Lei n. 13.430/2002. São Paulo, Câmara dos Deputados, 31 jul. 2014, art. n. 96; 102.
2
SECRETARIA MUNICIPAL DE URBANISMO E LICENCIAMENTO. Função Social da Propriedade. Parcelamento, edificação e utilização compulsórios em São Paulo. Prefeitura Municipal de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 9.
3
Idem, ibidem, p. 16.
4
Idem, ibidem, p. 18.
5
DENALDI, Rosana; CAVALCANTI, Carolina Baima; SOUZA, Claudia Virginia Cabral de (org.). Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e IPTU progressivo no tempo: caderno técnico de regulamentação e implementação. Volume 2. Coleção Cadernos Técnicos de Regulamentação e Implementação de Instrumentos do Estatuto da Cidade. São Paulo, Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos/Programa Nacional de Capacitação das Cidades e Universidade Federal do ABC, 2015, p. 16.
6
LOURO E SILVA, Hugo. A produção imobiliária contemporânea: região central de São Paulo entre 2007 e 2014. Dissertação de mestrado. São Paulo, PPGAU FAU Mackenzie, São Paulo, 2015.
7
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Op. cit., art. 102, § 2º.
8
SECRETARIA MUNICIPAL DE URBANISMO E LICENCIAMENTO. Op. cit., p. 17.
9
LOURO E SILVA, Hugo. Estado, mercado e a produção imobiliária residencial de São Paulo, 2014–2018. Tese de doutorado. São Paulo, PPGAU FAU Mackenzie, 2020.
10
SECRETARIA MUNICIPAL DE URBANISMO E LICENCIAMENTO. Op. cit., p. 17.
sobre os autores
Natasha Stephano é arquiteta e urbanista pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2010) e pós-graduada em Arquitetura, Cidade e Desenvolvimento Imobiliário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2020). Atua há mais de dez anos na administração pública, com ênfase em programas de fomento habitacional.
Hugo Louro e Silva é doutor, mestre e graduado em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Diretor de Engenharia e Obras da SP-Urbanismo e professor convidado nos Programas de Pós-graduação lato sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Nesta última é coordenador do curso de Empreendimentos Imobiliários.