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português
Enfoca a praça João Clímaco, movido por sua invisibilidade no Centro de Vitória, objetivando o reconhecimento de seus valores paisagísticos e patrimoniais, referenciando-se na história e na teoria do paisagismo.
english
Focusing João Clímaco Square, regarding its invisibility in Vitória Downtown, this article aims the recogntion of the landscape and memorial values of this square, substantiated by the landscape history and theory.
español
Se centra en la plaza João Clímaco, impulsada por su invisibilidad en el Centro de Vitória, con el objetivo de reconocer sus valores paisajísticos y patrimoniales, refiriéndose a la historia y teoría del paisajismo.
LORDELLO, Eliane. Praça João Clímaco, Vitória ES. Entre a historicidade e a invisibilidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 266.01, Vitruvius, set. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.266/8623>.
Situando a praça João Clímaco na atualidade
A praça João Clímaco está situada no Centro de Vitória, na sua parte mais conhecida como Cidade Alta, estando no entorno do Palácio Anchieta.
A praça faz divisa com o largo do Palácio, em sua parte alta, e com a rua Nestor Gomes, em sua parte baixa. Em ambos os níveis, a praça é ladeada por estacionamentos.
Amplamente sombreada, a praça constitui um maciço verde entre o largo do Palácio e a rua Nestor Gomes, sendo sua divisa com este último logradouro mais aberta, mais luminosa, deixando transparecer a rua.
O problema que nos move a tratar desta praça como objeto deste texto é a constatação de sua invisibilidade como espaço público atualmente na Cidade Alta. Em diferentes horários do dia, e em diversos dias da semana, pudemos observar que a praça está sempre vazia, sendo eventualmente ocupada por moradores de rua que se abrigam sob o seu coreto. Diante dessa realidade, nosso objetivo é dar visibilidade à praça João Clímaco como espaço público histórico, de valor artístico, paisagístico, e, por tudo isso, patrimonial da cidade de Vitória. Assim fazendo, visamos também contribuir para o seu reconhecimento. Nossa metodologia é referenciada por fontes históricas, referenciais dos estudos paisagísticos, e embasa o método analítico-descritivo com que abordamos a praça.
Breve histórico
Conhecido por quase três séculos como largo do Colégio ou largo Afonso Brás, o local, que se divisa no alto com a praça João Clímaco está defronte à antiga Igreja de São Tiago, demolida no Governo Jerônimo Monteiro (1908–1912). Foi chamado também de largo da Misericórdia, pela presença outrora, ali, da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, que remontava ao ano de 1605. Essa igreja fora adquirida no Governo de Henrique Coutinho e veio a ser demolida no Governo Jerônimo Monteiro, que fez edificar no seu lugar o prédio sede da Assembleia Legislativa (atual Casa da Música — Palácio Sonia Cabral).
O nome João Clímaco foi dado à praça em anuência a proposta dos vereadores Passos Costa Junior e Moniz Freire, acatada pela Câmara Municipal, sendo formalmente denominada em 25 de agosto de 1883. A denominação foi uma homenagem ao padre João Clímaco de Alvarenga Rangel (1799–1860), natural de Vitória, e que foi professor de filosofia, diretor do Liceu, deputado eleito em 1833, e advogado dos escravos na Insurreição do Queimado (1849).
Fisicamente, o local assim denominado só veio a ser modificado por obras modernizantes em 1910. Foram obras que visavam afirmar no contexto urbano a recém-proclamada República. O início dessas obras se deu pelo aplainamento do local da praça, que declinava em direção à baía.
Em 1926, quando da abertura da rua Nestor Gomes, foi que o jardim no local veio a ser configurado, sendo o serviço paisagístico confiado a Paulo Motta, e os de aplainamento com a resultante rampa foram obras da firma Politti Derenzi & Cia (1).
Sua caracterização paisagística-arquitetônica, adiante, nos permitirá emitir mais dados históricos deste logradouro.
Caracterização paisagística-arquitetônica
No livro Praças Brasileiras (2), Fabio Robba e Sílvio Soares Macedo definem a praça nacional como um espaço francamente público, urbano, acessível e livre de veículos, cujos propósitos são o lazer e o convívio da população. Esses autores consideram o caráter social qualidade intrínseca da praça, e, em conformidade com isto, asseveram que a praça sempre tem um programa social, por exemplo: lazer e recreação. Para esta sua definição de praça, Robba e Macedo partem de duas premissas básicas: o uso e a acessibilidade do espaço.
Para essa abordagem da praça no momento de seu estudo (anos 2000), Robba e Macedo resgatam sua gênese na vilas e povoados do Brasil Colônia, época em que largos, ruas, praças eram configurados pelo casario, e tinham como “característica formal dominante a presença de um templo em seu entorno; posteriormente, toda sorte de edifícios importantes da cidade também passaram a ser implantados nas suas imediações” (3).
Os dois autores assinalam a influência do estilo inglês de jardim romântico em algumas praças e jardins brasileiros, citando exemplos em São Paulo, Belém, e no Rio de Janeiro. Por imperativo de síntese e pela proximidade com Vitória, será descrito aqui apenas um exemplo da capital carioca, o jardim do Palácio do Catete.
Criado originalmente como um jardim particular de palacete residencial, em 1896, quando o antigo palacete veio a se tornar a palácio da Presidência do Governo Federal, o jardim foi transformado em um exemplar do paisagismo romântico, então em moda no Rio de Janeiro. Contendo vários elementos românticos, tais como: caminhos sinuosos, um rio artificial coleante que percorre o jardim a partir da gruta em concreto imitando pedras, pontes de concreto imitando madeira e esculturas em bronze em todos os canteiros do jardim.
Outros elementos artificiais ali encontrados são: coreto, fontes, imitações de pedras em concreto nas margens do rio, as pontes de concreto imitando madeira, e a utilização cênica da vegetação, entre outros. No caso da utilização cênica da vegetação, há que notar a aleia central que corta o jardim no trajeto entre a rua do Catete e a avenida Beira Mar. A aleia é de palmeiras imperiais, sendo coroada ao centro por um chafariz que tem em seu topo a escultura O nascimento da Vênus, obra de Mathurin Moreau, de 1896.
Com a saída do Governo Federal do palácio, este edifício e passou a sediar o Museu da República, sendo, junto com o jardim, tornado área aberta ao público, muito frequentado por moradores locais e turistas.
A descrição desse projeto referencial do romantismo contido no ecletismo foi evocada aqui para balizar a análise da praça João Clímaco. Isto porque, ainda que em menor escala, essa praça capixaba apresenta vários elementos do exemplar carioca descritos acima. Para analisá-la, vale convocar novamente o referencial teórico de Silvio Macedo (4), que identifica as três linhas projetuais na arquitetura paisagística brasileira, da qual é destacada aqui a eclética, como segue:
“Tem como característica básica o tratamento do espaço livre dentro de uma visão romântica e idílica, que procura recriar nos espaços a imagem de paraísos perdidos, de campos bucólicos ou de jardins de palácios reais, incorporando no seu ideário toda uma concepção pitoresca de mundo, típica da sociedade europeia do século 19. Os espaços então criados são destinados à contemplação, ao passear e ao flanar” (5).
Mais ainda, Macedo elenca as características arquitetônico-paisagísticas do romantismo inglês, aspectos estes que encontramos na praça João Clímaco, tais como: desenho sinuoso dos passeios e jardins, presença de um coreto central e uma gruta artificial, na rampa. Contém, ainda, muitos dos elementos característicos românticos elencados por Macedo, os quais serão doravante destacados.
Na praça João Clímaco destacam-se os seguintes elementos que referendam o que foi citado acima em negrito: desenho sinuoso dos caminhos; presença de coreto, ainda que sem a cobertura e o gradil do original, que aparece em foto de 1911 e na foto colorida, sem data; gruta ornamental em alvenaria imitando pedras, fonte, escadaria ornada por volutas em suas divisas laterais.
Em outro registro, não datado, encontra-se uma fonte no local ocupado pelo atual coreto. Pela estrutura dessa fonte, pode-se supor que tenha sido um elemento de permanência eventual na praça. Em outro momento, igualmente não datado, encontra-se em foto de Paes, o coreto tal como hoje se apresenta, sem cobertura.
Por tudo o que praça João Clímaco contém, é validada a sua classificação como exemplar eclético, de influência do romantismo inglês. Feita esta análise teórica, passa-se a apresentar fotografias atuais da praça João Clímaco, que ilustram as características acima narradas e ilustradas. Entre esses aspectos, destacamos, nas figuras adiante: caminhos sinuosos, coreto, gruta e escadaria, vegetação cênica. Iniciamos pela visão geral do logradouro.
Ademais dos aspectos acima ressaltados e ilustrados, a praça João Clímaco contém duas esculturas. Uma representa uma jovem mulher, esculpida em mármore branco. Ela tem o braço esquerdo erguido segurando uma pequena tocha, e o braço direito segurando um triângulo. Não há placas identificando esta estátua feminina.
A outra escultura representa um soldado, forjado em material metálico, sobre pedestal em alvenaria revestida em placas de mármore branco. Esta estátua constitui um monumento aos mortos durante a Segunda Guerra Mundial. No pedestal, há uma placa metálica com o nome dos combatentes homenageados por esse monumento.
Tudo somado, podemos considerar a praça João Clímaco um espaço público de extração eclética, dotado de valores históricos, paisagísticos, artísticos e ambientais que, na atualidade, tem pouca visibilidade e rara apropriação, clamando por investimento público de conservação.
Considerações finais: da invisibilidade ao reconhecimento
Como foi visto neste texto, a praça João Clímaco, em sua invisibilidade, mantém até o presente os elementos que lhe concedem valores históricos, paisagísticos, artísticos e ambientais, em boa parte em sua originalidade. Talvez, até a própria invisibilidade tenha contribuído com isso, na medida em que ações de descaracterização não têm tido lugar em seu espaço, a não ser pelo desaparecimento de seus bancos de madeira.
Contudo, sendo nosso objetivo contribuir para o seu reconhecimento, finalizamos por defender a pertinência de um restauro da praça João Clímaco, integrando-a no conjunto histórico formado pelos já citados Palácio Anchieta e Palácio Sonia Cabral. Entendemos que como esses monumentos públicos, a praça tem cumprido legitimamente o seu papel público na conformação da memória da Cidade Alta, núcleo memorialístico da maior importância para Vitória.
notas
1
BELLINI, Anna Karine de Queiroz Costa. Espaços públicos abertos e o usufruto da paisagem: 1860 a 1916 — Vitória (ES). Dissertação de mestrado. Vitória, PPGAU Ufes, 2014.
2
ROBBA, Fabio; MACEDO, Sílvio Soares. Praças brasileiras. São Paulo, Edusp, 2002.
3
Idem, ibidem, p. 19.
4
MACEDO, Sílvio Soares. Quadro do paisagismo no Brasil. São Paulo, Quapá, 1999.
5
Idem, ibidem, p. 17. Grifo da autora.
6
Idem, ibidem, p. 74.
sobre a autora
Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (Ufes, 1991), mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003) e doutora em Desenvolvimento Urbano na área de Conservação Integrada do Patrimônio Histórico (UFPE, 2008). Servidora pública municipal há trinta anos, atualmente trabalha na Coordenação de Revitalização Urbana da Secretaria Municipal de Desenvolvimento da cidade. Colaboradora e integrante do Corpo Editorial do periódico Arquitextos, publica neste portal desde o ano de 2004.