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Jóquei Clube de Goiás, projeto dos arquitetos Paulo Mendes da Rocha e João Eduardo de Gennaro construído na capital Goiânia, encontra-se hoje em risco devido processo gradual de descaracterização do edifício.
CAIXETA, Eline Maria Mora Pereira; MAHLER, Christine Ramos; BARBOSA, Lucas Jordano de Melo; SEGAWA, Hugo. Jóquei Clube de Goiás. Patrimônio em risco. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 267.01, Vitruvius, out. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.267/8634>.
O projeto da sede social do Jóquei Clube de Goiás foi escolhido mediante concurso público nacional de Arquitetura, promovido em 1962, conferindo-se o 1º lugar à proposta de dois jovens arquitetos de São Paulo.
João Eduardo de Gennaro (1928-2013) destacou-se em sua trajetória profissional como chefe do Itauplan, braço do Banco Itaú voltado à arquitetura e ao urbanismo. Foi o coordenador do projeto do monumental Centro Administrativo da instituição financeira em São Paulo, construído a partir dos anos 1980.
Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) é um dos mais premiados e reconhecidos arquitetos brasileiros no país e no exterior, juntamente com Oscar Niemeyer. As obras de Mendes da Rocha fazem parte do roteiro cultural de várias cidades, como o Museu dos Coches, em Lisboa, inaugurado em 2015; o Cais das Artes, museu e centro cultural em conclusão em Vitória; e o SESC 24 de Maio, inaugurado em 2017 na capital paulista, uma atração cultural e turística com repercussão fora do país. Desde 2000, a Pinacoteca do Estado é um dos mais importantes museus paulistanos, uma intervenção de Paulo Mendes da Rocha internacionalmente premiada.
Goiânia tem o privilégio de abrigar uma obra de Oscar Niemeyer e excepcionalmente três obras de grande porte de Paulo Mendes da Rocha, a maior densidade de realizações dessa envergadura do arquiteto fora do Estado de São Paulo: o Estádio Serra Dourara, o Terminal Rodoviário e a sede social do Jóquei Clube.
Este edifício, o mais antigo dessas realizações, constitui expressivo registro, de importância nacional, de ideias de grande originalidade que circulavam no meio arquitetônico da época. Localizado no núcleo pioneiro de Goiânia, na Avenida Anhanguera, um dos grandes eixos que corta a cidade na direção Leste-Oeste, que delineia o sistema viário desde a fundação da nova capital. O clube avizinha-se de outros equipamentos coletivos de relevância, como o Teatro Goiânia, cinemas e espaços esportivos – a exemplo do Estádio Olímpico –, tendo dividido com eles o palco da vida social até a década de 1990. Sua importância habita amplitudes territoriais muito variadas – do local ao nacional –, memorizando as afabilidades e as sociabilidades urbanas, um diálogo entre as transformações sociais e os valores intrínsecos do espaço urbano e da arquitetura, enquanto registro de vivências.
A excepcionalidade da arquitetura da sede social do Jóquei Clube resulta da composição de um conjunto de espaços organizados em meios níveis que convivem sob uma mesma generosa cobertura. Uma praça de piscinas, concebida como grande terraço com vistas para a cidade, e um bosque configurado como praça arborizada – oriundo do afloramento de um olho d’água no trajeto do Córrego dos Buritis, importante reserva ambiental para a região – conformam dois espaços de aspiração gregária, que se articulam por alternância com a grande cobertura, que lhes oferece a penumbra como ambiência conectora, conferindo continuidade às distintas dinâmicas sociais que ali se desenvolvem. Como linguagem, a economia de elementos materiais e construtivos – marca de uma etapa da arquitetura moderna brasileira –, é evidente, pela forte preponderância do concreto armado aparente.
Com os anos, o edifício sofreu impactos e alterações que descaracterizaram parte de sua concepção original, além dos problemas decorrentes da falta de manutenção. Naquilo que negativamente interfere na percepção e na originalidade do espaço, destacam-se o recobrimento de uma rua de acesso que corta transversalmente o terreno, a construção de coberturas metálicas nas quadras esportivas ao ar livre que destoam do conjunto e o infortúnio do desmatamento e pavimentação do bosque. Quanto à conservação da estrutura, os principais problemas são infiltrações, eflorescências e corrosão de armaduras da estrutura de concreto.
O arrefecimento do centro de Goiânia, pela expansão urbana e surgimento de novas centralidades, além da multiplicação de áreas de lazer em condomínios residenciais – processo iniciado nos anos 1990, que se intensificou nas décadas seguintes –, impuseram um gradativo esvaziamento do clube enquanto lugar de encontros, acelerando a deterioração de sua materialidade pela perda da vitalidade social.
Apesar das adversidades, as principais características do projeto arquitetônico estão resguardadas em suas virtudes, em sua legibilidade espacial, autorizando a possibilidade de recuperação de suas condições materiais. Por outro lado, visto a demanda cada vez menor por clubes sociais urbanos, sua revitalização passará por uma alteração da vocação e funcionalidade iniciais, repensando-se a destinação prática do conjunto por meio de novos usos. Esse é o ponto que sugere cuidadosa atenção, pois em uma preexistência de declarada excelência, pressupõe-se a compreensão e a valorização de suas qualidades, de modo a não destruir aquilo que justifica sua preservação, sobretudo pelo e para o seu reconhecimento como patrimônio da arquitetura moderna. É imperativo cuidar para que o projeto de intervenção seja conduzido em consonância com critérios que resguardem os valores do objeto arquitetônico e sua autenticidade, aliando as adaptações necessárias à sua reinserção na dinâmica urbana, com a compreensão de seu significado cultural. Por isso, acreditamos que a preservação do Jóquei Clube de Goiás deva ser mediada por juízos que possibilitem reabilitar o lugar enquanto persistência, não só da história, mas também do seu sentido de contemporaneidade (1).
nota
Texto originalmente publicado em inglês – “Goiás Jockey Club. Endangered heritage in Brazil” – na seção Momo at Risk no site do Docomomo Internacional <https://docomomo.com/momo-at-risk-goias-jockey-club>.
sobre os autores
Eline Maria Mora Pereira Caixeta é arquiteta (UCG, 1986), especialista em Arte e Cultura Barroca (ICC UFOP, 1991) e doutora em História da Arquitetura e da Cidade (ETSAB UPC, 2000). É professora associada da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.
Christine Ramos Mahler é arquiteta (PUC-Goiás, 1989), mestre em Gestão do Patrimônio Cultural (IGPA PUC, 2004) e doutora em Arquitetura e Urbanismo (UnB, 2015). É professora associada da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.
Lucas Jordano de Melo Barbosa é arquiteto (UFPE, 2007), mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB, 2010) e doutorando em Arquitetura e Urbanismo (UFBA). É professor adjunto da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.
Hugo Segawa é arquiteto, mestre e doutor (FAU USP, 1979, 1988 e 1994), livre-docente pela Escola de Engenharia de São Carlos USP (2002) e professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto. É professor-visitante de diversas universidades do exterior e autor, dentre outros, dos livros Oswaldo Arthur Bratke (com Guilherme Mazza Dourado, 1997), Ao amor do público (1996), Arquiteturas no Brasil 1900-1990 (1998), Prelúdio da metrópole (2000) e Jayme C. Fonseca Rodrigues Arquiteto (São Paulo, 2016).