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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O texto detém-se na investigação acerca dos slams da cidade de São Paulo, com o objetivo de identificar alguns grupos envolvidos nessas manifestações de rua, procurando compreendê-las como ações de reivindicação por ampliação dos direitos urbanos.

english
The text focuses on the investigation about the slams in the city of São Paulo, with the objective of identifying some groups involved in these street demonstrations, trying to understand them as actions to demand the expansion of urban rights.

how to quote

ALMEIDA, Eneida de; POMPEU, Angelina. Os Slams paulistanos. Apropriação do espaço público e novas formas de insurgência. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 267.02, Vitruvius, out. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.267/8635>.


Slam da Guilhermina, junho de 2017
Foto divulgação [Página Facebook Slam da Guilhermina]


Os Slams e a cidade

Um dos problemas mais sérios que atinge as grandes cidades brasileiras, São Paulo entre elas, é que o crescimento populacional, desde a segunda metade do século 20 – acentuadamente a partir dos anos 1970 –, produziu uma urbanização espraiada no território, formando áreas periféricas ocupadas predominantemente de modo irregular por uma população de baixa renda, não exatamente por vontade própria, mas por ter sido excluída das áreas mais centrais pela supervalorização dos preços dos terrenos (1).

Diante desse contexto em que prevalecem as leis do mercado, que prioriza o lucro decorrente da valorização fundiária, acentuando as desigualdades e a exclusão socioespacial, o planejamento urbano ainda deve enfrentar o desafio de oferecer melhores condições de vida sobretudo para as populações periféricas, que habitam em moradias precárias, em áreas de risco, com sérios problemas ambientais, e acesso limitado a serviços básicos de infraestrutura e a equipamentos socioculturais.

Se, por um lado, esse processo de urbanização desigual mostra uma crise de gestão do território urbano, por outro, nota-se a intensificação de um fenômeno de resistência, entendido por autores como James Holston (2), enquanto insurgências, que empreendem lutas contemporâneas para o enfrentamento dos problemas no dia-a-dia das cidades, criando ações táticas e práticas urbanas criativas. O autor explica que são ações realizadas de forma espontânea e flexível, por grupos autogeridos, denominados de forma genérica como ‘coletivos urbanos’. Essas ações se baseiam em participações colaborativas capazes de reunir indivíduos que compartilham uma causa comum, compondo uma frente de mobilização de duração limitada, disposta a enfrentar ou amenizar os problemas urbanos do cotidiano.

A ação dos Slams, batalhas de poesias, tema deste artigo, pode ser reconhecida como uma dessas estratégias alternativas de enfrentamento da crise urbana atual, ainda que de forma pontual, por meio de manifestações de rua que se expressam contra as condições adversas de vida, que acometem especialmente as periferias da cidade. Correspondem, contudo, a movimentos culturais formados indistintamente em áreas centrais ou periféricas, como uma espécie de canal de comunicação e expressão estético-política, sobretudo entre os jovens, diante da falta de perspectivas de futuro, contribuindo para a manifestação de subjetividades e reivindicações, no contexto da cidade contemporânea.

Analisar as experiências de Slams que atuam na cidade de São Paulo permite identificar os temas mais recorrentes de suas falas, suas formas de comunicação com o público, estabelecendo relações com o tecido socioespacial em que se situa, procurando reconhecer as evidências na apropriação do espaço público e nas formas de insurgência, enquanto reação aos fenômenos de exclusão socioespacial.

Com base em Henri Lefebvre (3), é possível observar que a reivindicação de direito à cidade não é algo novo, mas tem ganhado muita visibilidade nos últimos anos, diante da subtração de direitos sociais e de espaços de representação política bastante acentuada em tempos recentes. Nesse contexto conturbado da vida política nacional, os grandes centros urbanos foram palcos de grandes manifestações que tiveram início em junho de 2013. De um lado, as manifestações desembocaram, num segundo momento, num avanço de pautas e movimentos conservadores ligados ao pensamento e à prática neoliberal. Entretanto, de outro lado, também colaboraram para o fortalecimento e propagação dos chamados coletivos urbanos, grupos que se mobilizaram ao redor de táticas de ativismo cultural, investindo na conexão entre o espaço virtual e o tecido vivo da cidade, com vistas a fortalecer suas lutas cotidianas. Nesse contexto de diversificação de movimentos e tendências que ocuparam o espaço público, os slams se destacaram como formas democráticas de poesia performática, em que o fenômeno da auto-representação, o fazer e contar a sua própria história, por parte do slammer, repercute na reação do público presente, que se identifica e se reconhece, por meio de vínculo de pertença, fechando um círculo que se inicia na fala do poeta e reverbera na escuta do público, contra as discriminações de raça, gênero e classe social.

Origem e continuidade dos Slams em São Paulo

Conforme relata Daniela Freitas (4), os slams surgiram nos anos 1980, por iniciativa de Marc Smith, um trabalhador da construção civil que se tornou conhecido como poeta do subúrbio de Chicago, nos Estados Unidos, em encontros dedicados a batalhas de poesias faladas, ligadas aos temas do cotidiano das periferias, abordando seus valores, denunciando injustiças e opressões sociais. Vinculados à cultura popular hip-hop, surgida nos subúrbios de Nova York, nos anos 1970, como uma manifestação artística de rua, os slams difundiram-se em vários países, em competições de diferentes escalas, em que os participantes empregam basicamente três minutos para a apresentação de sua poesia autoral, sem o auxílio de qualquer recurso cenográfico, ou acompanhamento musical, sendo as poesias julgadas por jurados e também por pessoas escolhidas dentre o público presente. De todo modo, as manifestações dos slams são tidas como herdeiras culturais (e solidárias) das apresentações musicais dos DJ, das poesias dos MC, das práticas dos grafites e da street dance. O que congrega essas diferentes manifestações, em linhas gerais, é o uso do espaço público e seu caráter performático coletivo e marginal, que explora a expressão corporal e vocal enquanto capacidade de comunicação e propagação de costumes, ao mesmo tempo em que se afirma como forma de enfrentamento da desigualdade, segregação e exclusão sociocultural, especialmente entre jovens.

O slam chega ao Brasil, na cidade de São Paulo em 2008, ganhando destaque nacional em 2011, com a formação do primeiro grupo em São Paulo, o ZAP! ou Zona Autônoma da Palavra, organizado pelo Núcleo Bartolomeu de depoimentos, fundado por Roberta Estrela D’ Alva. Outro grupo, também considerado pioneiro, o Slam da Guilhermina, foi criado em 2012 e fixou os seus encontros junto à Estação de Metrô Guilhermina – Esperança, situada na Zona Leste da cidade de São Paulo (5).

Em 2014, o Slam Resistência organizou batalhas mensais na praça Roosevelt, região central da cidade de São Paulo, impulsionando o nascimento de diversos outros Slams que, com o decorrer do tempo, passaram a ocupar diversos espaços da cidade, seja nas áreas centrais que periféricas, por meio de iniciativas espontâneas, auto-geridas, reunindo um público cada vez maior, em eventos que combinam entretenimento, debate e conscientização. Entre as várias iniciativas tiveram grande êxito os Slams Interescolares inspirados em competições realizadas na França.

Slam Interescolar
Foto divulgação [Página Facebook Slam Interescolar]

Em 2015, foi lançado um Edital do ProAc, Programa de Ação Cultural, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa, tendo sido aprovada a proposta de Slam-Interescolar-SP, com oficinas de poesias e competições em escolas da região metropolitana de São Paulo, organizado por Emerson Alcade. Houve uma grande adesão por parte das escolas públicas: na primeira edição foram apenas duas escolas inscritas, enquanto que na terceira 40 escolas se reuniram no Centro Cultural São Paulo, próximo à Estação Vergueiro do Metrô. Essa modalidade de slam revela um alcance significativo em termos pedagógicos, operando, de certo modo, em concordância com as práticas freirianas, por meio do que o educador chama de “aderência” que, apesar do reconhecimento de si enquanto oprimido, é condicionada pela “imersão” em que se encontra o sujeito na situação opressora. Como professa Paulo Freire (6), para a libertação, portanto, não basta o reconhecimento de sua condição de oprimido, mas é preciso lutar para superar essa condição. As experiências dos slams interescolares têm mostrado a capacidade de resgatar a autoconfiança dos jovens estudantes ao fazerem uso da poesia como instrumento de conscientização e de compartilhamento de suas tensões e desejos, com uma liberdade que se mostrou possível nessa espécie de catarse criada pela roda de poesia falada.

Algumas considerações

Embora a pandemia tenha arrefecido as manifestações coletivas, supõe-se que elas ressurgirão com maior ímpeto, à medida em que avançam as condições de controle da proliferação do vírus, sobretudo se prosperarem os anseios por mudanças substanciais no cenário ético, político e cultural do país penalizado hoje pelo esvaziamento dos fóruns de discussão democrática e plural, e de ataque deliberado às instituições públicas, com cortes sistemáticos ao ensino e à pesquisa.

As experiências dos Slams, nos moldes de outras manifestações artísticas de rua, promovem a possibilidade de se fortalecerem os vínculos dos cidadãos entre si e com o território em que habitam, apropriando-se do espaço urbano, qualificando-o por intermédio de práticas coletivas cotidianas.

sobre as autoras

Eneida de Almeida é arquiteta (FAU USP, 1981), mestre (Università degli Studi di Roma La Sapienza, 1987) e doutora (FAU USP, 2010). É professora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu e coeditora da revista eletrônica arq.urb, do PGAUR/USJT.

Angelina Pompeu Furtado Pires é graduada Licenciatura em História pela (Universidade Cruzeiro do Sul, 2019) e mestranda do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu.

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