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português
Este estudo – a partir da pesquisa bibliográfica, entrevista com moradores e do registro fotográfico – analisa a qualidade dos espaços livres públicos e as lutas urbanas, no Conjunto Soledade I, localizado na Zona Norte da cidade do Natal RN.
english
This study – with bibliographic research, interview with residents and the photographic record – analyzes the quality of public free spaces and urban struggles in Conjunto Soledade I, located in the North Zone of the city of Natal (RN).
español
Este estudio – a partir de la investigación bibliográfica, entrevista a pobladores y el registro fotográfico – analiza la calidad de los espacios públicos libres y las luchas urbanas en el Conjunto Soledade I, ubicado en la Zona Norte de Natal (RN).
COSTA, Simone da Silva. Lutas urbanas no Soledade I, Natal RN. Um reino dividido não subsiste. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 269.03, Vitruvius, dez. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.269/8674>.
“Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá”
Mateus 12:25
Contexto
Este trabalho discute o tema do abandono dos espaços públicos livres pelo poder público municipal, os conflitos urbanos e o direito à cidade, tomando como base dois equipamentos públicos que se encontram deteriorados e um terreno ocioso que não tem cumprido com a função social da propriedade, mas servido apenas como descarte de lixo doméstico pela Comunidade, no Conjunto Soledade I. Segundo o vereador que auxilia o conselho comunitário, este terreno não está registrado em nome da prefeitura, logo é terra de ninguém.
O Conjunto Soledade I está localizado no Bairro Potengi, em Natal RN, e foi construído, no ano de 1977, pela Companhia de Habitação – Cohab, órgão estadual que atendia a população que ganhava até 5 salários mínimos, no âmbito da produção habitacional do Banco Nacional de Habitação – BNH (1). No ano 2016, segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo – Semurb, o Soledade I contava com 540 unidades habitacionais e uma população de 1.890 habitantes (2).
Assim, podemos considerar que são quase duas mil pessoas que não contam com espaços livres públicos para realizar atividades de lazer, socialização e recreação. Segundo Henri Lefebvre, isto afronta diretamente o direito à cidade dessa coletividade, posto que a cidade deve ser desfrutada por todas as classes sociais. A cidade além da sua capacidade de acumular riquezas e valorizar o capital, reúne também os conhecimentos, as técnicas e as obras (obras de arte, monumentos, praças). Por este motivo, o referido autor afirma que é preciso preservar os pontos de encontro de uma comunidade, já que o uso principal da cidade, isto é, das ruas, das praças, dos edifícios e dos monumentos, é a Festa – que consome improdutivamente, sem nenhuma outra vantagem além do prazer e do prestígio, enormes riquezas em objetos e em dinheiro (3).
No caso do Soledade I, como os espaços livres da comunidade: a quadra de esporte e a praça estão em estado de completo abandono, não há Festa para comemorar. Ademais, após 45 anos de existência, a comunidade ainda sofre com a ausência de saneamento e de lixeiras nos canteiros. Nas ruas e nos canteiros, observa-se que a população promove o descarte de água servida e do lixo doméstico, resultando na formação de poças, que possivelmente podem se transformar em foco de proliferação para várias doenças, entre elas, febre amarela, dengue, diarreia e cólera, além de danificar o asfalto.
Por outro lado, a falta de áreas e equipamentos urbanos livres e adequados ao lazer, empurra a população para o Shopping que foi construído no seio da comunidade, no ano de 2007, o Partage Norte Shopping. Ou seja, o ponto de encontro deixa de ocorrer por meio do consumo improdutivo da praça, da rua, da quadra, conforme destacou Lefebvre, mas passa a se realizar no Shopping por meio do consumo, estimulando assim a valorização do capital. De fato, é no Partage que se verifica uma maior socialização da comunidade. O fato é que a chegada deste novo equipamento alterou o cotidiano e a paisagem urbana do Conjunto, gerando emprego e renda para a população, mas é importante ressaltar que seu uso não é tão democrático quanto o uso dos espaços públicos livres, que se encontram abandonados pelo poder público municipal.
A passagem bíblica que está em epígrafe nesse texto (Mateus 12:25) nos motivou a abordar também a disputa dos moradores pelo destino do terreno, sem registro público, que está localizado por trás da quadra de esportes e ao lado do Centro Municipal de Educação Infantil – Cemei Professora Rosalba Dias Barros. A divisão de opiniões tem impedido a comunidade se unir em prol de um propósito maior, qual seja: o de buscar soluções para os reais problemas urbanos mais urgentes.
Em se tratando da luta pelo terreno, o conflito se desenvolve da seguinte maneira: alguns moradores desejam que seja construído, um centro clínico; outros moradores anseiam por uma nova área de lazer; e, por fim, os moradores evangélicos desejam a construção de um templo da Assembleia de Deus para a localidade, pois há mais de 20 anos que os fiéis pagam aluguel do imóvel que se localiza em frente ao Partage Norte Shopping.
Os moradores evangélicos alegam que o templo representa a comunidade protestante do Soledade 1, mas está localizado no Conjunto Santa Catarina. Como existe um Centro Espírita e uma Igreja Católica, nada mais justo e democrático do que permitir a construção do templo evangélico no terreno que não tem tido uma função social. Alegam ainda que, após a crise pandêmica e o aumento do desemprego, o pagamento do aluguel do imóvel que se localiza em frente ao Shopping, está bastante inviável.
Ao tomar conhecimento do conflito local e dos problemas dele decorrentes, a autora resolveu analisar as possibilidades, já que, segundo o vigia do Cemei, atualmente, o terreno tem sido utilizado como um depósito de lixo. Neste sentido, seria interessante que o referido terreno cumprisse uma função social, pois o imóvel ocioso apenas vem promovendo o acúmulo de lixo e incomodando a população com a atração de doenças e diversas pragas urbanas.
Ao analisar as propostas dos moradoras, a autora pesquisou e percebeu que, no que diz respeito a edificação do Centro de Saúde desejado, a opção se torna inviável, pois em maio de 2019, a Prefeitura Municipal de Natal construiu a Unidade de Saúde Básica Pedra do Sino, que fica situada à Rua Pedra do Sino s/n, no Conjunto Soledade I. A unidade, com 625,17m² de área construída, tem capacidade para até quatro equipes de Estratégia Saúde da Família com cobertura de aproximadamente 14 mil pessoas. Inclusive, a Unidade de Saúde Básica – USB fica apenas a 360m do terreno objeto da disputa (4).
Por outro lado, a construção de uma nova área de lazer também não parece uma boa opção, pois a prefeitura não vem mantendo em boas condições as áreas de lazer já existentes: a praça e a quadra de esporte. Após a construção, a prefeitura seria a responsável pela manutenção do novo espaço de lazer almejado. Sendo assim, o ideal seria que os recursos públicos fossem destinados à revitalização da quadra e da praça ao invés da construção de um novo espaço público. Não faz sentido, construir uma nova área de lazer quando existem espaços públicos livres necessitando de revitalização e ruas carecendo de lixeira e de saneamento básico. Ou seja, problemas urbanos bem mais graves e que exigem uma resposta imediata do poder público.
A terceira alternativa, e possivelmente a mais viável diz respeito a construção do templo evangélico. Segundo Samuel Pinheiro, o fato de existir uma separação entre Igreja e Estado não significa que a Igreja deva atuar sem a ajuda do Estado, nem que o Estado venha a ser um obstáculo à Igreja (5). Num país com tanta desigualdade social e urbana, e elevado número de pessoas necessitado de solidariedade e assistência social e espiritual, é bem mais interessante ceder uma parte do terreno para que uma instituição possa apoiar a comunidade, do que permitir que o espaço seja apenas um depósito de lixo, sem cumprir uma função social.
Ademais, a igreja Evangélica que está pleiteando o terreno faz parte da IEADERN, que atua no Estado, há mais de 100 anos e administra, desde 1983, o projeto Centro Integrado de Assistência Social da Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Estado do Rio Grande do Norte – Ciade. O Ciade é reconhecido como sociedade de utilidade pública municipal e estadual, sem fins econômicos, amparado pelas leis municipal, estadual e federal de assistência social. Suas ações sociais objetivam alcançar os segmentos: do idoso, da criança e adolescente e da família. Possui hoje, dedicação integral e relevante no atendimento social a idosas, através da ILPI – Instituição de Longa Permanência para Idosos, denominada de Bom Samaritano. Além disso, a ocupação do terreno por uma congregação da IEADERN ajudaria a ocupar o espaço vazio, trazendo iluminação e um fluxo de pessoas que atualmente não existe. A área está deserta e sem postos policiais, o que vem elevando a sensação de insegurança, com mortes e até homicídio (6).
Sendo assim, espera-se com estas reflexões, fortalecer e direcionar o diálogo urbano tão necessário para identificar as políticas e práticas urbanas que a comunidade e o poder público municipal devem adotar para levar adiante o direito à cidade no Soledade 1. E preciso ter uma visão comum dos problemas urbanos e escolher aquela alternativa que ponha fim aos conflitos. Sem diálogo não há entendimento. Sem entendimento, prevalece a divisão. Por fim, com divisão nenhum reino, cidade, bairro ou comunidade trilhará o caminho do progresso e da prosperidade urbana e social.
notas
1
MEDEIROS, Sara Raquel Fernandes Queiroz de. Produção do espaço residencial em Natal: renda, segregação e gentrificação nos conjuntos habitacionais. Orientador Márcio Moraes Valença. Tese de doutorado em Arquitetura e Urbanismo. Natal, PPGAU UFRN, 2015 <https://bit.ly/3Fm5vCY>.
2
SEMURB. Conheça melhor o seu bairro: revisão do Plano Diretor. Região Administrativa Norte, versão 1. Natal, Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo/Prefeitura de Natal, 2017 <https://bit.ly/3WaXszu>.
3
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo, Centauro, 2001.
4
PREFEITURA DE NATAL. Prefeitura do Natal entrega nova Unidade Saúde orçada em mais de R$ 1,2 milhão. Natal, Prefeitura de Natal, 2 mai. 2019 <https://bit.ly/3BtuCCu>.
5
PINHEIRO, Samuel R. A influência social da igreja. Website do autor, 2005 <https://bit.ly/3Bt1mvT>.
6
ASSEMBLEIA DE DEUS NO RIO GRANDE DO NORTE. Centro Integrado de Assistência Social da Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Estado do Rio Grande do Norte – CIADE <https://bit.ly/3uJ6LLi>.
sobre a autora
Simone da Silva Costa é graduada em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mestrado em Economia do Trabalho pela Universidade Federal da Paraíba. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.