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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O artigo aborda a dinâmica dos espaços de exceção do Plano Piloto e dos palácios de Brasília, considerando duas situações antagônicas: a posse presidencial e os atos golpistas ocorridos em janeiro/2023.

english
The article explores the dynamics of the spaces of exception in the Pilot Plan and the palaces of Brasília, considering two antagonistic situations: the presidential inauguration and the coup acts that took place in January/2023.

how to quote

ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília, da alegria ao terror. Uso e dinâmica dos espaços de exceção. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 270.02, Vitruvius, jan. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.270/8707>.





“Não vale a pena sair dos seus cuidados para visitar Brasília se vocês já têm opinião formada e ideias civilizadas preconcebidas. Fiquem onde estão”.
Lúcio Costa

Em 2021, num contexto de pandemia, caos e desgoverno na gestão do Governo Federal de então, afirmava-se que era “imprevisível apontar até quando Brasília será palco para o atual teatro do poder, cujas performances seguem um enredo em que a paranoia personalista suplanta a ciência e mitifica o autoritarismo” (1). Este teatro tétrico do poder acabou. Como todos sabemos, para desfechar o enredo da alegoria governamental ele, o inominável, viajou, aliás, fugiu! O ex-Presidente não estava em Brasília para cumprir as liturgias do cargo e prestigiar a posse dos novos ocupantes da Presidência da República.

A posse da chapa eleitoral vencedora, encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin no dia 1º. de janeiro de 2023, converteu-se num evento redentor. Prevista para acontecer com regularidade do término de um mandato, uma cerimônia de posse presidencial é marcada por etapas que tem seus momentos apoteóticos: o desfile em carro aberto e a subida da rampa do Palácio do Planalto e a passagem da Faixa Presidencial. Entre discursos, assinaturas de atos administrativos e deslocamentos das autoridades pelos espaços urbanos e nos palácios da escala monumental da Capital, configura-se a experiência de um ritual republicano coletivo. A posse presidencial é uma celebração. A cada posse, Brasília recobra a sua função precípua de Capital Federal com seus exclusivos espaços de poder. Como espaços de exceção – conceituado por Frederico Holanda (2) – a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes são ativados como ambiente urbano para o exercício dos rituais de exercício do poder. Esplanada e Praça adquirem a real grandeza de seu projeto e de suas funções, recobrando os brasileiros e também o mundo que esta cidade, única em sua modernidade, pode permanecer cumprindo suas funções de cidade-capital, afinal, Brasília foi feita para isso.

A posse da chapa Lula-Alckmin restabeleceu os usos simbólicos de caráter democrático da Esplanada dos Ministérios, da Praça dos Três Poderes e dos palácios. A participação marcante das Primeiras Damas Janja da Silva e Lu Alckmin, a presença das máximas autoridades e dos representantes de muitas instâncias do Governo Federal, somada ao maciço comparecimento de milhares de pessoas que ocuparam os amplos espaços de Brasília para assistir e festejar, tudo isso foi triunfal. Aquelas imagens de 2020 e 2021 que mostravam os espaços da escala monumental ocupados por manifestações golpistas e atos antidemocráticas haviam sido finalmente substituídas por imagens de uma Capital repleta de gente, numa atmosfera festiva e pacífica. A posse revigorou o significado inaugural de Brasília, redimensionando os espaços da escala monumental para o convívio e para a diversidade, próprios das democracias, reificando o espírito aberto e livre com que a cidade foi antevista por Juscelino Kubistchek, concebida por Lúcio Costa, edificada pela arquitetura de Oscar Niemeyer e construída por milhares de candangos.

O entusiasmo acabou e a redenção durou pouco

Os parágrafos acima eram o início deste texto e foram salvos assim na sexta-feira, 6 de janeiro, Dia de Reis. A chave otimista pretendida foi deixada em suspenso na tela do computador. A expectativa era retomar a escrita na segunda-feira, dia 9, uma semana depois da posse, deixando as capas de revistas e as edições impressas dos jornais decantarem o entusiasmo para refletir com serenidade sobre o evento. Este novo texto deveria ser o contraponto ao artigo “Brasília, 60 anos. Da lama e caos à paranoia e mitificação” (3), publicado em 2021, especulando sobre a potencial revigoração dos usos e da retomada vivaz dos espaços públicos de nossa Capital Federal.

Mas como todos já sabemos, no domingo, dia 8 de janeiro, o teatro tétrico do poder foi reencenado numa performance terrorista vigorosa. Uma espécie de flashmob diabólica foi realizada por milhares de apoiadores do ex-presidente. Sujeitos vestidos de verde-amarelo acampados na Praça dos Cristais, em frente à sede do Quartel General do Exército, deslocaram-se pelo Eixo Monumental e foram conduzidos por policiais, tal qual uma manada, em direção à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes. Aqueles sujeitos vestidos de verde-amarelo que foram ironizados por inúmeros adjetivos —lunáticos, loucos, paranoicos, fanáticos, saudosistas, delirantes, zumbis— por bradarem lemas e palavras de ordem antidemocrática, quando entraram em ação tornaram-se uma horda com potencial de destruição jamais visto.

A horda golpista percorreu o Eixo Monumental, passeou pela Esplanada e chegou mobilizada para entrar no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal e no Palácio do Planalto. A estratégia parecia evidente: esses eram os 3 alvos essenciais para atacar os poderes republicanos. A Praça dos Três Poderes que uma semana antes comemorava a democracia, assistia o ritual da subida da rampa e o discurso no parlatório, tornara-se um campo de batalha para o revés antidemocrático e para as ações de destruição da arquitetura de Brasília, reiterando o éthos das manifestações mais retrógradas e ultraconservadoras. Na movimentação das falanges bolsonaristas, o Palácio Itamaraty e o Palácio da Justiça foram poupados porque não eram necessários para executar o plano de destruição. O detalhamento, as nuances, as autorias e as estratégias deste plano golpista estão sendo investigadas... Mas longe de qualquer paranoia, os boatos e rumores de que algo inusual poderia acontecer eram recorrentes. Para quem ainda duvidava, o test-drive da conivência e do grau de liberdade para fazer arruaças e aterrorizar foi ensaiado no dia da diplomação da chapa Lula-Alckmin, em 12 de dezembro.

Ao mesmo tempo em que a tentativa de golpe foi transmitida ao vivo, a reação retardada dos agentes de segurança dava tempo para os invasores bolsonaristas zanzarem pelos salões portando extintores de incêndio, cadeiras de praia, guarda-chuvas. A atuação deles foi dirigida, mas enquanto uns agiam com agilidade e vigor, outros pareciam ter tempo para filmarem a si mesmos, exibindo suas atuações criminosas, que também eram registradas pelas câmeras de segurança, numa demonstração de inacreditável espetacularização do terrorismo. Exibindo segurança sobre seus atos, com chutes, pedradas, socos, murros, porretes, estilingues e uma estranha convicção demolidora, esses milhares de golpistas exercitaram e executaram a profanação das sedes dos Três Poderes da República Federativa do Brasil.

...Brasília foi vilipendiada. A arquitetura dos palácios de Brasília foi destruída simbólica e fisicamente. Os vidros estilhaçados, os móveis arrebentados e jogados para fora, as tentativas de quebrar o forro, acionar os dispositivos anti-incêndio e desmontar os espaços do poder com seus próprios objetos foi amplificada com o ataque desprezível às obras de arte. A covardia dos golpistas perfurou a tela de Di Cavalcanti, arremessou o relógio francês trazido por D. João VI, quebrou a bailarina de Brecheret, urinou na tapeçaria de Burle Marx, vandalizou maquetes, pichou estátuas e fez muitos outros estragos. Superfícies de madeira, pisos de mármore, cadeiras, poltronas, mesas, bancadas, vidros, espelhos, carpetes, tapetes e toda sorte de revestimentos foram alvos da fúria desses sujeitos de verde-amarelo, deixando um rastro de arruinamento dos espaços onde o poder democrático é exercitado.

Depois que as notícias sobre as invasões aos palácios começaram a chegar e desde o momento em que a tentativa de golpe passou a ser transmitida ao vivo foi impossível terminar o almoço, lavar a louça, fazer um bom café... fomos todos dragados por um turbilhão informacional como cruzamento da transmissão na TV pela GloboNews, pelas ondas do rádio com a CBN, pela vibração on-line do WhatsApp e múltiplas fontes e suportes digitais. Entre diversas telas, as imagens aéreas, as imagens ao rés-do-chão dos palácios e dos espaços públicos da escala monumental eram sobrepostas com narrativas sobre o que estava correndo em tempo real e interpretações e consequências daquelas ações, tudo ao mesmo tempo, madrugada a dentro.

Sequência de prints de tela da transmissão da GloboNews dos atos terroristas no dia 8/janeiro, capturadas pelo autor
Imagem divulgação [Globo News]

Uma Esplanada exibida, espatifada e não explicada

Depois da inauguração apoteótica em 21 de abril de 1960, depois de atravessar os anos da Ditadura Militar, depois de sua consolidação como artefato urbano, depois de abrigar manifestações públicas de variados espectros ideológicos desde a redemocratização, depois de retomar a rotineira alternância de mandatários eleitos, Brasília é revigorada em sua função de capital federal justamente nestes momentos de festividades de uma posse presidencial, conforme foi amplamente comemorado na semana anterior ao fatídico 8/janeiro.

A superação de um ciclo nefasto de gestão federal de alto teor reacionário foi a motivação para que a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes fossem mais uma vez tomados por milhares de brasileiros como palco do exercício pleno das práticas democráticas. Nos festejos da posse, Esplanada, Praça, Congresso e Planalto foram os alvos da atenção midiática que registraram, fotografaram e transmitiram ao vivo a celebração deste ritual republicano coletivo, que ocorre de maneira adequada nos espaços de escala monumental de Brasília. Na reviravolta do anticlímax detonado pelos bolsonaristas, Esplanada, Praça e Palácios foram os alvos da fúria da horda golpista, ao mesmo tempo em que também eram comentados e tratados como espaços e ambientes urbanos pouco familiares para muitos que realizavam a cobertura e a transmissão dos fatos no calor da hora.

Esplanada, Praça dos Três Poderes e Palácios de Brasília deveriam ser mais conhecidos e tratados com maior interesse da mídia, mas paradoxalmente, após 60 anos como capital, Brasília e sua singular configuração urbanística e arquitetônica ainda parecem pouco conhecidas, pouco dominadas e imprecisamente tratadas. Exemplos dessa distância e deste desconhecimento sobre a cidade foram recorrentes durante as abordagens e informações, já que nas longas horas em que transcorreram a ocupação, a quebradeira dos palácios e a reação dos agentes de segurança para evacuação de todos os espaços, a Esplanada dos Ministérios tornou-se o espaço mais exibido nas transmissões dos atos golpistas, fazendo contraponto ao caleidoscópio de imagens que misturavam ambientes e acontecimentos nos três palácios.

O desconhecimento da toponímia básica de Brasília ficou patente. As designações das vias que configuram a Esplanada dos Ministérios: Eixo Monumental, Via N1, Via S1, Via N2, Via S2, Alameda dos Estados, via rebaixada de ligação L2 Norte e Sul, quadrante dos gramados da Esplanada... tudo isso soava novidade quando poderia ser emergencialmente resolvido com a checagem numa tela do Google Earth! Na escala arquitetônica o assunto também gerava dúvidas. O universo formal e espacial dos palácios de Brasília foi rapidamente reabilitado: rampa do Planalto, rampa do Supremo, as varandas dos palácios, os nomes dos salões, o Salão Verde, os plenários do Congresso... Mas até a designação dos pavimentos foi objeto de dúvida, afinal, onde estaria do 4º. andar daquele edifício? Isso é tão comprovável que a Folha de São Paulo em sua edição de 16/01/2023 publicou uma matéria sobre isso “Veja áreas do Congresso, Planalto e STF atingidas nos ataques golpistas” (4), explicando onde estão os edifícios, quais são os espaços para quem não conhece o Plano Piloto de Brasília.

Certo é que um jornal do porte da Folha deve mesmo procurar construir suportes visuais adequados e convenientes aos assuntos abordados, e o que foi apresentado possui um caráter didático bastante revelador da distância que o jornal antevê para seu leitor em relação aos espaços e aos edifícios de Brasília. Paradoxalmente, Brasília que é tão mostrada e tão exibida na TV também é desconhecida do público. Hoje, em meio a este processo de intensa urbanização, Brasília extrapolou o Plano Piloto e já não designa apenas a área tombada como patrimônio cultural, em cujo âmago está a Esplanada, apresentando-se com uma dinâmica metropolitana de fato. Contudo, a imagem da cidade-capital é reforçada justamente nos espaços simbólicos da Esplanada, da Praça e nos acontecimentos políticos que transcorrem nos seus palácios, perpassando todo o noticiário. Por esta razão, Brasília sempre está em evidência, mesmo que a cidade permaneça sendo mal falada, mal compreendida, tratada ou tomada por seus estigmas: não tem esquina, é vazia, não tem gente.... Ao mesmo tempo em que se reconhece que “Brasília quer mandar beijinho no ombro para quem quer castrar suas potencialidades (5), a cidade continua sendo vítima de platitudes e frases estereotipadas como “cidade onde ninguém se vê. Na cidade onde todos só podem andar de carro” (6). Acompanhando tudo de perto, a irritação de Lúcio Costa contra quem já tinha opinião formada e ideias preconcebidas sobre Brasília se desdobrou em seu estarrecimento com a insensibilidade de tantos “brasileiros dignos” diante do feito extraordinário que a cidade deveria representar na vida nacional.

Esquema do arranjo urbano da Praça dos Três Poderes e dos palácios de Brasília [Folha de S.Paulo, 18 jan. 2023]

Mas afinal, o que é a Esplanada?

A Esplanada dos Ministérios é o lugar mais emblemático da concepção urbanística do Plano Piloto de Brasília, sendo construída imediatamente para dar a feição simbólica da cidade que se erguia no ermo do Planalto Central. O arranjo espacial elaborado pela arquitetura de Oscar Niemeyer preconiza a força do espaço vazio sobre a massa de edifícios construídos. Por esta razão, o arranjo formal do conjunto dos edifícios da Esplanada dos Ministérios sempre enfatizou o edifício do Palácio do Congresso Nacional como ponto focal privilegiado, com a Torre de Tv como seu contraponto. Através da implantação em cadência ritmada dos blocos ministeriais que configuram a Esplanada, Niemeyer constrói uma perspectiva dramática para enquadrar o Congresso Nacional. Como estratégia de composição arquitetônica, Niemeyer implantou o Congresso no eixo visual da Esplanada, enquadrando uma plataforma transversal e rebaixada, com largura correspondente ao gramado da Esplanada.

O cuidado com a implantação e com a construção de uma perspectiva absoluta do edifício do Congresso Nacional visa minimizar o bloqueio visual para a Praça dos Três Poderes e para a linha do horizonte, que se vislumbra como constante desta paisagem. O gramado que se estende entre a Plataforma Rodoviária e a plataforma do Congresso Nacional opera como fator articulador das relações espaciais e das relações visuais que tais arquiteturas demandam para serem contempladas e para dar significado às funções representativas e nacionais que os edifícios representam. Na sucessão de espaços simbólicos está a Praça dos Três Poderes, concebida para destacar cada um dos três palácios que constroem este ambiente urbano de excepcional caráter cívico: o Palácio do Planalto, o Palácio do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Congresso Nacional.

Somente um olhar mais ingênuo haverá de vislumbrar a Esplanada dos Ministérios como mera superfície plana e gramada com um arranjo de blocos ministeriais perfilados e pousados calmamente sobre ela, arrematada pelo Congresso Nacional. Longe dessa imagem edulcorada, a Esplanada dos Ministérios é uma megaestrutura. A Esplanada é uma megaestrutura cujo arcabouço formal de grandes dimensões é dotado de subsolos e articulações de diferentes níveis, implantada por meio de uma gigantesca movimentação de terra e soluções de terraplenagem para receber as soluções urbanísticas do traçado viários do Eixo Monumental. Esta megaestrutura acomoda os 19 edifícios ministeriais, resguardando a autonomia administrativa e espacial de cada um deles, ao mesmo tempo em que preconiza um significado individual para o conjunto arquitetônico que definem. A concepção de megaestrutura é potencializada em outros projetos de Oscar Niemeyer, como o Instituto Central de Ciências – ICC da UnB, o Sambódromo, equivalentes às propostas dos metabolistas japoneses, ou o complexo de apartamento em Montreal projetado por Moshe Safdie, Habitat-67.

É preciso entender quão edificada é a Esplanada. A solução formal da Esplanada é de difícil compreensão, pois a superfície simbólica representada pelo gramado deve ser hierarquicamente superior, subordinando a acomodação topográfica dos níveis em subsolo. Esta solução destaca o Congresso, deixando invisíveis as extensas áreas construídas abaixo do gramado, que só podem ser vistas das vias N2 e S2, evidenciadas pelas delimitações das extensas superfícies laterais de sua forma edificada. Estas superfícies são tão constituidoras da forma da megaestrutura da Esplanada que seu revestimento cerâmico é idêntico às empenas dos ministérios. Ao percorrer as vias N2 e S2 vê-se os “fundos” da Esplanada, incluindo suas calçadas menos generosas, os portões das garagens dos ministérios, as lixeiras, as vagas de emergência, as escadas de acesso ao estacionamento no nível do gramado. N2 e S2 são vias que também articulam os Anexos dos Ministérios como os espaços contíguos da Esplanada e que deverão ser objeto de futuros projetos de melhorias, pois são fundamentais ao seu funcionamento cotidiano, por onde passam milhares de servidores públicos todos os dias, mas isso a TV nunca mostra. Ou seja, a Esplanada é um espaço permeável, não é um recinto fechado.

A Praça dos Três Poderes é espaço público mais significativo de Brasília. Todo o arcabouço urbano concebido por Lúcio Costa enfatiza um território triangular em que se dispõem as sedes dos três poderes, com uma praça no centro para articulá-los. Trata-se de uma praça seca para denotar a austeridade do ambiente cívico que deve existir entre os poderes executivo, legislativo e judiciário em suas respectivas sedes. Trata-se de uma praça seca e aberta, uma praça que é definida pela arquitetura que nela se implanta, mas que não é delimitada por tal arquitetura. A face Leste da Praça dos Três Poderes se abre livremente para o horizonte do cerrado, demarcada por um corte em seu terrapleno, que também revela uma diferença topográfica nesta importante delimitação do território dos espaços monumentais de Brasília, que é igualmente pouco mostrada. Ao longo de sua história a praça incorporou elementos escultóricos e pequenos acréscimos arquitetônicos, como o pombal, a Casa de chá, o Espaço Lúcio Costa dedicado à maquete da cidade que se somaram aos seus elementos constitutivos inaugurais: o Museu da cidade e das esculturas dos Guerreiros, de Bruno Giorgi e A Justiça de Alfredo Ceschiatti.

Por fim, o arremate dos limites da Esplanada dos Ministérios na sua continuidade com os setores culturais do Plano Piloto que hoje abrigam o teatro, o museu e a biblioteca, tem uma surpreendente solução de desenho urbano: uma trincheira. O rebaixamento da conexão viária da Via L2 Norte com a L2 Sul proporciona a definição de uma separação física, sem prejudicar a continuidade visual da Esplanada. Oficialmente denominada “Via de Ligação SE/NE”, esta via rebaixada segrega a Esplanada e define uma delimitação que pode barrar os percursos humanos, já que o gramado é interrompido, mas que possibilita a manutenção da passagem dos veículos sem interromper os feixes de 6 pistas de cada via do eixo Monumental. Para corroborar a metáfora desta solução em trincheira, é como se as vias do Eixo Monumental operassem como duas pontes que permitissem o acesso às duas partes da mesma Esplanada.

A trincheira da Esplanada passa desapercebida no cotidiano de quem desce ou sobre dirigindo ou como passageiro de carro, táxi, ônibus etc., mas é patente para quem a percorre a pé ou se bicicleta. Esta trincheira se soma a outras soluções implantadas no sentido Norte/Sul que interpõem acomodações topográficas em várias escalas de projeto urbano e arquitetônico para implantar o Plano Piloto. A complexa e extraordinária estrutura de níveis da Plataforma Rodoviária que se articula com diversas cotas é a situação mais conhecida e vivenciada decorrente desta estratégia de projeto. O próprio Lúcio Costa evocaria posteriormente a memória dos terraplenos chineses como uma referência difusa para defender a concepção da acomodação da proposta urbanística à topografia do território da cidade (7).

Trincheira da via de conexão viária da Via L2 Norte com a L2 Sul
Imagem divulgação [Google Maps, 19 jan. 2023]

Trincheira da via de conexão viária da Via L2 Norte com a L2 Sul
Imagem divulgação [Google Maps, 19 jan. 2023]

Via S2, as diferenças de cotas com o nível do gramado e as extensas superfícies que delimitam a forma da Esplanada
Imagem divulgação [Google Maps, 19 jan. 2023]

Via S2, as diferenças de cotas com o nível do gramado e as extensas superfícies que delimitam a forma da Esplanada
Imagem divulgação [Google Maps, 19 jan. 2023]

 

Espaço de exceção na regra do jogo democrático

Neste conjunto de referências e qualidades sobre o espaço citadino do Plano Piloto de Brasília, o predomínio e o valor do vazio na constituição dos espaços urbanos em diferentes escalas é outro aspecto marcante da cultura urbana do século 20 que foi amplamente explorado nas escalas da cidade. O vazio dos espaços de Brasília já foi bastante criticado. Os argumentos mais recorrentes apontam para um espaço não apropriável, que relativiza todos os referenciais tradicionais de espaço público de uma cultura urbana consolidada ao longo de séculos. Entretanto, passados mais de 60 anos, seja nos usos cotidianos ou excepcionais, em Brasília o vazio é usado, está sendo cada vez mais ocupado e vivenciado, comprovando que há um processo próprio de transformação e apropriação em variados graus de urbanidade, tensionando parâmetros.

Estas observações sobre a qualidade dos espaços da Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes precisam ser apontadas, uma vez que a Esplanada e a Praça são os mesmos espaços em que ocorreram duas situações absolutamente antagônicas de uso e ocupação do espaço público e simbólico da Capital Federal. No intervalo de apenas uma semana o otimismo triunfante foi contra-atacado pelo golpismo destrutivo. No intervalo de apenas uma semana, o espaço público que foi preparado pelas forças de segurança para receber uma multidão calculada em mais de 170 mil pessoas que pacificamente ocupou e festejou a posse presidencial foi tomado por uma horda de cerca de 5 mil pessoas de sanha vingativa e autoritária.

A complexidade dos espaços de Brasília fica patente nas diversas situações em que estiveram no foco do interesse jornalístico, já que Esplanada e Praça são ambientes concebidos para abrigar manifestações políticas. Num processo de reafirmação simbólica, a Esplanada passou a ser o espaço principal dos acontecimentos políticos em Brasília, desde 2013. Ocupar a Esplanada passou a ser mais estratégico do que fazer passeatas ou marchar sobre ela. Ao invés de apenas percorrê-la, permanecer. Tais manifestações converteram-se em situações de aglomeração humana na escala dos milhares de pessoas. Por esta razão o debate sobre como controlar os manifestantes foi reativado também. Mas afinal, controlar para dar segurança ou controlar para impedir ataques, fúria e quebradeira? Imagens da Esplanada dividida em 2 setores com diversas linhas de grades e policiamento provocaram o debate sobre o seu “fechamento”. Fechar e controlar os acessos aos espaços da Esplanada e Praça é complexo, mas é possível. Com inteligência operacional e ações coordenadas, Esplanada e Praça podem se converter em um platô defensável, um bastião cujos acessos podem ser controlados.

Ou seja, Esplanada e Praça são espaços contínuos, abertos e amplos sobre os quais é possível sobrepor lógicas de isolamento, justamente por possuírem delimitações marcantes decorrentes dos seguintes fatores: diferenças entre as cotas do gramado e das Vias N2 e S2, extensas empenas que amuralham sua forma, trincheira na conexão das Vias L2 Norte-L2 Sul e terrapleno da Praça. Toda a complexidade espacial da Esplanada poderia ser considerada nos protocolos de segurança, mas também para refletir sobre as abordagens dos acontecimentos de 8º./janeiro. Já as ações coordenadas envolvem dispositivos físicos para delimitar barreiras —como grades, cones e balizadores de trânsito— e podem envolver viaturas, helicópteros, estruturas temporárias e dispositivos de comunicação e controle, drones, além de batalhões das Forças Armada, incluindo agentes de segurança de diversas patentes, agrupamento de bombeiros, tropa de cães, cavalaria, atiradores de elite, além de todo aparato de inteligência e prevenção de atos.

O interesse pelos espaços de exceção do Plano Piloto de Brasília pretendia ser retomado como objeto de reflexão interessado em rever as possibilidades de uso e ocupação diante dos desdobramentos que a sucessão no comando na Presidência da República poderia ensejar. Menos que engajamento oportuno ou mero alinhamento ideológico, o interesse inicial do texto era refletir sobre a transformação destes espaços de exceção como parte de um complexo processo de retomada da vocação de Brasília como capital e como símbolo do funcionamento do jogo democrático.

A “energia incrível” no gramado da Esplanada

Participar deste evento histórico da posse foi revelador para repensar justamente as qualidades de Brasília como cidade-Capital, mas também para repensar a qualidade do próprio evento. Afinal, se há previsibilidade de ocorrer uma posse presidencial a cada quatro anos, é possível também prever e projetar infraestrutura adequada para uma situação de exceção. Estar na Esplanada é participar de um evento que é vivido por quem lá está, mas é assistido por quem não está. Não é encenação, é participação.

Sobre a “energia incrível” desta situação, vale a pena reiterar que se trata mesmo de uma experiência singular. Outras posses podem ter seguido o mesmo rito, os mesmos protocolos, mas desta vez havia uma sensação coletiva de alívio. Essa tal “energia incrível” se misturava com uma atenção constante ao que poderia acontecer ao redor. Essa sensação tinha que compartilhar momentos em que era preciso estar atento, mesmo rodeado por uma multidão vestida com 50 tons de vermelho, afinal, os boatos de potencial distúrbios foram antecedidos pela ameaça de um caminhão com carga explosiva. A multidão mais heterogênea que se poderia esperar correspondeu à expectativa de um transbordamento de informalidade, irreverência e um exercício pleno de estar à vontade naquela escala excepcional. Ao som de músicas variadas, o hit “Tá na hora do Jair, já ir embora...” se misturava com gritos de guerra (“Lula guerreiro do povo brasileiro” ou “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula...”) e músicas de campanha eram entoadas (“Lula lá...”). Mas antes do desfile do cortejo presidencial, a música que mexeu mesmo com todo mundo foi Anunciação, lançada há quarenta anos, ninguém ficou indiferente ao refrão de Alceu Valença: “...tu vens, tu vens, eu já escuto os seus sinais...”! Em meio a essa polifonia, tinha gente dançando, sambando, rezando, gritando, chorando, erguendo as mãos aos céus, ou fazendo o L...

As edições de 02 de janeiro de 2023 do Jornal de Brasília, do Correio Braziliense, d’O Estado de S. Paulo e da Folha de S.Paulo destacaram a subida da rampa do Palácio do Planalto e a passagem da faixa presidencial por representantes do povo brasileiro, troca simbólica que usualmente ocorria no parlatório, elemento de destaque da composição formal do palácio, voltada para a Praça. Os jornais trataram mormente do desfile em carro aberto, da subida da rampa do Planalto e dos conteúdos dos discursos proferidos no plenário da Câmara e no Parlatório. Nem as rotinas burocráticas de fazer o juramento, passar as tropas em revista, da posse do novos Ministros de Estado, e nem mesmo a recepção no Palácio Itamaraty obtiveram tanto interesse, diante do ritual olímpico que a instalação dos poderes requer.

Além disso, os jornais trouxeram informações complementares sobre a posse, apontando que sessenta delegações estrangeiras e chefes de Estado vieram para a posse e que haveria um rígido esquema de segurança. A Praça teve um público limitado por motivos de segurança, pois embora seja aberta, suas limitações físicas definem diferenças topográficas perigosas caso haja algum corre-corre. Diferentemente dos espaços da Esplanada, onde é possível ter permeabilidade de acessos entre quase todos os ministérios, a Praça tem muitas restrições de acesso e poucas rotas de fuga. Por causa deste aventado esquema de segurança, a lista dos itens que poderiam ou não ser levados para a posse foi amplamente divulgada, mas na manhã do dia 1º a rádio CBN informou que a revista rigorosa que havia sido divulgada ficaria restrita à Praça dos Três Poderes, deixando imprecisas as restrições sobre o que poderíamos levar ou não para a Esplanada. Diante de outras atuações da Polícia Militar do DF, estas informações contraditórias geravam dúvidas sobre o que ocorreria. De fato, todos os demais milhares de participantes puderam entrar muito à vontade na Esplanada, levando garrafas, latas de cerveja, chocolate, guarda-chuva, geladeiras, cadeiras de praia e o que mais quisessem!

Diante das ameaças que não se efetivaram durante a longa celebração da posse foi possível observar outros aspectos relativos ao uso extraordinário deste espaço. Havia policiamento monitorando o acesso à Esplanada a partir da Plataforma Rodoviária, mas no gramado era mais fácil detectar a presença de brigadistas que dos policiais. A infraestrutura instalada parecia precária para suportar a multidão. As elevadas temperaturas de um dia ensolarado demandaram alternativas criativas para proteção, tornando imprescindíveis os bonés, chapéus e cangas! As dezenas de banheiros químicos pareciam insuficientes para dar conta da demanda, além da infelicidade de estarem instalados justamente no limite do gramado com as vias da Esplanada onde passaria o cortejo.

Outra ideia imprópria foi o palco montado bem na frente do Palácio do Congresso Nacional, subtraindo da paisagem da Esplanada o seu elemento mais marcante, causando um estranhamento e subvertendo a percepção daquele espaço em um dia singular. Quando as lixeiras não eram localizadas, joga-se no chão. A falta de sinalização eficiente sobre acessos, posto de polícia, posto de saúde, bares, ponto de água etc. desorientava até mesmo quem conhece a Esplanada. Neste sentido, o boneco inflável do Lula além de ser fotogênico, aliás Instagramável, ao mesmo tempo servia como ponto de orientação ou mesmo ponto encontro! A previsível falta de sinal de internet dificultava pagamentos e aumentava a espera nas filas. As filas para água e cerveja eram enormes e não andavam. Ainda assim, à direita e à esquerda, essas filas sofriam tentativas de serem furadas! Mesmo assim, o clima de congraçamento e otimismo era patente e diante da destruição do patrimônio público e do patrimônio cultural que ocorreria uma semana depois da posse, essas considerações se tornam supérfluas.

Multidão acompanha a posse no momento em que o cortejo presidencial descia a Esplanada dos Ministérios, Brasília, 01 jan. 2023
Foto Eduardo Pierrotti Rossetti

Vai passar

O interesse por Brasília e seu funcionamento cotidiano de seus espaços de exceção permanecerá na pauta, seja para pensar a dinâmica das próximas comemorações do 7 de setembro, ou para pensar nos festejos do 21 de abril. O fato é que para além da posse e do terror que vivemos, Brasília deveria ser uma constante mais conhecida no cotidiano da vida brasileira. Estranho é o desconhecimento geral com a complexidade de uma cidade em cujos palácios, salões, plenários e tantos espaços bem desenhados e bem mobiliados que definem e pautam a vida nacional. Estranho é o desinteresse geral com a complexidade dos espaços públicos e com sua forma urbana, que parece ser mais criticada do que conhecida. Estranho é o desinteresse geral com a complexidade da escala metropolitana do Distrito Federal. Eis talvez o paradoxo: o excesso oculta Brasília.

O Brasil conhece Brasília e também desconhece. Estes dois eventos históricos – posse da Chapa Lula-Alckmin & tentativa golpista – no intervalo de uma semana causaram um curto-circuito sobre os domínios do o que é a Capital Federal. Afinal, sobre o que fizeram, o que deixaram de fazer e o que deveriam ter feito “em Brasília”, comenta-se, escreve-se, critica-se, lamenta-se... A Capital é cotidiana, está multiplicada em N suportes e meios de comunicação, mas ainda é estranha para muitos. Brasília também permanece sendo tratada como lembrança, como sonho, miragem ou equívoco. Brasília se presta a ser sinônimo de falácia, desordem, desatino... Para muitos, mesmo sendo um hub aeroportuário, Brasília é um lugar distante, fora da rota. Brasília nunca foi uma miragem e tornou-se um artefato urbano, arquitetônico, mobilizando a inteligência brasileira para superar questões técnicas, sociais, culturais e políticas.

Como já alertou Lúcio Costa, Brasília não ficará velha, ficará antiga. A empreitada da construção de Brasília não deve ser banalizada, pois fez surgir uma cidade que simboliza a materialização da busca por autonomia do próprio do país, reposicionando-o diante das transformações do mundo. Brasília foi uma síntese do que melhor havia no Brasil. Brasília atualizava o Brasil impulsionando-o para muito além do seu presente inaugural. Hoje, Brasília está novamente multiplicada em muitas imagens que fazem da cidade um assunto relevante. Mais uma vez, Brasília pode indagar: que país é esse? Que país será este? Para que deixe de ser uma mera imagem é preciso conhecer Brasília. Brasília está aqui, é inexorável! É preciso conhecer para desmistificar.

Estamos todos ainda no calor dos acontecimentos, com diversas ações de investigação em curso, mas destaca-se também que diversas ações de recuperação dos palácios já estão em andamento. O estado de destruição do patrimônio público e do patrimônio cultural, considerando as complexas dimensões dos prejuízos desses bens culturais estão sendo levantados em caráter preliminar e urgente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Diante do estado deplorável, muitas iniciativas de colaboração já foram anunciadas, mas felizmente, os profissionais dos quadros de servidores, que já têm competência na manutenção dos palácios, haverão de se mobilizar e ampliar os esforços de atuação para recuperação dos palácios. Os variados graus de destruição e comprometimentos dos palácios, que foram originalmente inaugurados para celebrar e consubstanciar a posse da nova Capital, podem hoje proporcionar uma inacreditável oportunidade de reflexão e de projeto de intervenção. Vale ponderar que todos os palácios passaram por transformações sutis e diversos ajustes espaciais para assegurar o seu funcionamento pleno, ao longo de suas décadas de existência. Obras de arte foram acrescentadas, assim como dispositivos de segurança, novas instalações, adaptações para acessibilidade, etc. A circunstância premente de encarar tais intervenções deve catalisar esforços para que recuperar, restabelecer, requalificar e restaurar sejam ações calibradas para reabilitar plenamente os palácios de Brasília.

Nas narrativas da historiografia, a arquitetura de Brasília se notabilizou por sua transparência e pela franca relação com as superfícies do chão, dotadas de estruturas marcantes e espacialidade contínua, ao mesmo tempo em que as espessuras foram reduzidas ou tensionadas ao máximo para gerar um sentido próprio de leveza e delicadeza formal. Transparências, sombras, amplidão espacial e rampas são metáforas do quanto a arquitetura de Brasília era otimista e acreditava num país em que nós não nos tornamos. Recuperar esta arquitetura poderá ensejar ações de recuperação dos valores que elas portam como elo de memória para novamente nos impulsionar para o futuro. O senso de futuro deve ser apenas uma constante na reflexão contínua da cidade e no enredo das demandas do presente. Assim, não serão barreiras físicas de grades mais altas ou outros elementos que provoquem o impedimento do contato e da experiência arquitetônica que deverão ser adotados. Tecnologias e novos materiais deverão ser explorados. Razão e sensibilidade devem ser mobilizadas para projetar soluções sábias, correspondentes à modernidade que engendrou tais palácios.

Na escala urbana, o desafio se renova em proporcionar a qualificação efetiva dos espaços públicos da Esplanada e da Praça, como nas demais escalas do Plano Piloto. As demandas de infraestrutura para pleno uso cotidiano da ocupação dos espaços da Esplanada dos Ministérios têm a oportunidade latente para promover uma reflexão sobre a necessidade de projetar a “marquise de serviços” entre os blocos ministeriais. Esta marquise poderia dotar a Esplanada de banheiros, cafés, restaurantes, lojas de pequenas conveniências, bancas de jornal, bares e N outras demandas que a vida urbana contemporânea pode imprevisivelmente demandar, qualificando o “Mall dos brasileiros” (8). Por meio de concurso de projetos, tal alternativa de intervenção que é apontada desde a Portaria de tombamento, serviria tão bem aos usos cotidianos da Esplanada, como poderia também contribuir para complementar as necessidades em dias excepcionais de toda sorte de eventos, inclusive da posse presidencial.

Em 2023, entre a festa da posse e o terror golpista, a cidade e sua arquitetura, projetados para uma capital democrática, foram profanados e todos estamos sendo forçados a encarar com serenidade a complexa circunstância da vida nacional. Ao mesmo tempo, é preciso acompanhar com interesse os próximos desdobramentos na complexa recuperação física e simbólica da arquitetura dos palácios de Brasília. Afinal, a cidade tem novos capítulos a serem escritos em sua história. A ação destrutiva foi intensa, mas a arquitetura resistiu. Enquanto a capital e o país se esforçam para rapidamente suplantar o estarrecimento e superar o trauma vivido, certo é que a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes, o Palácio do Congresso Nacional, o Palácio do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto são resilientes e devem permanecer como espaços e arquiteturas excepcionais, reapresentando-se como ambientes condignos para a celebração simbólica, pública e coletiva do ritual das regras da democracia (9).

notas

1
ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília, 60 anos. Da lama e caos à paranoia e mitificação. Minha Cidade, ano 21, n. 251.01, São Paulo, Vitruvius, jun. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/21.251/8132>.

2
HOLANDA, Frederico de. O espaço de exceção. Brasília, FRBH, 2018.

3
SETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília, 60 anos. Da lama e caos à paranoia e mitificação (op. cit.).

4
PADUA, Letícia; QUEIROLO, Gustavo. Veja áreas do Congresso, Planalto e STF atingidas nos ataques golpistas. Folha de S.Paulo, São Paulo, 16 jan. 2023 <https://bit.ly/3wAHxQj>.

5
AZEVEDO, Dodô. 'Lulapalooza' deveria acontecer todo o ano. Folha de S.Paulo, São Paulo, 04 jan. 2023 <https://bit.ly/3XJVmYN>.

6
Idem, ibidem.

7
COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das Artes, 1995.

8
SCHLEE, Andrey Rosenthal. O Mall dos brasileiros. In RIBEIRO, Sandra Bernardes; PERPÉTUO, Thiago. Patrimônio em transformação: atualidades e permanências na preservação dos bens culturais em Brasília. Brasília, Iphan, 2017, p. 90 <https://bit.ly/3Y25sDZ>.

9
Além dos já citados, o autor consultou os seguintes textos:

ANAGNOST, Adrian. When Modernism Met the Mob in Brasília. Bloomberg, Nova York, 11 jan. 2023 <https://bloom.bg/3DmnFEa>.

COHEN, Jean-Louis. O futuro da arquitetura desde 1889. São Paulo, Cosac Naify, 2013.

COLI, Jorge. Posse de Lula trouxe euforia e esperança de uma nova era. Folha de S.Paulo, São Paulo, 05 jan. 2023 <https://bit.ly/3wAoh5p>.

FREITAS, Conceição. A rampa finalmente cumpriu seu destino, quase 63 anos depois. Correio Braziliense, Brasília, 05 jan. 2023 <https://bit.ly/3DnrcCo>.

HOLANDA, Frederico de. Cidade moderna, cidade eterna. Brasília, EdUnB, 2010.

MARTÍ, Silas. Ataque a Brasília desfaz imagem da capital do futuro, bela e alienígena. Folha de S.Paulo, São Paulo, 14 jan. 2023 <https://bit.ly/3JlNMiq>.

MAZZA, Luigi. Vias abertas para golpistas. Piauí, Rio de Janeiro, 08 jan. 2023 <https://bit.ly/3jjKKAF>.

ORTIZ, Brenda. Veja esquema de segurança e itens proibidos na Esplanada para posse de Lula, em Brasília. G1 DF, Brasília, 31 dez. 2022 <http://glo.bo/3WFpiE5>.

PETRY, André. Nunca foi tão fácil, nunca foi tão difícil. Piauí, Rio de Janeiro, 08 jan. 2023 <https://bit.ly/3kKwXUd>.

PODER360. Público da posse de Lula supera 7 de Setembro de Bolsonaro. Poder 360, Brasília, 02 jan. 2023 <https://bit.ly/3Y2FJLv>.

RATIER, Rodrigo. De costas para a posse, fila e alívio na cidadela lulista. UOL, São Paulo, 02 jan. 2023 <https://bit.ly/3wykYMh>.

ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Arquiteturas de Brasília. Brasília, ITS, 2012.

SCHLEE, Andrey Rosenthal. A praça do maquis. Arqtexto, n. 21, Porto Alegre, p. 41-54.

STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Brasília, EdUnB, 2003.

sobre o autor

Eduardo Pierrotti Rossetti é arquiteto, professor e pesquisador da FAU UnB. Atualmente faz pós-doutorado no Propar/UFRGS, sob supervisão de Carlos Eduardo Dias Comas.

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