Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O arquiteto Andrey Rosenthal Schlee, professor titular da FAU UnB e diretor de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan, comenta a destruição promovida por vândalos de extrema-direita nos palácios dos três poderes em Brasília.

how to quote

SCHLEE, Andrey Rosenthal. Sem democracia não há patrimônio. Sobre o vandalismo nos palácios dos três poderes em Brasília. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 270.03, Vitruvius, jan. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.270/8713>.


Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee


O presente ensaio foi escrito, a convite da professora Maísa Veloso (1), ainda no calor dos episódios que se desenvolveram na Capital Federal durante as duas primeiras semanas do ano de 2023. Trata, particularmente, dos problemas relacionados com a preservação do Patrimônio Cultural decorrentes dos atos terroristas que caracterizaram a tentativa de golpe impetrada contra o Estado Democrático de Direito no Brasil. Devo, por isso mesmo, ao iniciá-lo, reafirmar nosso total compromisso com a defesa da Democracia e com o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, legitimamente eleito no pleito de 2022.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

 

O título adotado, “Sem democracia não há patrimônio”, por mim utilizado originalmente em postagem do Instagram, devo aos colegas do Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo, a quem agradeço.

Dois terríveis acontecimentos históricos marcam profundamente minha relação com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

O primeiro, ocorreu no domingo 2 de setembro de 2018, quando absolutamente emocionado acompanhei pela televisão os desdobramentos do incêndio do Museu Nacional, sediado no Rio de Janeiro. Dois dias depois, na condição de diretor de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan, função que exercia desde 2011, estava na antiga Quinta da Boa Vista, observando as atividades da perícia técnica no museu. Logo foi possível participar da definição das ações emergenciais a serem realizadas e colaborar com a indicação dos primeiros critérios para uma futura intervenção no edifício tombado e acidentado. Da mesma forma, presenciamos o início dos trabalhos de resgate dos acervos e coleções atingidos – parte deles igualmente tombados, como a coleção arqueológica Balbino de Freitas.

Completamente impactado, finalmente, circulei entre os destroços, numa cena até então inimaginável, que quase sempre correspondia ao empacotamento dos diferentes pavimentos da edificação, queimados e arruinados, compactando, esmigalhando e triturando objetos únicos, quase sempre de incalculável valor histórico ou científico. Tudo aquilo me fez ter certeza de que estava testemunhando a maior tragédia da Cultura Nacional.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Como um prenúncio dos terríveis tempos que se aproximavam, ainda durante a campanha eleitoral de 2018, questionado sobre o incêndio no Museu Nacional e a necessidade de manutenção dos bens culturais, o então candidato à presidência, Jair Bolsonaro, afirmou: “Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê? O meu nome é Messias, mas eu não tenho como fazer milagre” (2).

O segundo acontecimento ocorreu em novo domingo, passados cerca de cinco anos do primeiro. No início da tarde de 8 de janeiro de 2023, uma horda de bolsonaristas, contando com o complacente acompanhamento das forças de segurança do Distrito Federal, deslocou-se do nefasto acampamento montado na Praça dos Cristais em direção à Praça dos Três Poderes.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Para quem não conhece Brasília, estamos falando de obra projetada pelo paisagista Roberto Burle Marx, inserida no Setor Militar, bem à frente do Quartel General do Exército (a estreita relação entre as Força Armadas e os acampamentos golpistas ainda deverá ser investigada). Estamos falando de um percurso de aproximadamente 8 Km em linha reta, de praça a praça.

Já na Esplanada dos Ministérios, na altura do Palácio da Justiça, a travestida operação ganhou corpo e força – mantida a conivência das forças de repressão – revelando-se numa orquestrada ação terrorista, cujo objetivo principal era visivelmente derrubar o Estado Democrático de Direito brasileiro.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Rapidamente, os palácios do Congresso Nacional, do Planalto e do Supremo Tribunal Federal foram invadidos e seus simbólicos espaços profanados, seguindo-se momentos de barbárie raramente vistos, que resultaram na vandalização e destruição dos ambientes funcionais e de representação dos Três Poderes da República.

Ocorreu que, dois dias depois do fracassado golpe, fui convidado pela Ministra da Cultura, Margareth Menezes, para reassumir – agora ao lado do Presidente Leandro Grass – o Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan. No mesmo dia, numa espécie de incômodo déjà vu, percorri os palácios barbarizados. Caminhei sobre cacos de vidro, entre móveis e objetos destroçados. Vi os quadros perfurados e as esculturas quebradas. Mais uma vez, objetos únicos, quase sempre de incalculável valor histórico ou simbólico. Tudo aquilo me fez ter certeza de que, mais uma vez, estava testemunhando uma tragédia nacional. No entanto, uma fundamental diferença separa os dois dramas. Enquanto no Rio de Janeiro foi o fogo descontrolado que destruiu parte da memória nacional; em Brasília, foram “seres humanos”, autodeterminados “gente de bem” ou “patriotas”. Ou seja, terroristas bolsonaristas! Capazes de arrasar com parte do Patrimônio Nacional para atingir seus escusos e obscuros objetivos. Na terra plana, não há lugar para a cultura e a democracia. E sem democracia não há patrimônio.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

 

A tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023, de certa forma, pode ser encarada como uma espécie de coroamento trágico de todo o período Bolsonaro. Cabendo destacar, pelo menos, três questões de base: (a) a naturalização da mentira – todo um mandato presencial desrespeitando os demais poderes da República, em especial afrontando e atingindo pessoalmente os ministros da Suprema Corte; (b) a subversão do conceito de coisa pública – que deixou de ser encarada como aquilo que pertence ao povo, parar ser tratada como o que não é de ninguém e, portanto, pode ser individualmente apropriado; e (c) a criminalização da cultura – com o fim do ministério e o desmonte de suas instituições e estruturas de fomento.

E foi isso o que se viu domingo infame. Não aceitando o resultado da eleição e contrariados com a apoteótica posse de Lula, o golpismo fascista resolveu revelar-se. Confiante na proteção que sempre recebeu do governo Bolsonaro, marchou contra os Três Poderes, sustentado em mentiras, invadindo o que é público e destruindo expressões culturais significativas do Brasil.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

 

Seis foram os espaços agredidos e, em menor ou maior grau, diretamente impactados e vandalizados. O Palácio do Congresso, o Palácio do Planalto, o Palácio do Supremo Tribunal Federal, o Museu da Cidade, o Espaço Lucio Costa e a Praça dos Três Poderes. Todos projetados por Oscar Niemeyer e tombados pelo Iphan. As imagens presentes nesse artigo ilustram o quadro descrito.

As ações emergenciais de recuperação dos monumentos iniciaram já na noite do dia 8, quando equipes de servidores dos mais diferentes órgãos envolvidos começaram a ser mobilizadas. Especialmente sobre os três palácios, é fundamental mencionar (e reconhecer) que contam, entre seus quadros funcionais, de equipes de especialistas que atuam diretamente na manutenção e conservação das edificações e dos acervos sob sua guarda. Neste sentido, cabe citar o importante trabalho do Departamento Técnico da Câmara dos Deputados, a Coordenação de Bens Culturais do Centro de Documentação e Informação da Câmara, da Secretaria de Infraestrutura do Senado Federal; da Coordenação de Engenharia e Arquitetura do Supremo Tribunal Federal; da Direção de Engenharia e Patrimônio da Presidência da República e da Diretoria de Curadoria dos Palácios Presidenciais. Além dos técnicos das três casas citadas, o Iphan conta com os servidores-especialistas na Superintendência no Distrito Federal e no Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização. Fora de Brasília, 23 técnicos do Iphan possuem especialização na conservação de bens culturais móveis e elementos artísticos integrados à arquitetura, e estão disponíveis para atuar. Tal força de trabalho – acrescida de inúmeros outros trabalhadores da limpeza e manutenção –, estão responsáveis pelas ações emergenciais, que permitiram que os palácios do Planalto e do Congresso voltassem a funcionar imediatamente.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

No dia 12 de janeiro, o Iphan entregou à Ministra da Cultura o denominado “Relatório preliminar de vistoria de bens culturais afetados por vandalismo” (3), documento que, pela primeira vez, apresentou uma visão geral dos danos causados pelos atos terroristas. Dividido em quatro partes – danos encontrados, patrimônio mundial, levantamento da equipe disponível e registros fotográficos – sugere a organização dos trabalhos em três momentos: (a) o das ações emergências para recomposição das edificações, permitindo seu pleno funcionamento (como fechamento dos palácios, troca de vidros, substituição de carpetes, recomposição dos forros de gesso, higienização dos ambientes etc.); (b) o das ações de médio prazo, que basicamente implicam no mapeamento de danos, elaboração de projetos de intervenção e orçamento (como a recuperação dos mármores e o restauro dos bens móveis e elementos artísticos integrados etc.); e (c) as ações de longo prazo, que se desdobram na execução dos projetos elaborados (restauração propriamente dita) e que serão acompanhadas por um programa de Educação Patrimonial.

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

Por fim, frente aos acontecimentos ocorridos a partir do dia 8, é fundamental resgatar os dois primeiros compromissos assumidos pela Coligação Brasil da Esperança – Lula-Alckmin (2022):

“Mais do que nunca, o Brasil precisa resgatar a esperança na reconstrução e na transformação de um país devastado por um processo de destruição que nos trouxe de volta a fome, o desemprego, a inflação, o endividamento e o desalento das famílias; que coloca em xeque a democracia e a soberania nacional, que destrói o investimento público e das empresas, e que dilapida o patrimônio natural, aprofundando as desigualdades e condenando o país ao atraso e ao isolamento internacional.

A sociedade brasileira precisa voltar a acreditar na sua capacidade de mudar os rumos da História, para superar uma profunda crise social, humanitária, política e econômica, agravada por um governo negacionista, que negligenciou os efeitos da pandemia, sendo o principal responsável por centenas de milhares de mortes.

O Brasil merece e pode mudar para muito melhor, pois nossa gente já provou do que é capaz. O Poder Público deve ser o grande estimulador dos acordos e parcerias multissetoriais necessários para a reconstrução do nosso país” (4).

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

notas

1
NE – Publicação original do artigo: SCHLEE, Andrey Rosenthal. Sem democracia não há patrimônio. Projetar, v. 8, n. 1, Natal, jan. 2023, p. 8-13 <https://bit.ly/3wLCWe9>.

2
G1. Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê’, diz Bolsonaro sobre o incêndio no Museu Nacional. Portal G1, Brasília, 04 set. 2018 <http://glo.bo/2wIDGST>.

3
IPHAN/BR. Relatório preliminar vistoria de bens culturais afetados por vandalismo praça dos três poderes – Brasília/DF. Brasília, Ministério da Cultura / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional / Superintendência do Iphan no Distrito Federal12 jan. 2023. <https://bit.ly/3DsEZHO>.

4
COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA. Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil. Lula Alckmin 2023-2026 <https://bit.ly/3RqWbU4>.

sobre o autor

Andrey Rosenthal Schlee é professor titular da FAU UnB e diretor de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan.

legendas

Praça dos Três Poderes e seus palácios após os atentados de 8 de janeiro de 2023
Foto Andrey Rosenthal Schlee

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided